
Alcoólicos Anônimos na Rocinha: Programa de 12 passos recupera moradores para uma nova vida
Histórias de moradores mostram um lado que nem sempre ganha visibilidade: o das pessoas que lutam contra o alcoolismo e buscam acolhimento
“Chegando no Alcoólicos Anônimos, descobri que o alcoolismo é uma doença. Mata. E, antes de matar, desmoraliza. Para minha esposa e meu filho, eu não tinha expectativa de vida nenhuma”, confessa Carlos, morador da Rocinha, alcoolista em recuperação e sóbrio há 23 anos.
Histórias como as dele mostram um lado da Rocinha que nem sempre ganha visibilidade: o das pessoas que lutam diariamente para se libertar do alcoolismo. O Alcoólicos Anônimos (A.A.) é uma iniciativa não governamental que funciona a partir de um programa de 12 passos, que incentiva cada participante a reconhecer a impotência diante do álcool. Além disso, o grupo encoraja os membros a buscar apoio em um propósito maior, seja espiritual, coletivo ou simplesmente humano. As reuniões são gratuitas, abertas a qualquer pessoa que deseje parar de beber e se sustentam com doações voluntárias feitas pelos próprios participantes.

Apesar de o vício ser uma realidade presente em muitas famílias, o tema ainda é cercado de preconceito e invisibilidade. Falar sobre dependência de álcool, para muitos, é se expor, e essa vergonha acaba impedindo a busca por ajuda. Renato, morador da comunidade e membro do A.A. há mais de quatro décadas, lembra o momento em que percebeu que precisava mudar. “Foi quando eu tava perdendo o domínio sobre a minha vida. Bebia uma e não sabia o que fazia, gastava o que eu não tinha. Procurar ajuda foi a melhor escolha da minha vida.”
Ele explica, também, que no começo não era fácil ir às reuniões, pois admitir o vício e dar o primeiro passo exige muita coragem. “No começo é difícil, mas depois a gente toma gosto pelas reuniões. Hoje, eu sou muito feliz por pertencer ao Alcoólicos Anônimos e não recusar ajuda. Criei meus filhos, formei três, e minha esposa tem confiança em mim”, revela Renato.
O caminho da recuperação, na maioria das vezes, é solitário e exige persistência. Muitos, como Carlos e Renato, enfrentam preconceitos e estigmas que ainda envolvem quem luta contra a dependência do álcool. O medo do julgamento faz com que evitem falar que participam das reuniões. “A gente mantém o anonimato. Se me perguntam por que não bebo, digo que passo mal. Não preciso explicar que sou do A.A., o importante é continuar firme”, conta Renato.
Dona Maria, que está sóbria há 36 anos, reforça que a transformação começa com a vontade de mudar. “Se vocês não fizerem por vocês, ninguém vai fazer. Nem Deus, nem o diabo. Você tem que querer. É como nascer de novo para uma nova vida. No início é um pouco complicado, mas, admitindo, fica tudo mais fácil. É preciso acreditar no programa”, afirma Maria.
Mesmo diante das dificuldades, os encontros se mantêm vivos diariamente dentro da Rocinha. Relatos como os de Carlos, Renato e Maria mostram que o programa é mais que um tratamento, é um reencontro de sentido e dignidade na vida. Nas reuniões, o que mais se prega é respeito, empatia e a certeza de que ninguém precisa lutar sozinho.
Apesar de o A.A. não ter nenhum vínculo religioso, o grupo faz uso da chamada “Oração da Serenidade”, que funciona como um mantra e ajuda os membros a fortalecer a recuperação espiritual. “Concedei-nos, Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar, coragem para modificar aquelas que podemos e sabedoria para distinguir uma das outras.”

Recursos na comunidade
Além dos grupos do A.A., a Rocinha também conta com o CAPS III Maria do Socorro, localizado na Estrada da Gávea. O espaço funciona 24 horas por dia, oferecendo atendimento psicológico e psiquiátrico. Embora 22% dos pacientes atendidos nessa unidade estejam relacionados ao uso de álcool e outras drogas, o hospital não é especializado em dependência química. Há apenas um programa de Redução de Danos, realizado uma vez por semana. Caso o paciente precise de um tratamento recorrente, ele deve ser encaminhado para um CAPS AD (Álcool e Drogas), sendo o mais próximo em Botafogo.
Diante disso, diversos dependentes que necessitam de ajuda abandonam o programa por não receberem acompanhamento contínuo e pela frequência insuficiente. Além disso, a distância impede que muitos deem continuidade ao tratamento no CAPS AD, restando somente os grupos do A.A. como recursos funcionais para os alcoólicos que desejam se tratar na Rocinha.
Atualmente, funcionam dois grupos de Alcoólicos Anônimos na favela. O primeiro, realiza as reuniões na Igreja Metodista nº 25, no início do morro, enquanto o segundo, funciona no Leão XIII. Ambos se reúnem todas as noites e acolhem todos que estejam dispostos a dar o primeiro passo na luta contra o álcool.
*Para preservar o anonimato das pessoas entrevistadas, todos os nomes utilizados nesta reportagem são fictícios
*A reportagem é fruto da parceria entre a disciplina de Extensão em Jornalismo e Cidadania, do curso de Comunicação da PUC-Rio, ministrada pela professora Lilian Saback, e o jornal Fala Roça. A colaboração, iniciada em 2022, busca promover uma formação jornalística mais humana, que desafie estereótipos e repense as narrativas sobre a favela.





