Sabão do Morro: projeto cria produtos de limpeza a partir do óleo reciclado na Rocinha

Fábrica do sabão vende a R$2 é administrada somente por mulheres moradoras da Rocinha
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Em um dos acessos à Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro, dentro do CIEP Ayrton Senna da Silva, você pode encontrar o projeto social Família na Mesa, que presta serviço de assistência para diversos moradores da Rocinha e seu entorno. Uma das iniciativas mais recentes do projeto é a reciclagem de óleo de cozinha usado para fazer sabão biodegradável: o Sabão do Morro, como já foi batizado.

Lançado em junho deste ano, o projeto Biosabão, conta com apoio do Governo do Estado, por meio da Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade, e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). O objetivo do projeto é mostrar na prática como a comunidade pode combater o descarte inadequado de óleo de cozinha usado com a reciclagem. 

Cria da Rocinha, Marcelo Santos, 35 anos, tinha 20 anos quando foi inserido em um projeto social que auxilia jovens no morro. Após 5 anos, de estudante, virou coordenador, acompanhando os impactos das ações sociais do projeto. Mas, ele alimentava o desejo de fazer também o bem pela comunidade. Deste sonho nasceu a ONG Família na Mesa, que atua hoje na área socioambiental. 

“Fico feliz demais com esse projeto que nasceu depois da experiência que tive no Família na Mesa. Começamos há poucos meses, mas ver a adesão dos moradores me deixa muito feliz. Aqui, as mulheres tocam todo o processo, desde a linha de produtos até a gestão”, conta Marcelo Santos. 

Segundo ele, o projeto quer diminuir cada vez mais os impactos dos resíduos no solo do morro e na água, tanto as valas dentro do Rocinha quanto as que existem na praia de São Conrado. “Todo esse processo de ressignificar um produto tão básico em nossas casas tem uma importância enorme, e modéstia parte, toda linha de produtos de limpeza daqui, limpa melhor que muita marca grande que tem nos supermercados” garante Marcelo. 

Sabão ecológico na Rocinha 

De acordo com dados do IBGE no censo de 2022, a Rocinha possui uma população de 67.199 pessoas, 2,8% abaixo da registrada em 2010. Por isso, imagina-se que a favela utiliza diariamente uma quantidade de óleo de cozinha considerável. Ao despejar o resto do óleo do cozimento no lixo ou na pia, o material tem um enorme potencial poluente. 

Alguns estudos sugerem que o descarte incorreto de um litro de óleo de cozinha pode contaminar até um milhão de litros de água. Já no solo, o óleo não só contamina como impermeabiliza, dificultando a absorção das águas das chuvas e, consequentemente, contribuindo com enchentes nos bairros. 

É para evitar este problema ambiental que, os moradores da Rocinha, estão sendo incentivados a armazenar o óleo usado em recipientes adequados, para, posteriormente, entregá-lo em postos de coleta na favela e pontos de apoio no entorno. 

Fábrica onde funciona o abastecimento das garrafas de sabão feito a partir do óleo. Foto: Acervo/Biosabão

“Hoje o morador já pode vir diretamente aqui deixar sua garrafa PET com óleo usado. Também vamos deixar pontos de coleta espalhados pelo morro, onde terá máquinas específicas para receber [o descarte] e contabilizar os créditos dos moradores”, explica Marcelo. Cada morador terá no projeto uma linha de crédito para consumir os produtos gerados a partir do óleo reciclado. 

Além dos moradores, o Biosabão também tem parceria com restaurantes e bares, que enviam o óleo para a fábrica do projeto. De acordo com Marcelo Santos, “em média, o projeto recebe por mês 800 litros de óleo usado”, que seria descartado inadequadamente, mas, agora, “é transformado em uma barra de sabão” vendido no valor de R$2,00.  

Segundo o Instituto Estadual do Ambiente (INEA), o “óleo coletado [na comunidade] é encaminhado para uma usina de reciclagem, onde passa por processo de filtragem e purificação, sendo transformado em sabão biodegradável por meio de um processo químico sustentável”. 

Rede de apoio

Para Adriana Santos, moradora da Rua 1, que coordena o projeto Biosabão, o projeto do Sabão do Morro estimula a rede de empreendedoras locais. “É fundamental para o crescimento interno da comunidade e gerar renda para as famílias envolvidas no processo”, ressalta.

Antes de coordenar o Biosabão, a moradora já trabalhava com a distribuição de cesta básicas e outras ações dentro do projeto “Família na Mesa”. Porém, o novo projeto da reciclagem de óleo encantou os olhos de Adriana pela potência de empoderar as mulheres. 

“Fizemos uma pesquisa na Rocinha que constatou que muitas mulheres aqui são chefes de famílias, dona dos seus lares e provedoras do sustento. Com isso [o Biosabão], eu consegui amenizar a desinclusão social e, hoje, alavancar a vida de 14 mulheres que trabalham aqui no Sabão do Morro”, revela. E conclui: “É uma fábrica gerida e tocada somente por mulheres”.  

Para a coordenadora do Biosabão, é importante ressaltar que o projeto não estimula a população da Rocinha a fazer sabão caseiro, mas, “apenas separar o óleo para que ele seja encaminhado para um local, onde o processo [da reciclagem e transformação em sabão] será realizado com segurança”. 

“Há grandes riscos físicos quando se mistura óleo usado com outros produtos químicos, sem o devido cuidado. Mas, quando é reciclado de maneira correta, o óleo usado pode ser transformado em produtos como sabonetes, sabão em pasta, sabão líquido para lavar as roupas, amaciante, detergente” explica Adriana. 

Como descartar o óleo de maneira adequada?

A melhor maneira de armazenar o óleo usado em frituras é em garrafas PET — o próprio projeto Família na Mesa, recicla as garrafas e tampas. Para facilitar a entrada do óleo na garrafa, recomenda-se utilizar um funil. Outra dica é, peneirar o líquido para evitar o excesso de resíduos de fritura. 

Após encher as garrafas, o morador deve fechar bem para evitar vazamento e armazenar em um local longe de crianças e animais domésticos. Feito isso, agora basta levar a um ponto de entrega voluntária. Na Rocinha, o descarte pode ser feito no CIEP Ayrton Senna, supermercados e estabelecimentos comerciais do morro.

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