Petrô: o agente educador que marca a vida de gerações da Rocinha

Apelido é herança da revista em quadrinhos “Tonico e Petrolino” da campanha “O petróleo é nosso”
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Reportagem publicada na 17° edição impressa do Fala Roça. Clique aqui e leia a versão digital do jornal.

A década de 1950 marcou o início dos debates sobre quem teria o direito de explorar o petróleo brasileiro. Nesse contexto, como parte da campanha “O petróleo é nosso”, foi lançado um concurso de redação para jovens alunos do estado da Guanabara escreverem sobre o tema.

Luiz Fernandes da Silva era morador da Macega, na Rocinha, e com nove anos, fez a melhor redação. Para receber o prêmio, Luiz foi com a mãe até os estúdios da TV Excelsior, no centro da cidade. Lá, ele foi convidado para ser o garoto propaganda da revista em quadrinhos “Tonico e Petrolino”. Foi ali que ganhou o apelido que o acompanharia para o resto da vida: Petrô.

A ausência do pai e a intensa rotina de trabalho da mãe fizeram com que Petrô precisasse amadurecer cedo. “Eu não tive infância, com 12 anos comecei a trabalhar em um supermercado”. Quando a mãe saía, ele era o responsável pelas três irmãs mais novas. Foi na relação com a família que, segundo ele, surgiu o interesse dele para trabalhar com crianças. “Eu queria que a criança que eu não fui, fossem eles”, desabafa. 

Capa da revista Tonico e Petrolino – Uma aventura no Atlantico, publicada em 1968.

Hoje, Petrô tem 69 anos e cumprimenta boa parte das pessoas que passam por ele na Rocinha. Figura muito conhecida no morro, além de liderança comunitária, ele é agente educador há 42 anos na Escola Municipal Desembargador Oscar Tenório. 

A atuação dele como liderança começou na Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem. Na época, a igreja organizava grupos para “brigar pelo espaço da Rocinha”, conta. Os mutirões faziam serviços para a comunidade. Reivindicavam a construção de escolas dentro da favela – não só para crianças mas também para adultos – colônia de férias, limpavam as valas, ruas e, às vezes, até a praia. 

Em 1967, Petrô entrou para a Ação Social Padre Anchieta (ASPA) como voluntário. Hoje, ele é conselheiro na instituição. Ao longo dos anos fizeram vários trabalhos juntos. Estruturaram, por exemplo, projetos com crianças em situação de rua na favela, aulas de reforço escolar, teatro e um curso de marcenaria. Tudo a partir de doações. Mas para esse último, havia um problema. As máquinas que trabalhavam com madeira precisavam de 220 volts e na época não existia essa instalação no morro. Foi preciso brigar muito com a Light para adicionar gratuitamente os novos relógios.

Em paralelo, Petrô se inscreveu em um curso para ser educador de rua social, oferecido pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS). Por construir uma atuação na Rocinha e em outras favelas e também ser educador formado na SMDS, a UNICEF o convidou para conhecer experiências de educação de crianças em situação de vulnerabilidade pelo país. Ele foi para Belém, no Pará, onde viu de perto o trabalho do padre Bruno Sechi, fundador do Movimento República de Emaús, grupo conhecido pelas ações de solidariedade na cidade. Foi também para São Paulo e Betim em Minas Gerais, tendo contato com diversos projetos de sucesso.

A parceria com a UNICEF permaneceu por anos. De volta ao Rio, trabalharam juntos, tanto na Rocinha, na alfabetização de jovens, como em Copacabana, com meninos em situação de rua. Petrô coordenou por 11 meses uma equipe de 12 profissionais. A ideia era apresentar através da música, da arte ou da educação, possibilidades de caminhos para esses jovens. 

Além de fazer trabalhos sociais pela cidade, em 1981, antes da parceria com a UNICEF, ele prestou um concurso para ser agente educador. Passou e no ano seguinte, começou a trabalhar na Escola Municipal Desembargador Oscar Tenório, onde está até hoje.

Petrô é conhecido no morro pelo carisma. Quando fez uma cirurgia e precisou brevemente se afastar da escola, recebeu um vídeo dos pequenos alunos pulando e gritando pelo seu retorno. O fato de ele morar na Rocinha, assim como a maioria dos alunos, segundo ele, facilita a construção do vínculo. “Minha vida é um livro aberto, mas eles não sabem delimitar meu espaço. Eles acham que o meu espaço é deles”. Petrô reclama, em tom de brincadeira, que em qualquer lugar que está, tem alguém o vigiando. 

Por mais que mantenha uma relação de amizade com vários alunos, ele destaca que isso precisa ter um limite: “Eu cobro deles a disciplina, uns entendem, outros não”. Como está há 42 anos na escola, alguns dos jovens que estudam lá são netos de ex-alunos. Petrô, por meio de um trabalho atento e cuidadoso, marca a vida de gerações de moradores da Rocinha.

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