Obesidade na Rocinha revela impacto dos ultraprocessados entre os moradores

Prioridade por uma alimentação mais barata contribui para a existência da doença na favela
compartilhe!

Rosa Regina dos Santos, pernambucana de 68 anos, é mãe de dois filhos e criou-os sozinha enquanto trabalhava como doméstica, atividade que exerceu por quase quatro décadas. Começou a engordar entre os 35 e 40 anos, período em que, segundo ela, sua rotina era extremamente estressante. Por conta do excesso de peso e problemas relacionados, foi obrigada a se aposentar. “Saía às 5h30 e voltava às 19h. Trabalhava em um ritmo tão pesado que não parava para comer. Hoje, fico em casa ansiosa porque não consigo fazer nada. Preciso tomar remédio para ansiedade, a gordura deixa a gente em desespero”, conta.

Em áreas urbanas como a Rocinha, a doença tem afetado de maneira significativa a população. Moradores da favela enfrentam uma série de desafios que contribuem para o aumento de peso, incluindo a necessidade de selecionar alimentos mais baratos e calóricos devido às restrições financeiras e um padrão de vida que, muitas vezes, negligencia a prática de atividades físicas. 

Um estudo realizado pelas pesquisadoras Vanessa Alves Ferreira, das Faculdades Federais Integradas de Diamantina (Fafeid), e Rosana Magalhães, da Fundação Oswaldo Cruz, publicado na revista Cadernos de Saúde Pública (CSP), investigou a prevalência de obesidade entre mulheres de baixa renda no Sudeste brasileiro. Na Rocinha, os dados apontaram para um padrão alimentar marcado pelo consumo de alimentos acessíveis, porém ricos em calorias, gorduras saturadas e açúcares, fatores que contribuem para o ganho de peso excessivo.

Rosa Regina chegou a engordar 3kg por semana até atingir a marca de 150kg. Precisou operar o coração devido a um tumor cardíaco — fato que a impede, hoje, de fazer uma cirurgia bariátrica. Atualmente, tenta emagrecer em casa seguindo uma série de exercícios ensinados por sua médica no Instituto Nacional de Cardiologia (INC), em Laranjeiras.

Rosa Regina em sua casa na Rocinha. Foto: Guilherme Carvalho

No Estado do Rio de Janeiro, o Mapa da Obesidade da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica aponta que 20,1% dos homens e 23,1% das mulheres são obesos. Na capital, esse índice sobe para 26,2% entre adultos, com 65,2% da população apresentando excesso de peso. 

A Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco de Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), realizada pelo Ministério da Saúde, indica que a incidência de obesidade entre brasileiros mais que dobrou nos últimos 18 anos, passando de 11,8% em 2006 para 24,3% em 2023. Atualmente, estima-se que 1 em cada 4 adultos no Brasil seja obeso.

Para Rosa Regina, chamada de Dona Rosa, os vizinhos e filhos são indispensáveis na rotina, já que fazem as compras e a ajudam a subir as escadas nos dias de consulta médica. Sair sozinha não é uma opção. Dentro de casa, só se locomove com o auxílio de um andador e não gosta de precisar de ajuda: “o que mais me estressa é ter que depender dos outros. Me sinto inútil”, desabafa a aposentada.

Rosa comenta sobre a falta de infraestrutura da favela, a qualidade ruim das escadas e calçadas e a presença excessiva de motos e vans que tornam o trânsito da Rocinha caótico, dificultando ainda mais a locomoção. Segundo a senhora, até para as pessoas sem problemas de saúde é difícil andar pela favela. A falta de informações sobre alimentação e um acompanhamento nutricional adequado afeta o dia a dia de Rosa Regina. Para ela, as visitas a nutricionistas não deram resultados. Alguns profissionais a disseram que para emagrecer bastava “fechar a boca”. Outros, passaram dietas que não condizem com sua realidade financeira.

Rosa admite uma “mania” que possui desde a época em que trabalhava como doméstica: passa o dia inteiro sem comer e, à noite, mata a fome com café, pão, frutas e biscoitos. Este comportamento — típico de quem trabalha muito — revela uma dieta desregrada, sem refeições nutritivas e bem definidas. “Chegou um momento em que eu nem ligava mais para comida, só comia quando chegava em casa. Colocava coisa na boca sem nem ver o que era”, revela. Os alimentos caros e o hábito de não se alimentar adequadamente contribuíram para o excesso de peso de Rosa.

Comércios sem opções saudáveis

Na Rocinha, a presença de comércios que oferecem produtos pouco saudáveis a preços acessíveis, aliados à ausência de supermercados que vendem frutas, legumes e verduras frescas cria um ambiente “obesogênico” – que facilita escolhas alimentares não saudáveis e comportamentos sedentários. 

