Oficinas marcam o encerramento do dia aberto da Conferência de Jornalismo de favelas na Rocinha

Bolsistas e público geral participaram de painéis e oficinas na Biblioteca Parque C4 para discutir diversos temas da comunicação e do meio ambiente

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A 3ª Conferência de Jornalismo de Favelas e Periferias movimentou a Biblioteca Parque da Rocinha (C4) com dois dias de debates, trocas e práticas coletivas. Na sexta-feira, 31, o evento encerrou o dia aberto do publico com duas oficinas simultâneas, que aproximaram comunicadores de diferentes territórios em torno de um mesmo propósito: como garantir justiça climática para os territórios. 

Diferente das mesas de debate, as oficinas ofereceram um espaço mais íntimo, de escuta e construção coletiva, onde o público reduzido favoreceu o olho no olho, o diálogo direto e a criação de redes entre quem faz comunicação dentro das favelas, aldeias e quilombos.

oficina “Reportagens sobre o clima que geram mudanças reais”, conduzida por Maria Rosa, representante do Pulitzer Center. Foto: Igor Siqueira

Comunicação e clima além dos algoritmos

Na oficina “Como comunicar sobre clima sem depender dos algoritmos?”, a comunicadora Isabelle Maciel, da Tapajós de Fato, compartilhou experiências sobre como fortalecer a comunicação territorial e fugir da dependência das plataformas digitais.

Com vivência na Amazônia e no jornalismo comunitário, Isabelle reforçou a importância de pensar o clima de forma enraizada nos territórios.

“É importante a gente não excluir nossas crianças, porque elas são o futuro, sejam os nossos curumins das aldeias, dos quilombos ou das favelas”, afirmou.

A comunicadora defendeu o resgate de meios tradicionais de comunicação, como rádios comunitárias, murais, cartazes e o teatro, para alcançar públicos que ainda estão fora das redes.

“As mudanças climáticas não afetam só o urso polar no Polo Norte, elas atingem diretamente as nossas populações”, destacou.

O encontro contou com a presença de representantes de veículos como Agência Lume, Papo Reto, Território da Notícia, Agência Mural e Frente Maré, que compartilharam estratégias e desafios.


Anísio Borba, da Frente Maré, contou como a organização usou carros de som durante a pandemia para levar informações a quem não tinha acesso à internet:

“Nem todo mundo está nas redes. A senhorinha, o seu Zé, mal têm WhatsApp. Então a gente começou a gravar áudios e botar o carro de som nas ruas. Isso se espalhou para Recife, Maranhão que pedia nossos áudios”

Já o Coletivo Jovem Tapajônico, do Amazonas, utiliza um barco de som para divulgar notícias e recados à comunidade ribeirinha.

Durante a atividade, Isabelle provocou os participantes a refletirem:

“E se as redes sociais deixassem de existir hoje, como vocês comunicariam as mudanças climáticas nos seus territórios?”

As respostas reforçaram a criatividade e o senso comunitário dos comunicadores, com propostas que iam desde parcerias com escolas e clínicas da família até exibições de cinema de rua, jornais impressos, distribuição de matérias em transportes públicos e produção de materiais sustentáveis com papel semente.

Jornalismo que gera mudanças reais

Enquanto na sala Corpo acontecia a oficina sobre como se libertar da dependência das redes, na sala Multiuso outro diálogo se desenrolava, um desafio comum aos veículos de favelas e periferias: o financiamento e as formas de acessar bolsas voltadas à produção jornalística.

A reflexão também guiou a oficina “Reportagens sobre o clima que geram mudanças reais”, conduzida por Maria Rosa, representante do Pulitzer Center. A atividade apresentou as bolsas e apoios oferecidos pela instituição e abriu uma conversa sobre filantropia e impacto no jornalismo comunitário.

Mais do que entender os critérios de seleção, o grupo debateu como o financiamento internacional pode se aproximar das realidades locais, respeitando o tempo e as especificidades de cada território.

“Foi um espaço para nos ouvir também, para debater que filantropia existe hoje, no que ela se enquadra e no que ela não se enquadra nas nossas necessidades como veículos de comunicação periférica”, Fernanda Calé, da Agência Lume.

Um dos pontos mais discutidos foi o conceito de impacto. Os comunicadores questionaram se as métricas utilizadas pelas grandes instituições refletem o valor do trabalho feito em escala local. Houve consenso de que atingir poucas pessoas de forma profunda pode ser tão transformador quanto alcançar grandes públicos.

Também foram levantados desafios como a segurança de comunicadores investigativos, a falta de apoio contínuo e a necessidade de relações de longo prazo entre financiadores e organizações comunitárias.

“A oficina foi superimportante pra gente conhecer melhor o trabalho do Pulitzer Center e entender como funcionam as bolsas e os tipos de apoio que eles oferecem para a produção de reportagens”, avaliou a participante.

As duas oficinas mostraram que comunicar sobre o clima, o território e o cotidiano das favelas é também um ato político e de resistência. Seja ao pensar novas formas de distribuição da informação, seja ao disputar espaços de financiamento mais justos.

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