
Mulheres fazem da Feira do Boiadeiro um espaço de trabalho, convivência e tradição na Rocinha
Entre tantos rostos que formam o mosaico da feira do Boiadeiro, Darcia Gomes, Luci Alves e Patrícia Santos fazem parte desse movimento há décadas
Por Tatiana Negreiros e Hyla Carr*
Todos os domingos, ao nascer do sol, o Largo do Boiadeiro passa por uma transformação. Os sons de facas, vozes, e risadas começam a se misturar com o cheiro de pastéis , temperos e frutas frescas. Entre as mais de 150 barracas, que se alinham na passagem, os feirantes compartilham o peso do trabalho, o esforço das vendas e também as histórias passadas de geração em geração.

Entre tantos rostos que formam o mosaico da feira do Boiadeiro: Darcia Gomes, Luci Alves e Patrícia Santos — três mulheres que fazem parte desse movimento há décadas — se destacam. Cada uma tem uma rotina e maneira de trabalhar, mas todas têm algo em comum: o compromisso com o mercado e o apoio de suas famílias, que mantêm esse ritmo de trabalho vivo domingo após domingo.
Aos 63 anos, Darcia corta o frango com precisão e paciência. “Sou muito ligeira, fico no corte, no peso, no troco… Mas presto atenção em tudo!”, diz, sorrindo. Há mais de quatro décadas, ela trabalha com o marido e o filho, cada um cuidando de uma parte da barraca.

“É estressante, às vezes, porque eu sou muito rápida, gosto das coisas no meu tempo”, conta. Mesmo assim, o trabalho em família, segundo ela, é o que faz tudo funcionar. “Aqui a gente se entende no olhar. Cada um faz a sua parte.”
Moradora de Madureira, Darcia atravessa a cidade todos os domingos para trabalhar na feira do Boiadeiro, na Rocinha. “É cansativo, mas aqui me sinto bem. É um ambiente de respeito, de gente batalhadora.”
Na barraca de ervas e especiarias, Luci Alves, de 58 anos, trabalha com a irmã e mantém viva a tradição herdada dos pais. Moradora da Rocinha, ela afirma que cresceu “dormindo embaixo da barraca”.
“Minha mãe botava um colchão e a gente dormia ali enquanto eles vendiam”, lembra, rindo.

A barraca de Luci, têm mesas cobertas de saquinhos de tempero organizados com todo cuidado. “Meus pais vendiam de outro jeito. O cliente escolhia a especiaria e eles faziam a moagem ali na hora. Eu quis mudar um pouco: deixar mais bonito. É o mesmo trabalho, mas com outro olhar.”, explica.
Formada em fitoterapia, Luci une o conhecimento das plantas ao afeto do dia a dia. “Tem cliente que vem mais para conversar do que para comprar. A feira é isso também, a gente se ajuda, se escuta.”
As torres de laranjas de Patrícia Santos, de 49 anos, chamam a atenção de longe. Ela trabalha com a mãe, que está adoentada, e fala com orgulho da rotina. “Comecei com sete anos para ajudar em casa e estou até hoje.”

Moradora da Rocinha, Patrícia conhece cada cliente. “Antigamente era mais fácil, tinha mais respeito. Hoje mudou muito, mas a gente segue firme.” Mesmo enfrentando cansaço e desafios com as vendas, ela mantém a fé. “Trabalho para comprar minha casa própria. Esse é meu sonho.”
Na barraca, mãe e filha trabalham em sintonia. “Aqui é tudo ‘no conjunto’. A gente trabalha junto e dá certo.”
Entre uma venda e outra, ela ri, conversa e chama cada cliente pelo nome, um jeito simples de mostrar o carinho que tem pela feira.
Feira, família, e resistência cotidiana
Mais do que um espaço de comércio, o Boiadeiro é uma rede de vínculos. Cada barraca guarda histórias de famílias que cresceram ali, de filhos que aprenderam a pesar, de pais que ensinaram a chamar clientes, e de mulheres que sustentam o cotidiano com o mesmo cuidado com que montam suas bancas.
Darcia, Luci e Patrícia mostram que a feira do Boiadeiro se mantém pelo trabalho conjunto, suporte mútuo e a vontade de seguir. Não é sobre quem comanda, mas sobre quem colabora — e sobre o valor de continuar, semana após semana, mantendo viva uma tradição.
*Esta reportagem é fruto da parceria entre a disciplina de Extensão em Jornalismo e Cidadania, do curso de Comunicação da PUC-Rio, ministrada pela professora Lilian Saback, e o jornal Fala Roça. A colaboração, iniciada em 2022, busca promover uma formação jornalística mais humana, que desafia estereótipos e repensa as narrativas sobre a favela.





