Empreendimentos femininos se transformam em rede de apoio e promovem geração de renda na Rocinha

Nós do Crochê e Horta na Laje são dois negócios sociais que trabalham com mulheres em vulnerabilidade socioeconômica e buscam o fortalecimento comunitário

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Por Huana Aguiar e Paula Halanna

Pequenos negócios criados por mulheres na Rocinha se tornaram mais do que uma fonte de renda: são espaços de apoio emocional e construção coletiva. Os projetos de empreendedorismo social Nós do Crochê e Horta na Laje são bons exemplos desse trabalho com mulheres em vulnerabilidade socioeconômica da comunidade.

Criado por Daniela Vignoli e Heloísa Cyrillo, moradoras de São Conrado, o projeto Nós do Crochê nasceu de uma inquietação de como transformar a ajuda pontual em autonomia duradoura

Materiais produzidos por alunas do projeto Nós do Crochê no ateliê que funciona dentro da Rocinha. Foto: Divulgação

“Comecei doando cestas básicas com outras mulheres do meu condomínio,
mas entendi que era preciso mais que isso. Quis criar um espaço onde essas mulheres pudessem gerar a própria renda, elevar a autoestima e se sentir acolhidas”, conta Daniela, que hoje coordena o projeto e acompanha de perto cada trajetória. “O projeto vai além do crochê. É sobre escuta, rede, saúde, cuidado. Muitas vêm até aqui, não apenas para aprender, mas para desabafar, respirar, se sentir vistas”, complementa.

O projeto mantém três turmas de 60 alunas no total e conta com uma estrutura
que inclui ateliê, loja física e site de vendas. Com apoio de voluntários e parcerias pontuais com marcas como Granado, Phebo, Boticário e Havaianas, o Nós do Crochê segue firme e mira longe: internacionalizar a marca e ampliar sua presença no mercado corporativo.

Parte da renda obtida com a comercialização dos produtos – feita também em eventos e feiras parceiras – é destinada diretamente para às artesãs, enquanto o restante contribui para cobrir custos como lanche, manutenção do espaço e salário das duas funcionárias fixas.

Zuleica de Oliveira, de 50 anos, moradora Rocinha, foi uma das mulheres que viu no crochê uma forma de se reinventar. Segundo ela, o que começou como um reencontro com um antigo hobby se transformou em oportunidade de autonomia. Ela conta como retornar ao crochê foi fundamental para fortalecer vínculos e recuperar a autoestima. “Aqui a gente aprende, se apoia e cresce junto”, resume Zuleica.

Depois de conhecer o projeto pelas redes sociais, mergulhou na proposta. “Trabalhava como corretora de imóveis, mas hoje me dedico ao crochê e à minha família. O projeto me trouxe uma sensação de independência, algo que sempre busquei”, afirma. Ela ainda não vende suas peças em larga escala, mas já sente os efeitos financeiros e emocionais da atividade. “Fico mais feliz, mais motivada. Aqui encontro apoio psicológico, atendimento médico e, o mais importante, pessoas que acreditam na gente.”

Cícera Macedo também encontrou no Nós do Crochê um recomeço. Indicada por uma amiga, chegou tímida e silenciosa, mas logo se sentiu acolhida. “Era muito calada. Hoje converso, aprendo, compartilho. Aqui é uma família. Se pudesse, passaria o dia na cadeira fazendo crochê”, diz, sorridente. Mesmo sem tempo para produzir em casa, ela participa das aulas com entusiasmo e sonha em ampliar suas habilidades. “Falta tempo e ajuda. Mas sigo com alegria.”.

A busca pelo alívio da ansiedade foi outro motivo para participar do projeto de crochê, conta Salete Ferreira. “Conheci novas amigas, outras experiências. A Dani e a Helô nos levam ao teatro, a exposições… Coisas que nunca imaginei conhecer”. Para ela, o projeto abre portas. “A gente cresce como pessoa. E o crochê, além de renda, reforça a autoestima.” Salete ainda não se sente pronta para empreender sozinha, mas tem planos futuros e reforça que é preciso sonhar alto.

Roupas e outros itens feitos de crochê pelas alunas expostos em uma loja física. Foto: Divulgação

Horta na Laje

Na laje de sua casa, no alto da Rocinha, Tânia de Oliveira plantou mais do que hortaliças. Ela cultivou esperança, autonomia e consciência ambiental. Fundadora do projeto Horta na laje Rocinha, a empreendedora social começou a plantar durante a pandemia e, ao perceber o potencial de produzir alimento em pequenos espaços urbanos, transformou sua experiência pessoal em um movimento coletivo.

