Mulheres sem renda são as mais afetadas pela pandemia na Rocinha
Mulheres, com mais de um filho e sem renda, correspondem a 76% das pessoas atendidas por doações de cestas básicas pelo Fala Roça
A conclusão é do levantamento feito pelo jornal entre junho e agosto através dos dados obtidos pelo cadastro das doações realizadas no morro, em parceria com o Instituto Unibanco. No total, 76% das famílias apoiadas pela ação são formadas por mulheres, chefes de família, com mais de um filho, e 24% por homens.
No levantamento feito pelo jornal, foi constatado que 47,4% dessas famílias são compostas por até 4 membros, sendo que 62,5% possuem de 1 a 3 filhos.
Com as suspensões dos contratos de trabalho, 69% dos responsáveis pelo sustento da casa ficaram sem nenhuma remuneração. Este número pode ter diminuído devido à flexibilização da quarentena e à reabertura gradual da economia. Porém, 58% desses chefes de família continuam desempregados.
A pesquisa também mostra que 22% são trabalhadores autônomos, com MEI ou sem carteira assinada. Dos desempregados, 70% não haviam recebido nenhum repasse de renda do governo federal até agosto.
Segundo a comentarista de economia e jornalista Flávia Oliveira, a alta taxa de moradores que não acessaram o auxílio emergencial precisa ser analisada, pois eles podem ter recebido outro tipo de benefício de transferência de renda não identificado no estudo do Fala Roça.
Mulheres chefes de famílias sem companheiro e com filhos menores de idade são mais afetadas na crise. “Essa já era a população mais exposta aos indicadores de pobreza. A gente teve do ponto de vista de categoria profissional das trabalhadoras domésticas um impacto muito forte. Mensalistas e diaristas foram dispensadas sem remuneração”, explica Flávia Oliveira.
Dois terços da categoria não têm carteira assinada e estão fora da rede de proteção social. “Eu falo trabalhadoras domésticas porque as mulheres são mais de 90% da categoria e dois terços delas são mulheres negras”, destaca a jornalista.
“Guerra sem armas”, diz diarista
Quando os patrões da moradora Cícera Ferreira, 43 anos, suspenderam os serviços dela como diarista, ela se viu em um beco sem saída. Casada com um mototaxista, mãe de 2 filhos, as doações das cestas aliviaram a situação financeira da família.
“Com o pouco que eu ganho, a gente dá um jeito. Vai pagando as contas, se alimentando. Nunca tive tanto medo na vida como dessa pandemia. Para mim, é uma guerra sem armas. Deixou todo mundo de mãos atadas, desempregadas. Nós não podíamos trabalhar para não aumentar o perigo do contágio”, desabafa.
A perda de renda também foi sentida pelo marido da diarista, André Ferreira, 42 anos. Sem carteira assinada, ele depende do movimento da rua para sobreviver. “Está muito difícil. A maioria dos passageiros está sem dinheiro e não tem mais aquele vai e vem de gente subindo e descendo a favela de moto. Essa pandemia mexeu com todo mundo”, opina.
Parcerias
A União de Mulheres Pró-Melhoramento da Roupa Suja é uma das organizações parceiras do Fala Roça. Marcia Ferreira, uma das coordenadoras da instituição, explica que um dos critérios da ação é atender crianças e mulheres. “Sabemos que grande parte das famílias é administrada por mulheres e muitas eram diaristas, autônomas ou estavam desempregadas. Com a pandemia, as creches e escolas fecharam. Essas mães se depararam com a incerteza de como manter a alimentação de seus filhos”.
Ela conta aliviada: “Quando as ajudas estavam diminuindo, as cestas básicas chegaram em um momento em que as pessoas estavam super sensíveis e preocupadas em como prosseguir sem trabalho e sem renda”. A distribuição de cestas e itens de higiene é um paliativo. Ajuda, mas não resolve.
De acordo com o superintendente executivo do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, “é fundamental se pensar a política econômica alinhada com a política social”. Para ele, é preciso fazer uma “requalificação da infraestrutura social de modo a produzir uma visão integrada de áreas de saúde, educação, assistência social para atender essas populações”.
A efetividade de uma política social no país, de acordo com Henriques, depende de uma melhor política tributária e distribuição de recursos. “Isso dá possibilidade para uma política social mais integrada, com infraestrutura adequada a enfrentar desigualdades. Pois, não podemos seguir com níveis tão altos de pobreza e tanta desigualdade”, opina.
Michele Silva, coordenadora institucional do Fala Roça, destaca que o cenário na favela poderia ser pior. “O que seria da favela se não fossem os movimentos comunitários para tentar reduzir os danos causados? E, não só pela pandemia, mas também pelos problemas que se desenvolvem quando o poder público não faz o seu trabalho?”.
Ela ressalta que “a fome na Rocinha e nas periferias não é uma coisa nova, mas agora está escancarada”. Critica que com a normalização da pandemia por governantes omissos com o discurso da flexibilização “as ruas estão cheias de novo”. E alerta: “As doações caíram. É muita gente que ainda precisa de ajuda. É urgente que políticas sejam construídas para que essa parcela da população deixe de ser sempre a mais prejudicada em absolutamente tudo”.
A ação
O Fala Roça repassou mais de 16 mil cestas básicas para 25 organizações locais na Rocinha. A estimativa é de que 30 mil moradores tenham sido beneficiados com a assistência do jornal até aqui.
Os recursos usados para a compra das cestas básicas fazem parte da verba de R$ 150 milhões destinada pelo conglomerado Itaú-Unibanco para apoiar organizações sociais no país durante a crise da pandemia de Covid-19.
“Procuramos fortalecer e legitimar a presença desses importantes agentes sociais. Como as entidades têm vasto conhecimento dos territórios e já realizam atividades em rede com outras organizações e coletivos, são capazes de entregar os produtos com muito mais agilidade e capilaridade e de maneira assertiva”, explica o superintendente executivo do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques.
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