2 meses depois: nova enchente, mesmos problemas
Chove forte na Rocinha desde o início da noite de ontem, 08/04, por volta das 19h. Exatamente 60 dias depois, a tragédia se repete e a favela sofre mais uma vez as consequências não só da chuva mas dos anos de abandono do poder público. De ontem pra hoje já choveu quase o dobro do esperado para todo o mês de abril. Esse volume é maior do que o que foi registrado em fevereiro.
Por volta das 19h45, nove sirenes da Defesa Civil foram acionadas na favela. Uma grade colocada recentemente pela Prefeitura limitou a passagem da água e criou um bolsão na localidade do Valão, na região da Travessa Gregório, que sempre sofre com chuvas fortes. A água que não escoou começou a subir e chegou a um metro e meio de altura dentro da casa dos moradores. Ainda não se sabe a quantidade de famílias atingidas. Lideranças locais estão levantando essas informações.
Duas mulheres identificadas apenas pelos primeiros nomes Larissa e Cláudia foram soterradas na localidade do 199. As vítimas foram socorridas com vida pelos próprios vizinhos e passam bem. “Aqui agora somos nós por nós mesmo”, contou uma moradora da localidade que prefere não se identificar.
Na Estrada da Gávea, altura da Via Ápia, o morador Carlos Paulino da Silva, de 56 anos, que é motorista e conhecido como Uca, caiu na água e ficou preso embaixo de um carro. Felizmente ele conseguiu se salvar. Segundo a família, ele está no Hospital Municipal Miguel Couto aguardando para realizar exames. O esforço agora é para tentar encontrar uma mochila que se foi na enxurrada e continha todos os documentos de Uca, incluindo a carteira de motorista que ele usa para trabalhar e o salário do mês.
Moradores tentavam salvar suas motos e carros na Estrada da Gávea. Com a força da correnteza, as pessoas eram facilmente arrastadas. Os garis que trabalhavam no Escadão da Vila Verde chegaram a usar cordas para salvar um motoqueiro. Vários vídeos compartilhados nas redes sociais mostram imagens semelhantes em outros pontos da Rocinha.
Bueiros entupidos e dificuldade de escoamento da água
Uma das maiores consequências das chuvas de fevereiro é a dificuldade no escoamento natural da água. A qualquer chuva, por mais leve que seja, as ruas enchem rapidamente. Os bueiros seguem todos entupidos com lama, o que faz com que a água acumulada forme verdadeiras cachoeiras nas ruas da Rocinha. Moradores levaram horas para se deslocar dentro da Rocinha ontem por causa disso. Simplesmente não tem como passar.
Esse vídeo mostra o Escadão da Vila Verde e os moradores ilhados. Antes das chuvas de fevereiro já descia bastante água, mas agora que não há mais bueiros funcionando a água passa por cima e ninguém consegue circular por ali. O trecho se torna uma cachoeira e fica extremamente perigoso. Joana Ferreira, moradora da Vila Verde, relata que teve que esperar quase três horas até se sentir segura para passar pelo alagamento com a filha de apenas 4 anos.
Ciclovia Tim Maia desaba pela quarta vez
O forte temporal que atingiu a cidade ontem fez desabar, pela quarta vez, uma parte da Ciclovia Tim Maia, na Avenida Niemeyer. O trecho desabou por volta das 22h e fica na altura de São Conrado, no sentido Vidigal. Integrantes do grupo Salvemos São Conrado estavam bem perto do local na hora e presenciaram tudo. Em 2016 ocorreu a primeira queda, logo após a inauguração, quando uma onda atingiu a estrutura da ciclovia e deixou duas pessoas mortas. Em fevereiro de 2018 e 2019, outros dois trechos desabaram.
Chuva além da média para abril e queda nos investimentos em manutenção na cidade
O temporal que atinge a cidade desde ontem já superou a média de chuva esperado para o mês de abril. A expectativa era um volume de 149,7mm e choveu, em 24h, 273mm. Isso representa 82% a mais que o esperado, quase o dobro para todo o mês de abril. Em fevereiro, durante as chuvas do dia 6 e 7, o registro na Rocinha foi de 165,2mm.
Uma matéria publicada hoje pelo Jornal O Globo revela queda de investimentos da Prefeitura na manutenção da drenagem urbana da cidade e na contenção de encostas. Os dados foram obtidos no site Rio Transparente e mostram redução de investimentos desde 2016. Até o momento, em 2019, o município não gastou um centavo na manutenção da drenagem urbana da cidade e na contenção de encostas.
Está em andamento na Câmara Municipal do Rio a “CPI das Enchentes”, que investiga a atuação do poder público nesses temporais, que inclusive pede a atualização de pontos de apoio para chuvas na Rocinha, disponível no site da Defesa Civil, que se encontra completamente desatualizada.