Unindo agricultura familiar, sustentabilidade e memória afetiva herdada do pai lavrador, passou a inspirar vizinhos, escolas e outras mulheres da comunidade a fazer o mesmo: ocupar suas lajes com vida verde. Com garrafas PET, reciclagem e muito amor pela natureza, o projeto hoje promove segurança alimentar, educação ambiental e empoderamento social.

Tânia de Oliveira com uma garrafa PET na horta que criou em sua laje. Ela coordena o projeto Horta na Laje, que atende moradores da Rocinha e já mapeou outras 30 hortas. Foto: Reprodução

“Hoje eu planto, como, ensino, vendo, e o mais bonito: compartilho”, destaca Tânia. Com mais de 30 hortas mapeadas na comunidade, o projeto já ajudou dezenas de mulheres a iniciarem suas próprias plantações. Algumas passaram a vender temperos e mudas; outras usam o que colhem para cozinhar e comercializar produtos artesanais, como compotas, molhos e bolos caseiros.

Tânia explica que os casos de participantes do projeto como o da dona Jussara, que produz conservas de pimenta na laje de casa, ou da Marinette, que começou a incluir ora-pro-nóbis nos bolos para vender na creche do neto, mostram como pequenas ações geram impacto real na renda familiar e no bem-estar. “Uma muda pode virar o dinheiro do gás do mês”, explica Tânia, com a simplicidade de quem sabe o valor das pequenas conquistas.

O projeto se tornou também uma referência em educação ambiental dentro da comunidade, com oficinas para crianças e adolescentes, e ações em escolas da Rocinha. As ações são sustentadas por meio de doações, colaborações voluntárias e a força do coletivo.

Com garrafas PET, reciclagem e muito amor pela natureza, o projeto hoje promove segurança alimentar, educação ambiental e empoderamento social. Foto: Divulgação

A professora de empreendedorismo social da PUC-Rio, Ruth Espinola, reforça o valor estrutural de projetos como o Horta na Laje e o Nós do Crochê. Ela salienta que esse tipo de iniciativa representa muito mais do que geração de renda. É uma forma concreta de desenvolvimento a partir dos próprios territórios. Diferentemente do empreendedorismo tradicional, ela diz, o social carrega um compromisso com o tripé da sustentabilidade: ambiental, financeira e, sobretudo, social.

De acordo com a professora, o empreendedorismo social tem a capacidade de mobilizar a comunidade, fortalecer os laços entre os moradores e gerar impacto direto no cotidiano local. Ao surgir de dentro da própria favela, esses empreendimentos ajudam a construir autonomia e pertencimento.

“Que o empreendimento esteja na comunidade e dinamize a própria comunidade. Isso tem a ver com desenvolvimento local. Então, é o empreendimento como vetor, como catalisador, ativador do tecido social, para que aquelas pessoas circulem dinheiro ali dentro, empoderamento, autoestima”, pontua Ruth Espinola.

Além das potências geradas por esses projetos, os desafios também precisam ser
considerados, especialmente para as mulheres que decidem empreender em contextos de vulnerabilidade. Ruth aponta que ainda há barreiras estruturais importantes, como a falta de acesso à informação, crédito e suporte.

Outra barreira, ela reflete, é do setor de empreendedorismo seguir marcado por desigualdades de gênero e raça. “As mulheres negras têm mais dificuldade que as brancas, e todas têm mais dificuldade que os homens. O mundo econômico ainda é muito masculino. Precisamos naturalizar as mulheres como empreendedoras, como líderes. Mas cultura ruim a gente combate com cultura boa. É um processo geracional lento, mas enraizante, que muda paradigmas, muda a forma de pensar.”

SERVIÇO

O projeto Nós do Crochê fica localizado no endereço Rua Bertha Lutz, 84, Loja A e funciona de 10h00 às 19h00 de segunda a sábado. Você pode acompanhar o projeto pelas redes sociais @nosdocroche.

O Horta na Laje ainda não está disponível para visitações, mas você pode seguir no
instagram @hortanalagerocinha e acompanhar no canal do youtube “Horta na laje Rocinha.”

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