A importância das visitas domiciliares na atenção à saúde da Rocinha
De acordo com dados obtidos através da Lei de Acesso à Informação, 640 moradores da Rocinha recebem visitas domiciliares periodicamente
A acessibilidade ao Sistema Único de Saúde (SUS) vai além das consultas. As visitas domiciliares realizadas por profissionais da saúde pública fortalecem o vínculo entre o SUS e as favelas. Na Rocinha, segundo dados da Lei de Acesso à Informação, 640 moradores recebem essas visitas, incluindo idosos, pessoas com deficiência e crianças.
Para entender a importância das visitas domiciliares, a aluna* Danielle Nascimento foi ouvir os profissionais de saúde do Centro Municipal de Saúde Dr. Albert Sabin, a primeira unidade de saúde da Rocinha, criado em 1982.
Alexandre Mendes, 48 anos, agente comunitário de saúde, conta que as visitas domiciliares proporcionam um olhar mais abrangente sobre o paciente, permitindo identificar fatores que podem influenciar sua saúde.
“A gente não vê só o paciente. A saúde está condicionada a vários fatores, como o ambiente em que ele vive e o apoio da família. Quando estamos na casa da pessoa, conseguimos ver esses fatores e melhorar o tratamento”, explica Alexandre.
A visita domiciliar não se limita a atender o paciente, mas se estende a todos os aspectos de sua vida e do ambiente em que vive. A abordagem integral permite que os profissionais de saúde identifiquem fatores que podem impactar a saúde do paciente e proponham intervenções que vão além do tratamento médico.
Saúde não é apenas a ausência de doença e as visitas domiciliares nos permitem ver o paciente de forma mais ampla, considerando todos os aspectos que afetam seu bem-estar”, conclui Alexandre.
Essa perspectiva é compartilhada por Alice Silveira, médica da equipe de Saúde da Família. Ela destaca que, no ambiente domiciliar, os pacientes sentem-se mais à vontade para expressar dúvidas e preocupações que, muitas vezes, não surgem durante uma consulta no consultório.
“A comunicação é mais eficiente quando estamos na casa do paciente, onde ele se sente mais confortável e seguro para compartilhar suas dúvidas”, afirma Alice. Apesar dos benefícios, as visitas domiciliares apresentam desafios, especialmente em áreas de difícil acesso.
O agente comunitário de saúde, que também é morador da comunidade, desempenha um papel crucial na superação dessas barreiras.
Nós somos o elo entre o atendimento e a comunidade. Conhecemos bem a realidade local, o que facilita o acesso às casas, mas isso não significa que seja sempre fácil”, comenta Alexandre.
A organização das visitas também é um desafio logístico. As equipes precisam planejar cuidadosamente os atendimentos para otimizar o tempo e os recursos, levando em conta as distâncias e as características geográficas da área atendida.
“Tentamos programar as visitas para realizar o maior número de atendimentos possível em um dia, considerando as particularidades de cada região”, explica Alice.
Os profissionais concordam que o sucesso das visitas domiciliares depende, na maioria, da conexão estabelecido com a comunidade. “O vínculo é construído aos poucos, com respeito e confiança. Essa proximidade nos permite perceber necessidades que, talvez, não fossem identificadas em uma consulta tradicional”, afirma Alexandre.
Além disso, as visitas domiciliares reforçam o papel do agente comunitário de saúde como um elo vital entre o SUS e os moradores. “Estamos presentes na comunidade todos os dias, o que nos permite identificar e comunicar problemas antes mesmo de eles chegarem à unidade de saúde”, destaca Alice.
As visitas domiciliares são uma das mais valiosas práticas dentro da Estratégia de Saúde da Família, promovendo um cuidado mais humanizado e eficiente, especialmente em comunidades onde o acesso aos serviços de saúde é limitado.
Essa abordagem não só melhora o atendimento, mas também fortalece a relação de confiança entre o SUS e a população, contribuindo para uma saúde mais acessível e de qualidade para todos.
E, na prática, como acontece?
Em uma visita domiciliar na Rocinha, acompanhamos a equipe de Saúde da Família em um dia típico de trabalho, onde encontramos Dona Francisca da Silva, uma senhora de 73 anos, com quadro clínico de diabete e hipertensão.
Dona Francisca nos recebeu em sua casa com um sorriso tímido, mas acolhedor. Ao longo da conversa, ela compartilhou sua luta com a diabete, que enfrenta há 16 anos, e a importância do atendimento que recebe em casa.
“Eu operei as costas, apareceu um caroço que pensei até que era câncer. A doutora disse que era estresse, pois passei muito tempo com meu marido internado no Hospital da Lagoa. Sou diabética, mas depois que comecei a tomar insulina as coisas melhoraram. No entanto, ainda aparecem caroços nas costas”, conta.
A história de Dona Francisca é marcada pela resiliência: “Perdi meu esposo para o câncer e me descuidei. Acabei piorando de saúde, mas com a ajuda da equipe, fui melhorando. Hoje, consigo me cuidar melhor, mesmo sendo analfabeta. Meus filhos me ajudam muito, especialmente com a insulina.”.
A equipe de saúde, liderada pelo agente comunitário Alexandre Jesus, é fundamental na rotina de Dona Francisca. Alexandre explica que a equipe vai para a casada paciente com todos os materiais necessários para monitorar a saúde, desde a pressão arterial até o nível de glicose no sangue.
Dona Francisca também elogia o atendimento que recebe: “As meninas aqui do posto são ótimas, me ensinam a cuidar da pele, a tomar os remédios certinhos. Eu não tenho nada do que reclamar, o atendimento aqui é uma bênção.”.
Edson, um dos filhos de Dona Francisca, destaca a importância do acolhimento que a mãe recebe: “É muito importante para ela e para nós também. Ela está em casa, mas não está desassistida. Eles visitam, monitoram, orientam, e isso faz toda a diferença. O SUS melhorou muito nesse aspecto, e eu acredito que esse atendimento domiciliar deve continuar”.
Esta matéria foi produzida pela aluna Danielle Nascimento durante a formação em Comunicação em Saúde na Rocinha, como parte do programa Rede Fala Roça Informa. O projeto foi idealizado pelo Fala Roça e apoiado na chamada pública do Plano Integrado de Saúde nas Favelas. A formação foi conduzida pelo Fala Roça, com o apoio da Fiotec, Fiocruz, Sistema Único de Saúde (SUS) e do Governo do Brasil.