Muito mais que um jornal, Fala Roça um espaço de comunicação e educação popular

Para além de uma redação de notícias, a sede do Fala Roça se tornou um lugar de troca de saberes e acolhimento da favela para a favela

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O acesso ao aprendizado tem um poder transformador. Em territórios favelados, ter a mobilização daqueles que atuam para repassar conhecimento é uma preciosidade. Compreendendo a importância desta a ação, o Fala Roça tem se fortalecido enquanto um espaço de formação. Para além de uma redação de jornalismo, a sede tem sido um local de troca e formação de redes de conexão entre moradores e instituições.

Neste ano, a mais nova formação é a Rede de Comunicação e Cultura, que visa a fortalecer projetos sociais da favela. O curso é dividido em dois módulos com aulas às terças e quintas. Foram 30 vagas oferecidas. Porém, o número de inscrições ultrapassou a casa dos 50. Até novembro, os selecionados irão aprender sobre métodos, planejamento e comunicação interna e externa. Como produto final da formação, eles deverão entregar um plano de comunicação. 

A ideia de oferecer um curso voltado para comunicação e cultura veio da percepção da equipe em outras formações. Coletivamente, foi entendido que, além do fortalecimento institucional, era importante existir na Rocinha uma rede para repassar estratégias sobre comunicação. Sobretudo, para expandir o trabalho já realizado de forma organizada, clara e objetiva. 

“A ideia da formação surgiu a partir do projeto Mapa Cultural da Rocinha, onde a gente mapeou mais de 150 iniciativas culturais aqui no território. O objetivo é capacitar os fazedores de cultura para que eles consigam desenvolver um plano de comunicação e atingir melhor o público deles. Nós, enquanto equipe, participamos de muitas formações ao longo desses 12 anos. Então, é importante transmitir para eles o que a gente aprendeu. O ideal é se fortalecer através da formação de uma rede para trazermos melhorias para os nossos territórios”, explica Tainara Lima, coordenadora da formação Rede de Comunicação e Cultura

   Conectados

Entre os alunos, existem aqueles que têm projetos voltados para o ensino e aprendizado. Como, por exemplo, Ana Lúcia Silva, gestora cultural e produtora artística da Cia Livre de Dança da Rocinha. Há décadas, ela forma artistas em ballet clássico, dança afro e outros estudos de movimento. Essa é a terceira vez que ela participa de uma formação do Fala Roça. Ela acredita que o conhecimento é uma ferramenta de poder e tem se fortalecido, enquanto liderança e gestora cultural, com os conteúdos das aulas. 

“Empreender socialmente não é fácil. Sempre precisamos mostrar que tem impacto. A cultura precisa ser ampla porque ela dignifica o território. A Cia Livre de Dança está entrando em um ciclo de 25 anos na comunidade da Rocinha. Eu, como professora, tenho obrigação de estar me preparando para questões burocráticas”. 

Com olhar atento e a escuta ativa,  através do curso, ela busca  aprimorar  a comunicação do projeto. “Estar aqui participando dessa formação de Comunicação e do Curso de Política Pública para Mulheres abriu um leque pra mim. Eu tive a oportunidade de ter contato, ouvir pessoas e ter uma troca. Isso gera novas ideias. Além de potencializar o meu território, [o curso] potencializa também o Fala Roça como uma instituição formadora”, declara Ana. 

Trabalho de base comunitária

De 2024 para cá, o Fala Roça produziu diversas formações, como a capacitação em Comunicação em Saúde, o Programa Jovens Líderes da Rocinha e o curso Políticas Públicas Para Mulheres. Os encontros são tão profundos e marcantes que há moradores  que se tornam figurinhas repetidas nas formações. Bianca Felix, de 27 anos, é um exemplo.  

Fundadora do Rocinha Inclusiva, um projeto que busca levar cultura e lazer para crianças atípicas, a fazedora de cultura garante: “todas experiências de ensino no Fala Roça foram importantes”. No entanto, a Rede de Comunicação e Cultura tem sido essencial para aflorar o desejo de expandir seu projeto. 

