
Como a taxação dos super-ricos afeta os moradores da Rocinha; entenda a proposta
Economista Camila Rocha alerta que a medida pode diminuir a desigualdade social do Brasil; Fala Roça elaborou perguntas e respostas sobre o tema
Por Sofia Malak e Carol Orsi*
O ano de 2025 foi decisivo para o futuro do sistema tributário brasileiro. O Projeto de Lei de taxação dos super-ricos foi aprovado no Congresso Nacional e sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Com isso, a cobrança de mais impostos para milionários entra em vigor no primeiro dia de 2026 e faz parte da lei que amplia a isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil. Segundo estimativas feitas pelo Ministério da Fazenda, a proposta pode aliviar o bolso de mais de 15 milhões de brasileiros.

O Fala Roça entrevistou moradores da Rocinha e descobriu que muitos não sabem o que é a proposta de taxação dos super-ricos e quais mudanças vão acontecer. Buscando responder às perguntas elencadas, conversamos com a economista e ex-moradora da Rocinha, Camila Rocha, que tira as dúvidas dos moradores e explica um pouco da proposta e quais os impactos com as mudanças. Eis as perguntas e as respostas:
O que são os impostos e para o que servem?
Impostos são uma arrecadação do povo que o Estado faz para investir na sociedade. Tem imposto em tudo. O arroz que a gente compra, se pegar a nota fiscal, tem lá o imposto que está sendo cobrado. Na verdade, o imposto que a gente paga indiretamente é até maior do que o que é cobrado no nosso contracheque.
Como os impostos afetam a renda dos moradores da favela?
Para quem mora na favela, que tem uma renda mais baixa, é um percentual muito significativo, que faz muita diferença. Um terço da sua renda vai para impostos.
O que é justiça tributária?
Justiça tributária é ser justo na cobrança de imposto. O imposto no Brasil é muito regressivo. Então, hoje, os mais pobres pagam mais que os mais ricos.
Hoje, as únicas pessoas que não pagam imposto de renda são as que ganham até dois salários mínimos. A proposta de taxação dos super-ricos mudaria esse cenário?
A proposta (da taxação dos super-ricos) é exatamente elevar essa faixa de isenção até R$ 5.000. Mas, para não ter uma perda na arrecadação do Estado, vão colocar o mínimo de taxação para os super-ricos, que é como estão chamando quem recebe mais de R$ 50 mil por mês, para equilibrar essa perda que teria caso passasse só a isenção. O Estado vai continuar arrecadando o que arrecadava antes, mas, em vez dessa arrecadação ser sobre os mais pobres, será sobre os mais ricos É um ajuste na balança, tornando mais justa a tributação que a gente tem hoje.
Com a aprovação da proposta e valendo já em 2026, como essa mudança vai impactar os moradores da Rocinha?
A população vai conseguir usar todo o dinheiro que recebe não só nas necessidades básicas, mas para ter o mínimo de lazer. Será possível destinar dinheiro para outras ações.
Moradores relataram que há dez anos era possível comprar muito mais itens da cesta básica com apenas um salário mínimo do que hoje. Por que as pessoas estão sentindo essa piora no poder de compra?
Nos últimos governos, o salário mínimo ficou congelado, mas a inflação cresceu. E é a inflação que faz a gente perder nosso poder de compra. “Se eu não tiver um ajuste no meu salário do tamanho do aumento que teve no preço dos alimentos do mercado, eu vou passar a comprar menos itens da cesta básica, porque não está sendo justo”, afirma a economista.
Alguns entrevistados disseram que acreditam que o governo investe na Rocinha, enquanto outros pontuaram que não veem o Estado ajudando. Como acontece esse processo de direcionamento de verbas e por que as opiniões dos moradores são tão diferentes?
Em saúde e educação tem um mínimo que o Estado precisa investir, e é um percentual alto. Mas mais do que o montante colocado nessas áreas é como esse investimento está sendo feito. “A Rocinha é um dos maiores polos de votação da cidade. O governo pode botar dinheiro em várias coisas, mas está construindo um programa de educação de qualidade, que vai mudar estruturalmente a qualidade daquele local? Ou está fazendo um programa só porque eu quero que me elejam na próxima eleição?”, questiona a especialista.
Rafaelle Rodrigues, moradora e professora da creche municipal Castelinho, na Rocinha, questiona se tem algum jeito de ver para onde nossos impostos estão indo. Existe alguma plataforma que mostre esses dados para o cidadão?
Sim. Existem os portais da transparência dos governos federal, estadual e municipal e a Lei de Acesso à Informação, que qualquer cidadão pode solicitar informação junto ao órgão do governo que gostaria de dados.
Qual a importância da educação financeira para moradores da favela?
Pode ajudar a clarificar gastos e o uso racional do dinheiro recebido, como aplicações. A educação financeira é um caminho para entender e promover qualidade de vida a longo prazo, pensando não só no hoje, mas em coisas como: casa própria, automóvel, viagem e outros gastos pessoais.
*A reportagem é fruto da parceria entre a disciplina de Extensão em Jornalismo e Cidadania, do curso de Comunicação da PUC-Rio, ministrada pela professora Lilian Saback, e o jornal Fala Roça. A colaboração, iniciada em 2022, busca promover uma formação jornalística mais humana, que desafie estereótipos e repense as narrativas sobre a favela.





