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Cobertura de saúde da Atenção Primária atinge em torno de 63 mil moradores na Rocinha
Aumento histórico ao acesso à saúde acontece com a expansão estratégica do Programa Saúde da Família.
*Reportagem por Adriana Isaías e fotos de Daniel Grehs
A Rocinha, uma das maiores favelas do Rio de Janeiro, abriga 70.894 habitantes, segundo o Censo de 2022. Desde a implementação da Reforma dos Cuidados em Atenção Primária à Saúde, em 2009, o município do Rio ampliou significativamente o acesso da população à saúde. A cobertura da Estratégia de Saúde da Família (ESF), segundo dados da Assessoria de Imprensa da Prefeitura do Rio, cresceu nos últimos anos. A projeção é que aumente ainda mais até o final de 2026, chegando a 60%.
“Antigamente, tinha que acordar cedo e pegar número na fila do posto de saúde da Rua 1 ou no Minhocão. Hoje, o agente comunitário de saúde traz a enfermeira aqui em casa e, quando eu preciso do remédio da pressão, eu falo pra Camila no WhatsApp e ela traz”, exalta Fátima Soares, de 68 anos e moradora da Rocinha.
Apesar da ampliação do Programa Saúde da Família, o desmonte da atenção básica em 2018, durante a gestão do prefeito Marcelo Crivella, teve um impacto profundo na saúde pública do Rio de Janeiro. A demissão de milhares de profissionais da área, incluindo agentes comunitários de saúde, foi sentida pelos moradores, tanto nas unidades de saúde quanto nas ruas. A redução no número de profissionais resultou em menor presença e assistência, prejudicando o acompanhamento de famílias e a prevenção de doenças em diversas comunidades.
“Aqui na parte baixa, é muito raro ver um agente de saúde. Aqui na rua, antigamente, eu via eles batendo perna pra cima e pra baixo, às vezes de dois a três juntos, e estavam por aqui sempre fazendo perguntas, vendo caderneta das crianças, falando sobre prevenção de doenças e hoje não vejo mais”, conta Michele Verissimo, de 31 anos e moradora da Via Ápia.
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Foto: Daniel Grehs
Essa baixa no número de profissionais preocupa moradores, como Michele, que compreende a necessidade de informações de saúde na Rocinha. “Existem muitas doenças silenciosas, e às vezes a pessoa nem sabe que está doente. O fato de ter um agente de saúde visitando com frequência a casa da pessoa, orientando, explicando e conversando sobre diversos tipos de doenças, verificando a caderneta de vacinação, por exemplo, previne muitos problemas”, explica a moradora.
“Quando a população não recebe esse acompanhamento, as pessoas que têm menos acesso à informação acabam adoecendo de forma mais grave, algo que poderia ser evitado”, completa.
Diante disso, é importante entender como funciona a cobertura de saúde na Rocinha e analisar cada papel desenvolvido na atenção primária.
Composição e funções da equipe de Saúde da Família
Cada equipe da Estratégia de Saúde da Família (ESF) é composta por profissionais que desempenham papéis essenciais na assistência à comunidade:
- Médico generalista ou especialista em Saúde da Família, ou médico de Família e Comunidade: responsável pelo atendimento de diversas condições de saúde e coordenação do cuidado dos pacientes.
- Enfermeiro generalista ou especialista em Saúde da Família: realiza atividades de cuidado direto e supervisiona outros profissionais.
- Auxiliar ou técnico de enfermagem: apoia o atendimento diário e a administração de medicamentos.
- Agentes Comunitários de Saúde (ACS): fazem o elo entre a unidade de saúde e a comunidade, levando cuidados e orientações diretamente às residências.
Além desses, podem ser incluídos profissionais de saúde bucal, como cirurgiões-dentistas, e agentes de combate às endemias (ACE), fundamentais no combate a arboviroses como dengue, chikungunya, zika e febre amarela.
