Morre o padre Thierry Linard, jesuíta ligado a ações sociais na Rocinha
Espremida entre moradias e comércios no Largo do Boiadeiro, a capela Nossa Senhora Aparecida guarda histórias. Uma delas, lembrada por moradores católicos, é de um homem branco, estrangeiro, com sotaque belga e mangas arregaçadas. Era o padre Thierry Linard de Guertechin que ajudou a “virar a laje” com a ajuda de fiéis na década de 80.
O missionário jesuíta nasceu em 1944, em Bruxelas, na Bélgica. Entrou para a igreja católica em 1962. Padre Thierry Linard inicialmente queria ir para a Índia em missão, mas foi incentivado a vir para o Brasil por padres brasileiros que conheceu no curso de teologia em sua cidade natal. Desembarcou no Brasil em 1975 onde escolheu o Rio de Janeiro para trabalhar como professor na PUC-Rio. Lecionou de 1975 a 1996, no departamento de Sociologia e Ciências Políticas.
Pela proximidade com a faculdade, passou a frequentar a Rocinha e se apaixonou. Ele acreditava que para acabar de vez com o assistencialismo, que não resolve o problema da favela, os moradores deveriam organizar a vida social.
Numa entrevista ao jornal Tribuna da Imprensa, em 1984, avaliou a potencialidade dos moradores. “Um grupo organizado se faz ouvir sem precisar estar ligado a partidos políticos. A força do grupo leva à obtenção dos objetivos”, disse ele ao criticar o conformismo.
Para Linard, o conformismo gera o imobilismo dos moradores que preferiam deixar os problemas para as autoridades resolverem. Através das inúmeras atividades que os centros comunitários passaram a desenvolver, provocou os moradores a pensar sobre os problemas mais imediatos de suas vidas, transformando o conformismo em luta, sem esperar os favores caírem dos céus.
Na Rocinha, enfrentou inúmeros desafios com os jesuítas porque seus superiores, a quem devia obediência, não viam com bons olhos o trabalho na favela. Comprou uma casa na antiga Rua 4, e assim como os moradores da localidade viu sua residência dar espaço para a famosa Rua Nova após as obras do PAC 1, em 2010. A casa lhe servia de moradia, mas também abrigava encontros das pastorais da capela na década de 90 e início dos anos 2000.
Nos anos 80, participou dos mutirões de limpeza, canalização das valas e construção de moradias dignas, além de reivindicar melhores condições de vida para os moradores. O trabalho pastoral foi estendido à Ação Social Padre Anchieta (ASPA), onde foi assessor e diretor espiritual, participando ativamente mesmo à distância através de chamadas de vídeos.
Colaborou durante anos com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) como assessor especial e integrou o grupo de peritos que produz a Análise de Conjuntura mensal para a entidade. Em Brasília, ficou 20 anos, e esteve à frente do extinto Instituto Brasileiro de Desenvolvimento (Ibrades) e no Centro Cultural de Brasília, uma instituição dos padres jesuítas. Também trabalhou no Observatório de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida.
Mesmo após esses anos vivendo no Brasil, o padre não perdeu seu sotaque, e falar o português foi uma de suas maiores dificuldades. “O que me consola é que as pessoas são muito amáveis e dizem que o meu sotaque é charmoso”, dizia o religioso.
Muito querido por todos, o religioso colecionou amigos na Rocinha. Ao longo dos anos ele batizou inúmeras crianças. Nos últimos meses, Maria Coelho, secretária da capela Nossa Senhora Aparecida, passou a catalogar os batizados feitos pelo padre de 1981 até 2020. Entre 1981 e 1985, 1101 batismos passaram pelas mãos de Linard.
Thierry Linard faleceu na madrugada de domingo (30/1), aos 77 anos, na Casa de Saúde e Bem-Estar Nossa Senhora da Estrada, em São Paulo. Desde 2008, ele tinha diagnóstico de gânglios infectados na garganta. Foi submetido a vários procedimentos médicos. No ano passado, a situação se agravou e ele precisou afastar-se de suas atividades. Seu corpo será trasladado para Brasília, onde será sepultado no Cemitério Campo da Esperança da Asa Sul nesta segunda-feira (31/1).