
Por que uma Conferência de Jornalismo das Favelas e Periferias?
Falar de violência na favela não é só falar de tiro, caveirão e manchete. É falar de uma realidade complexa, feita de ausências, racismo estrutural, desigualdade e resistência. E agora não é hora de discurso bonito nem de palavra difícil. É hora de respeito, de escuta e de falar com os dois pézinhos no chão, porque estamos falando com uma população fragilizada há décadas, que segue resistindo mesmo quando o Estado vira as costas.
Neste momento de dor, prestamos nossa solidariedade às famílias que perderam pessoas e a todos os territórios atingidos pela chacina ocorrida no Complexo da Penha e no Complexo do Alemão, que marcou a história das favelas na democracia brasileira. Também estendemos nosso abraço às famílias do Rio de Janeiro e de todo o país, que, ao verem imagens inimagináveis em um Estado democrático, sentem medo, indignação e revolta.
Mesmo diante desse luto coletivo, decidimos manter nosso compromisso e realizar a 3ª Conferência de Jornalismo das Favelas e Periferias. Não foi uma decisão fácil. Mas o sonho que nos move é coletivo, e seguir em frente é também uma forma de resistência. Transformar luto em luta é o que as favelas fazem todos os dias. Reexistir é o primeiro passo para reconstruir.
Cerca de 100 jornalistas de cinco regiões do Brasil, além de jornalistas do Rio de Janeiro que retiraram ingresso para participar da 3ª Conferência de Jornalismo das Favelas e Periferias, realizado pelo Fala Roça e Agência Mural, estão reunidos agora na Rocinha, criando possíveis respostas para a pergunta deste editorial: por que existir uma Conferência de Jornalismo das Favelas e Periferias? Acreditamos que seja para manter nossas narrativas, nossas escutas e nossas justiças para os territórios. Porque as soluções para os desafios que enfrentamos podem brotar da terra, do chão e das vielas que precisam de todos nós para serem ouvidas e visibilizadas.
O Fala Roça nasceu, em 2013, para desafiar estereótipos e preconceitos, colocando os moradores e as soluções da favela no centro das narrativas sobre a Rocinha. Doze anos depois, essa missão segue viva em nós. Fazemos jornalismo a partir da Rocinha, promovendo cultura, identidade e representatividade favelada sem romantizar as dificuldades, mas também sem reduzi-las à única forma de existir nas favelas e periferias. Nossa razão de ser é construir narrativas mais humanas e promover justiça social por meio do jornalismo de soluções.
Desde o surgimento das favelas, a mídia hegemônica brasileira produziu retratos distorcidos e marginalizados dos nossos territórios. A Rocinha, por ser a maior favela do Brasil, não escapou dos estereótipos criados por jornalistas. E não está sozinha. Todas as favelas e periferias, marcadas pelas violências, foram e ainda são contadas a partir de uma lente única, que ignora as múltiplas realidades e potências de quem vive nelas.
O Fala Roça, enquanto associação de comunicação com quatro eixos de atuação — jornalismo, formações, pesquisas e preservação da memória e história da Rocinha — entende que não deve caminhar só. Fazemos parte de um ecossistema de mídias locais que constroem juntas um jornalismo humanizado, plural e comprometido com a democracia, a liberdade de expressão e os direitos humanos. Nosso papel é apurar com rigor, checar com responsabilidade e cobrar políticas públicas que promovam equidade e justiça social.
Os jornalistas de favelas e periferias são parte essencial dessa construção. São eles que vivem a realidade, falam com propriedade e conhecem de perto os desafios e as potências de seus territórios. Precisam ser valorizados, respeitados e reconhecidos como aliados dos moradores e da própria transformação social que o jornalismo pode provocar.
Paz sem voz é medo!