Cada equipe é responsável por até 4 mil pessoas, com uma média recomendada de 3 mil, considerando o grau de vulnerabilidade das famílias. Áreas mais vulneráveis contam com equipes que atendem menos pessoas para garantir um cuidado mais atento e direcionado.
Diretrizes da Estratégia de Saúde da Família (ESF)
A Estratégia de Saúde da Família (ESF) opera com base em diretrizes estabelecidas pela Portaria 2436/2017, que promovem uma atenção primária mais eficiente e inclusiva:
- Territorialização: profissionais que conhecem profundamente o território onde atuam, permitindo um planejamento de ações mais eficaz.
- População adscrita: cada equipe é responsável por uma população específica, criando vínculos fortes entre os usuários e os profissionais de saúde.
- Cuidado centrado na pessoa: atendimento personalizado, focado na singularidade de cada indivíduo e na promoção de sua autonomia.
- Resolutividade: a ESF atua na resolução de até 80% das demandas de saúde na comunidade, desde a prevenção até a recuperação.
- Longitudinalidade do cuidado: acompanhamento contínuo dos usuários ao longo do tempo, fortalecendo vínculos e melhorando os resultados de saúde.
- Coordenação do cuidado: equipes multiprofissionais trabalham juntas para atender às necessidades da comunidade.
- Ordenação da rede: facilita o acesso do usuário aos serviços de saúde mais adequados, com fluxos coordenados entre diferentes níveis de atenção.
- Participação da comunidade: envolve a população em ações de saúde e no controle das políticas públicas.
A evolução da atenção primária na Rocinha
A ocupação da Rocinha começou na década de 1920 e cresceu significativamente com o fluxo migratório do Nordeste do Brasil. A primeira unidade de saúde da região, o CMS Dr. Albert Sabin, foi inaugurada na década de 1980.
Atualmente, a Rocinha conta com 23 equipes de saúde da família, distribuídas em três principais unidades:
- CMS Dr. Albert Sabin: 6 equipes atendem Vila Cruzado, Macega, Cesário, Laboriaux, Atalho e 199.
- CF Maria do Socorro Silva e Souza: 10 equipes atendem Aníbal, Cachopinha, Cidade Nova, Dioneia, Estrada da Gávea, Casa da Paz, Rua 4, Curva do S, Terreirão de Baixo e Vila União.
- CF Rinaldo de Lamare: 7 equipes atendem Bairro Barcellos, Boiadeiro, Campo Esperança, Canal, Raiz, Trampolim e Vila Verde.
A importância dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS)
Os ACS desempenham papel crucial no sucesso da ESF. Eles realizam mapeamento da área, visitas domiciliares, educação em saúde, encaminhamento para serviços, acompanhamento de doenças crônicas, campanhas de saúde e coleta de dados.
Essa abordagem comunitária garante que os serviços de saúde cheguem a todos, especialmente aos mais vulneráveis, promovendo saúde preventiva e fortalecendo o acesso aos cuidados.
Reportagem publicada na Revista de Saúde da Rocinha, criada por moradores que participaram da primeira formação em Comunicação em Saúde da Rocinha, parte do programa Rede Fala Roça Informa. O projeto foi idealizado pelo Fala Roça e aprovado na chamada pública do Plano Integrado de Saúde nas Favelas. A formação foi conduzida pelo Fala Roça, com apoio da Fiotec, Fiocruz, Sistema Único de Saúde (SUS) e Governo do Brasil.
Adriana Isaías é assistente administrativa na Estação OTICS Rocinha, localizada na CF Rinaldo De Lamare. Formada em Gestão Hospitalar e atualmente estudante de Enfermagem, Adriana nasceu e foi criada no Sete, na Rocinha. Com um profundo interesse por questões sociais, de saúde e ancestralidade, ela se dedica a entender os desafios que afetam minorias e pessoas vulneráveis. Sua missão é adquirir conhecimento para fortalecer um Sistema Único de Saúde (SUS) mais integral, acessível e universal para todos.