A importância do CAPS na Rocinha na luta contra o estigma da loucura

Os desafios do cotidiano no trabalho humanizado dentro dos Centros de Atenção Psicossocial
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Reportagem por Gabriel Almeida*

Assim como a água e o ar, o bom funcionamento da mente é essencial para o bem-estar de todos. Os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) são unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) voltadas para a saúde mental. Na Rocinha, o CAPS III Maria do Socorro Santos, localizado na curva do S, no Complexo de Saúde, atende a mais de 700 usuários, conforme dados fornecidos pela Assessoria de Imprensa da Secretaria Municipal de Saúde.

Diariamente, pacientes e profissionais se reúnem em diversas atividades e oficinas, como artesanato, música e geração de renda. Blandina Neder, de 64 anos, usuária do serviço, compartilhou sua experiência: “Há um ano e três meses, me senti acolhida como se tivesse encontrado um espaço de cuidado, proteção e apoio, não apenas emocional, mas também afetivo.” nos conta Blandina.

Blandina também observou que, durante esse período, a unidade passou por um ano de reformas e manutenção, o que impactou a qualidade do serviço. Nesse tempo que o CAPS passou por reformas, as atividades foram paradas, com redução dos atendimentos, atividades externas e oficinas na unidade. 

”Ao longo desse um ano e três meses, um ano foi só de obras no CAPS, obras de recuperação, de chegada de um tomógrafo para a Clínica da Família, então várias intempéries aconteceram, o que fez com que o serviço fosse precarizado e essa precariedade afetava diretamente não só o trabalho da equipe como também aquilo que os usuários estavam precisando.”

Na construção desse material também entrevistamos Dylan José Alves, outro usuário do serviço, que destacou a abordagem personalizada do CAPS: “Eles oferecem um tratamento único para cada paciente, respeitando suas histórias, experiências e traumas. Esses são os chamados Projetos Terapêuticos Singulares (PTS).”. 

Durante a conversa, Dylan trouxe alguns pontos que podem contribuir na melhoria da experiência dos usuários do serviço, sobre principalmente as oficinas e atividades realizadas no espaço. “Eu acho que poderiam ser abertas novas oficinas artísticas, seria uma válvula de escape muito melhor para pessoas que têm traumas e que precisam se expressar e, às vezes, não conseguem por meio das palavras, mas podem se expressar por meio artístico, uma coisa que poderia agregar muito ao serviço.” finaliza.

Entrada do CAPS Maria do Socorro. Foto: Daniel Grehs

Mas, nem toda experiência com o serviço é perfeita, Rafaela Bonfim, também usuária, relatou as dificuldades enfrentadas antes de chegar ao CAPS e receber de fato um olhar humanizado para ela. “A verdade é que antes de ser atendida pelo CAPS, passei por muitos desafios nas clínicas da família. Somente quando cheguei ao CAPS, fui identificada como alguém que precisava de auxílio psicológico para lidar com minha rotina.” Desabafa Rafaela, que utiliza o serviço desde abril do ano passado.

Desafios dentro do cotidiano do trabalho

A nossa equipe procurou Thiago Ferreira, de 41 anos, que é diretor da unidade e que nos contou um pouco sobre os desafios e gratificações de seu trabalho no CAPS. “Gosto muito de dirigir o CAPS, onde trabalho há quase 12 anos. A convivência com os usuários, moradores da Rocinha e suas famílias é a parte mais gratificante. No entanto, lidar com a burocracia e os números é desafiador. O maior desafio é ter paciência para resolver questões, dialogar com as pessoas e manter a qualidade da assistência.” relata.

O diretor da unidade também destacou a importância da colaboração com outros serviços públicos, como a assistência social, e as dificuldades nesse diálogo. “Temos um bom relacionamento com o CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) e o CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), que representam o assistente social no território. Contudo, o desafio é lidar com uma população vulnerável que precisa de assistência, e os recursos nem sempre são suficientes.”.

Como forma de diversificar as perspectivas de todos os que trabalham no cotidiano dentro da unidade do CAPS na Rocinha, entrevistamos parte da equipe multidisciplinar, que contextualiza a realidade enfrentada diariamente para levar um serviço de qualidade para os usuários.

Blandina Neder e Gabriel Almeida em uma laje na Rocinha. Foto: Daniel Grehs

Gilberto Ribeiro, psiquiatra da unidade, apontou as adversidades no atendimento: “As dificuldades são amplas, desde entender o território em que atuamos até a escassez de profissionais para atender a demanda de uma população em sofrimento. A falta de contratação de novos funcionários e a redução da equipe agravam a situação.” conclui Gilberto, que atua na unidade há três anos. “O que é louco? O que é a loucura? Quem é louco? Quem não é louco? Em um lugar social e político, um estado em que a gente sofre tanta opressão, como é ser normal dentro disso? Eu não sei.” indaga o Dr. Gilberto a respeito do conceito de “loucura”.

Ana Carolina de Freitas, assistente social da unidade, explicou o papel do assistente social na saúde mental. “O assistente social na saúde mental precisa ter uma escuta sensível e ser menos burocrático. Nosso papel é facilitar a garantia de direitos e ser um suporte humano para os usuários, além de entender leis e regulamentos.”.

“Trabalhamos para entender como podemos auxiliar os usuários no seu dia a dia, integrando suas atividades ao Projeto Terapêutico Singular.” nos conta Evelyn Tavares, terapeuta ocupacional, que também ressaltou a importância de compreender o cotidiano dos indivíduos e adaptar as atividades conforme suas preferências.

Ela também mencionou os desafios da função. “As pessoas são muito diferentes, com culturas diversas. A violência no território e as limitações do serviço e da instituição tornam o trabalho de atendimento à saúde mental ainda mais desafiador.” finaliza.

Para pensarmos sobre futuro, seria maravilhoso poder ver as pessoas entrarem e saírem do serviço sem alterações de personalidade e jeito de ser, que acontecem por meio do uso de substâncias que bem podem ser ineficazes (como alguns remédios) ou pelo uso abusivo de substâncias extremamente potentes e que causam abstinência e alteram o humor do usuário.

Podemos sonhar com um serviço que respeite a vontade do paciente quando ele não consegue mais estar em espaço fechado e sem poder sair (acolhimento noturno), que ofereça mais suporte a quem sofre com preconceitos, ao invés de achar graça nas “loucuras” de alguns pacientes.

Não uma abordagem sensível e apurada de cada um dos usuários, não desprezando também a condição dos técnicos para ser de fato um acolhimento onde usuários e técnicos caminhem juntos em busca do tratamento mais profícuo e, portanto, mais eficaz, considerando que há outras formas de lidar com o sofrimento.


Gabriel Almeida

Sou vendedor e estudante, atualmente cursando Comunicação em Saúde na  Fala Roça. Sou uma pessoa amigável, sonhador, mas muito realista, sempre em busca de novas oportunidades. Morador da Rocinha, gosto de literatura, especialmente as obras de Machado de Assis, e sou atento às questões sociais da favela. Além disso, sou um ativista comprometido com o movimento antimanicomial.

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