Maternidade uma força que atravessa gerações na Rocinha
Mãe e filha formam uma rede de apoio que une e sustenta não apenas elas, mas o conceito da maternidade positiva em um país com mais de 11 milhões mães solo
“Desde a gestação da minha mãe, sempre fomos nós. Ela só teve filhas mulheres, e é assim que nos unimos”, afirma Ana Ribas, jovem de 20 anos e mãe solo de Apolo, um bebê de oito meses. Crescendo em uma família onde a presença paterna era limitada ou ausente, na gravidez encontrou amparo na mãe e nas irmãs, um apoio necessário para enfrentar os desafios da criação do filho sem suporte do genitor.
A dinâmica familiar, construída ao longo de décadas, tem raízes na história de Juliana Bernardo, de 40 anos, mãe de Ana e de outras três filhas. Em um período onde os desafios de ser mãe solo eram ainda maiores e com recursos escassos, essas quatro mulheres cresceram juntas. “Antigamente, as coisas eram muito difíceis. Então, eu tinha que me virar nos 30!”, conta Juliana.
Metade das mães brasileiras criam os filhos sem um parceiro, como aponta pesquisa do Datafolha. Dados recentes mostram um crescimento expressivo do número de mães solo no Brasil: são 11,3 milhões de lares com crianças sendo cuidadas apenas pelas mães, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Entre 2012 e 2022, o aumento foi de 17,8%. São mulheres que criam sozinhas os filhos e ainda desafiam estatísticas de desemprego e baixa renda junto com as responsabilidades de construir uma vida plena para si e os filhos.
Nesse cenário, muitas vezes associado a desafios e limitações, a família Bernardo, na Rocinha, rompe preconceitos sociais ao redefinir diariamente o conceito de criar filhos sozinha. Com uma rede de apoio firme e um espírito resiliente, mãe e filha – além das irmãs – mostram como é possível criar filhos de forma autossuficiente, demonstrando que fazer “sozinha” pode ser uma experiência positiva.

Os aprendizados da maternidade
Apesar das dificuldades, a família formada por mulheres buscou na gravidez de Ana construir um caminho para construir uma visão positiva da maternidade solo. “Eu sempre ensinei a ela que, por maior que seja a tempestade, o sol sempre irá nascer depois. Ela sacou isso de primeira, porque acompanhou a criação das irmãs e ajudou também”, explica Juliana, a avó de Apolo.
A maternidade solo é frequentemente retratada como uma experiência pesada, mas Ana enxerga sua jornada de uma forma diferente. “Tem muita mãe que carrega a maternidade como um fardo. Eu não vejo assim. É difícil? Sim! Mas aprendo muito e é uma coisa gostosa”, opina Ana Bernardo.
Ao longo da gravidez, Ana já percebia que o pai de Apolo não assumiria um papel ativo. Mesmo dando uma chance para que ele estivesse presente, o genitor acabou se afastando de Apolo completamente logo após o primeiro mês de nascimento do bebê. “Meu filho é uma preciosidade e ele não está perdendo nada com a ausência do pai”, garante Ana.
Para ela, a falta da presença do pai não é empecilho para o filho ser uma criança feliz. De acordo com Juliana, a forma que a Ana cria o neto é cuidadosa, o que faz ela sentir orgulho da filha. “Ela é bem atenciosa e paciente com ele, coisa que nunca foi com ninguém (risos). Todas nós estamos aprendendo, mas ela está tirando de letra”, destaca.
E completa: “Independente de tudo, nós só temos a nós mesmas”.
O estigma social da maternida solo
Para muitas mães solo, o estigma social é um peso extra que afeta profundamente a autoestima. Segundo a psicóloga Natália Sampaio, o preconceito pode impactar a maneira como essas mulheres veem a maternidade. “Essas mães acabam sendo vistas como fracassadas ou incapazes por não estarem no modelo familiar convencional. Isso gera vergonha, insegurança e até isolamento social”, explica.
A psicóloga ressalta a importância de desconstruir esses estigmas para que mães solo possam viver essa experiência com mais leveza e dignidade. “Muitas mães, mesmo sozinhas, constroem laços profundos com seus filhos, sendo autossuficientes”.
Para ela, a experiência de mulheres criando filhos sozinhas – sem a presença da figura do genitor – não precisa ser sinônimo de fardo, mas pode se transformar em força e legado. Uma vez que pode trazer uma oportunidade de fortalecimento e desenvolvimento de laços e afetos entre mulheres, como no caso de Ana e Juliana.
*Esta matéria é fruto da parceria entre a disciplina de Extensão em Jornalismo e Cidadania, do curso de Comunicação da PUC-Rio, ministrada pela professora Lilian Saback, e o jornal Fala Roça. A colaboração, iniciada em 2022, busca promover uma formação jornalística mais humana, que desafie estereótipos e repense as narrativas sobre a favela.