Crédito: Arquivo Pessoal/ Jorge Santos

De segunda a sexta-feira Jorge Santos, mais conhecido como Kadinho, de 42 anos, tem a mesma rotina: acorda, arruma o filho para a escola e tem a ajuda do pai para preparar duas garrafas de café. A bebida, no entanto, não é para acompanhar o café da manhã da família. Os cafezinhos são servidos gratuitamente para os motoristas de ônibus que passam pela AutoEstrada Lagoa-Barra, no ponto da passarela, todos os dias, entre 7h e 7h20 da manhã, no sentido São Conrado.

A ideia de servir café começou a partir de uma dificuldade de Kadinho, mas agora já virou compromisso. “Ano passado meu filho começou a estudar na Escola Mater, em São Conrado, e tinha que pagar passagem de ida e de volta. Ele sempre estudou na Rocinha e eu não precisava pagar passagem. Com a mudança de escola e também com a crise, o dinheiro apertou e eu precisei achar algum dispositivo para que ele não pagasse passagem em algumas viagens. E aí vem aquela coisa: se você quer rir tem que fazer rir. Daí surgiu a ideia de começar a oferecer café para os motoristas em troca de algumas caronas”, disse Kadinho, que é corretor de imóveis.

O filho percorre um caminho de quase 3km de distância dentro do ônibus. No começo, não foi fácil conquistar a confiança dos rodoviários. “No início tinha alguns motoristas que liberavam a entrada do meu filho, outros que bebiam o café, mas diziam que se dessem carona seriam prejudicados. Foi uma coisa que foi começando de motorista para motorista”, explica ele.

No final do ano passado ele teve uma ideia que ajudou a estreitar a relação dele com os motoristas de ônibus. “Eu pedi pra uma pessoa que foi pra São Paulo que trouxesse 50 pares de meias sociais pra mim. No final do ano, eu fiquei parado durante uma semana esperando todos esses motoristas que deram carona pro meu filho e quando eles passavam eu dava de presente um par de meias. Eles ficaram super alegres. Agora que começou o ano letivo tem motorista que até reclama quando meu filho não vai no ônibus dele”, comenta ele.

A relação entre o corretor de imóveis e os rodoviários já virou amizade. “Já teve situação que eu esqueci o livro em casa do meu filho e subi pra pegar na Rua 2, onde eu moro, e desci. Entreguei para um motorista amigo, que pediu licença para os passageiros e entregou o livro do meu filho na porta da escola dele e depois seguiu a rota normalmente”, relembra Jorge, que faz parte de grupos de whatsApp com os motoristas.

O segredo do café está na forma do preparo. Para agradar a todos, Kadinho coloca adoçante e açúcar na bebida. Ele explica que, como nem todos bebem café, estuda a possibilidade de começar a distribuir também achocolatado quente. Em breve, também vai aumentar de duas para três garrafas de café por dia.

A reação das pessoas

“Na verdade eu percebo que ninguém está preparado para ser agradado. No meu caso eu chego com café, com alegria. Eu não conto por dia, mas são três engradados de copo por semana. São ônibus que fazem a rota Zona Sul-Barra, ônibus que estão no raio da escola do meu filho. Também entrego para passageiros que pedem. Se a pessoa está sorrindo, eu dou. Se ela está de cara feia, eu ofereço também pra sorrir. Se não gosta de mim, eu dou pra gostar, se gosta de mim eu dou dois cafezinhos”, comenta aos risos. Tem dias que o café vem acompanhado de bolo. Nesse caso, “é um gol”, como diz Kadinho, torcedor do Flamengo.

O dia que a bebida faz mais sucesso é justamente na segunda-feira, conhecida mundialmente como o dia da preguiça. “Se não levar o café na segunda feira não preciso levar a semana toda. A segunda é o mais importante. As pessoas estão mais pra baixo, mais sonolentas”, diz ele.

Alheio ao que as pessoas pensam dele, ele segue levando café e sorrisos todos os dias. “Todo mundo tem direito ao café. Uns pensam que eu quero aparecer, outros que eu quero me promover. Outros acham que eu estou fazendo errado, que pode prejudicar o motorista. Mas eu pego a reta e sigo em frente porque quem vai me defender vai ser justamente esses motoristas que estão sendo agradados”, comenta Kadinho.

Café para além do ponto de ônibus

Crédito: Arquivo Pessoal/ Jorge Santos

O cafezinho também é oferecido no caminho de casa até o ponto de ônibus, na academia e até na praia. “Às vezes estou descendo a Rocinha e vejo um pai descendo com o filho no colo, quase dormindo. Eu percebo isso e ofereço o café. Alguns não aceitam porque pensam que tem que pagar, mas quando digo que é de graça eles aceitam. Aí eu já estabeleço aquela amizade. No começo sobrava café alguns dias e eu comecei a levar pra academia. Agora já está ficando sério, porque estou tendo que levar algumas garrafas pra lá também”, diz aos risos.

A rotina de oferecer café, no entanto, só é cumprida com excelência em dias que a Rocinha está calma. “Já teve vários dias que não fui levar o café por conta do clima que estava na Rocinha. É muito bom agradar as pessoas, mas antes de você agradar você também tem que estar bem. Teve dias que eu acordava e estava esse tiroteio todo. O café não ia sair legal. Então o café tem essa energia também, que vai junto. Então quando voc? não está com a cabeça boa algo dá errado, ou vai muito doce, ou vai com pouco açúcar. Aí nesses dias é melhor nem fazer”, comenta ele.

Reportagem: Beatriz Calado

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