Marcelle Trajano, estudante de Serviço Social da UERJ, 23 anos, é outra moradora da comunidade que busca emagrecer. “Quando você chega na Rocinha, tem uma imensidão de barracas e comércios, mas nunca têm algo saudável. A pessoa que está em processo de emagrecimento tem que manter uma rotina de alimentação, mas muitas vezes não dá porque chega do trabalho, está cansada e não encontra algo saudável para comer”, afirma.

Marcelle comenta sobre o preconceito em torno de pessoas obesas, que muitas vezes são vistas como preguiçosas. Segundo a estudante, a obesidade afeta a autoestima e muda como as pessoas olham para os que sofrem com a condição. Conta, também, sobre a dificuldade de comprar roupas específicas para se exercitar: “confesso que me sentia um ‘peixinho fora d’água’ quando ia a uma academia. Para nós, não é fácil encontrar roupa na Rocinha. Tem muita lojinha de roupa de academia e camelô, mas tudo tamanho único. Roupa de academia para mim, na comunidade, eu nunca encontrei.”

Hoje, a estudante documenta sua ampla rotina de exercício físico e dieta nas redes sociais, onde diariamente interage e inspira muitas outras pessoas. Com o apoio que recebe em seus perfis no Instagram e TikTok (@maatrajano), motiva e se sente mais motivada a não desistir da sua jornada de emagrecimento.

A nutricionista e professora do curso de Nutrição da Faculdade de Medicina de Petrópolis, Juliana Giglio, explica que na rede pública de saúde as ações do profissional da nutrição devem integrar um compromisso com os componentes do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, com vista ao direito humano à alimentação adequada. 

“As decisões para as ações de nutrição e promoção de práticas alimentares saudáveis devem respeitar a diversidade étnica, racial, econômica e cultural da população”. Segundo a profissional, a partir da identificação de situações de risco, deve-se favorecer a inclusão social por meio da ampliação do acesso à informação sobre programas e direitos relacionados à alimentação.

Políticas públicas para combate à obesidade nas favelas

A nutricionista Juliana Giglio defende que diferentes áreas devem trabalhar juntas para criar ações que atendam às necessidades de saúde e nutrição dos moradores da Rocinha. Segundo Juliana, é importante haver uma agenda de saúde para prevenir problemas ligados à má alimentação e melhorar o atendimento nutricional nos postos de saúde, priorizando a prevenção. Ela acredita que o SUS está no caminho certo nesse ponto, pois uma alimentação saudável é essencial para proteger contra diversas doenças e causas de morte comuns atualmente.

“A inserção universal, sistemática e qualificada de ações de alimentação e nutrição na atenção primária à saúde, integrada às demais ações já garantidas pelo SUS, é uma maneira mais econômica, sustentável e eficiente de prevenir novos casos de obesidade e doenças relacionadas à má alimentação”, explica a profissional.

A nutricionista e professora do curso de Nutrição da PUC-Rio, Agnes Bueno dos Santos, confirma que hoje existe uma preocupação muito grande com a questão sociocultural e com o letramento em saúde e nutrição do paciente obeso. “A compra de alimentos ultraprocessados ou processados fica às vezes mais barata que o alimento em natura. Porém, existem formas de incentivar quem sofre de obesidade, por exemplo, com hortas caseiras e o cultivo de legumes e verduras que podem ser utilizados na alimentação. Também existem várias indicações de receitas e combinações de alimentos onde há um aproveitamento maior dos nutrientes diminuindo a quantidade calórica ingerida”, explica.

Agnes sugere como opções mais baratas a compra de frutas, legumes e verduras no período de safra e a ida ao final de feiras, onde se pode encontrar produtos ainda em ótimas condições e com os nutrientes perfeitamente preservados.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica a obesidade – definida por um Índice de Massa Corpórea igual ou acima de 30 – como um dos mais graves problemas de saúde a ser enfrentado. Em 2025, estima-se que 2,3 bilhões de adultos no mundo estarão acima do peso, sendo 700 milhões obesos. 

Para os moradores da Rocinha que sofrem com o excesso de peso, a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) oferece suporte médico com atendimento regular e, inclusive, a domicílio quando solicitado. 

O atendimento é multidisciplinar e inclui médicos, nutricionistas, psicólogos e educadores físicos, trabalhando juntos para proporcionar um tratamento abrangente e personalizado. Procurar ajuda médica e seguir um plano de tratamento personalizado pode fazer uma grande diferença na luta contra a obesidade, promovendo uma vida mais saudável e ativa.

*Reportagem produzida através da disciplina Jornalismo e Cidadania, ministrada pela professora Lilian Saback por meio de extensão universitária do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio.

Assine o Fala Roça

Receba as notícias por e-mail