O Carnaval corre nas veias da Rocinha e mantém viva a tradição dos blocos de ruas

compartilhe!

Entre as curvas da Estrada da Gávea e a praia de São Conrado, a Rocinha vive o carnaval em dois tempos. À noite, o bloco Chifroroso toma conta da principal via do morro com tambores e chocalhos que ressoam pelas casas e convidam para a festa. No fim da tarde, o Ai que Vergonha desce rumo ao mar, com sambas-enredo, trio elétrico e muita animação. Unidos pela paixão carnavalesca, os blocos transformam as ruas em um palco onde tradição e resistência mantêm viva a essência de um carnaval para todos, entre o bagunçado e o arrumado, o espontâneo e o planejado.

Entre 1983 e 1985, uma galera do Pocinho começou a se organizar. Juntaram latas e tambores para construir instrumentos musicais e curtir um bloquinho improvisado. A organização do bloco rolava no Bar do Seu Rozil, onde ele, a esposa Edna Belo e Jorge de Paula fundaram o Chifroroso. O nome é uma brincadeira. Quando alguém chegava no bar lamentando amores não correspondidos, sempre havia quem exclamasse a gargalhadas: “Poxa cara, você é feio e ainda é corno? É chifrudo e horroroso!”.

Jorge Ricardo, o Kadinho, de 49 anos, é, desde 2004, o fermento do Chifroroso. Ele cuida da publicidade do bloco que, segundo ele, “É uma coisa orgânica, solidária, muito de amor”. Toda terça-feira de carnaval, entre 20h e 0h, o desfile sai da Rua 2, desce a Estrada da Gávea até a locadora 457, e volta. Para honrar o nome, uma das tradições é o chifre preenchido com bebida, compartilhado pelos participantes. No final do bloco, a festa continua com um jantar gratuito, que muda a cada ano.

Jorge Kadinho é conhecido por maratonar os blocos de ruas no Carnaval do Rio. Foto: Reprodução/Instagram

“O Chifroroso é uma das maiores manifestações culturais da Rocinha”, destaca Kadinho. Ao descer a Estrada da Gávea, o som do bloco chama os moradores, acumulando entre duas e três mil pessoas. Sem carro de som, a bateria sustenta o ritmo enquanto o público canta clássicos do carnaval. Entre os foliões, muitas crianças, levadas pelos pais para manter viva a tradição entre gerações.

Na Rocinha, há também o Bloco das Piranhas na Rua 1 e o Coração das Crianças na Rua 3. Mas décadas depois do Chifroroso, surgiu um gigante, que apesar de não desfilar pelos becos, seu criador destaca que sempre será um bloco da Rocinha.

Em 2007, Amaury Cardoso, 55 anos, teve a ideia de fundar o “Ai que vergonha”. À época, ele participava do “Rocinha Samba Show”, um grupo de amigos que tocavam em blocos pela cidade. Amaury é compositor e queria construir um bloco de rua que fizesse lembrar de temas relevantes, mas esquecidos durante o carnaval.

Depois de convencer outros diretores do grupo a participarem, fizeram a primeira edição sobre o tema “discriminação e preconceito eu não aceito”. Através do samba-enredo do bloco, já discutiram, por exemplo, aquecimento global, acesso à saúde e a responsabilidade de morar na Rocinha.

Amaury Cardoso luta todos os anos para manter o desfile do Aí Que Vergonha. Foto: Reprodução/Instagram

Mas é em 2012 que, o Ai que vergonha, dá um salto de qualidade. Com o dinheiro de um apoio do Ministério da Cultura, para homenagear os três blocos que se fundiram na criação da Acadêmicos da Rocinha, o bloco criou a primeira camisa, nas cores vermelho, verde e azul. Além disso, compraram instrumentos e atraíram mais ritmistas para compor a bateria dirigida por Fábio Martins e Patrick Ribas. 

Hoje, o desfile reúne mais de 80 mil pessoas. “Graças a Deus, sem brigas e nem assaltos”, Amaury Cardoso conta orgulhoso. No último domingo do carnaval, a partir das 16h, juntos, o cantor Carlinhos Moreno, a bateria e os DJs conduzem às 6 horas de festa. O bloco conta, também, com os diretores Rogério de Souza, responsável pela comunicação, Edson Popular, pela logística, e Daniele Souza, pelo departamento feminino. Segundo Amaury, o objetivo do Ai que Vergonha é criar algo diferente. Há somente duas regras, não tocar funk e todo mundo deve se divertir

Assine o Fala Roça

Receba as notícias por e-mail