“Esse curso tem favorecido para conseguirmos recursos para nosso projeto. Como, aprender a falar com doadores, empresas e a sociedade em si para ter financiamento. Lidar com o mundo lá fora, sabe? Teremos [aqui] o pacote completo porque a comunicação é muito necessária. Temos que aprender a falar, a pedir, a enviar um e-mail, a formular nossos propósitos e desafios dentro do projeto. Estou muito feliz em estar aprendendo com o Fala Roça”, afirma Bianca. 

E avisa: “Todos os outros cursos que tiver, eu estarei aqui!”. O depoimento de Bianca demonstra como o Fala Roça vem se consolidando como um espaço de formação na Rocinha, e até para moradores de outras favelas e periferias dentro e fora da capital.  

Pessoas de diferentes cantos do Rio de Janeiro vêm se deslocando para o Fala Roça semanalmente para participar do curso. E tem gente de longe, viu? Nova Iguaçu, Bangu e Magé. 

Richardison Barros, de 25 anos, é um exemplo. Morador da Baixada Fluminense, o estudante de jornalismo atravessa toda a Região Metropolitana para acessar as aulas. O curso tem sido fundamental para pensar melhor um projeto que ele sonha em fazer: criar um jornal comunitário em Magé. 

A distância não é um impedimento, mas sim um incentivo. Para Richardson, abraçar e criar oportunidades é um passo fundamental para levar protagonismo para seu território, que é marcado pela exclusão social e falta de acesso à informação. 

“Magé sempre fica nesse lugar de invisibilidade. É um dos municípios mais antigos do Rio de Janeiro e não tem esse reconhecimento. Eu quero criar isso para elevar essas vozes, essas potências, essas literaturas de vida. Através dessa oportunidade, eu tenho pensado em outras formas: por que não criar uma revista sobre cultura de Magé? Que fale sobre a cultura, artistas, ancestralidade? Esse é meu projeto e eu estou aprendendo a desenvolver ele aqui, no Fala Roça. Esse vem e vai, de pegar dois ônibus, pegar metrô, às vezes até chegar atrasado, é muito importante para mim. Mesmo sendo cansativo, o foco é naquilo que eu quero”, conta. 

Até para quem mora próximo, existe um grande valor em estar no Fala Roça. Thaís Dutra, de 26 anos, é cria do Vidigal e essa é sua primeira formação. Assim como o Richardson, ela já idealiza um projeto. A ideia é unir moda sustentável, comunicação e empreendedorismo em um laboratório criativo. A formação impulsiona o projeto a sair do papel.

Para Thaís, a prioridade é falar da favela para a favela, poder adquirir conhecimento e repassar todos eles para quem não tem acesso. 

“Eu não sabia por onde começar e quando eu vi a oportunidade do Fala Roça quis estar pra colocar esse projeto pra frente. Está sendo muito lindo estar aqui e captar toda essa energia e aprendizado com a galera. Eu sou cria de favela e quero me comunicar com a minha favela. Tenho certeza que tem muitas outras pessoas de comunidades que têm esse sonho e essa habilidade e não sabem como desenvolver. Então, eu quero ser uma ponte pra isso. Quero levar a potência das comunidades comigo”, afirma Thaís. 

Para além dos veteranos, também há espaços para crias da Rocinha que ainda não tinham participado das formações do Fala Roça. Rose Firmino participa de três projetos na Rocinha: Museu Sankofa; Acorda Capoeira e o Amigos do Parque Ecológico da Rocinha (Aper). Por meio das aulas ela tem tecido sua rede de contatos e trocado muitos saberes.

“Soube do curso por meio das redes sociais. As aulas são maravilhosas. O aprendizado mais marcante foi compreender a dinâmica da Inteligência Artificial. Aprender no meu território é um sonho. Além de ampliar o conhecimento e estar junto com outras pessoas da favela. Acredito que estamos caminhando e vamos nos ajudar e ajudar outras pessoas”, comenta Rose.

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