Quem é Márcia Ferreira, a mulher que há 46 anos transforma a vida de famílias na Roupa Suja

A União de Mulheres representa o legado feminino de resistência na Rocinha, profundamente ligado à vida de Márcia Ferreira

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Brenda Gusmão e Carol Mendes*

Pelas escadarias e becos da Roupa Suja, Márcia Ferreira da Costa formou crianças e adultos na União de Mulheres Pró Melhoramento da Roupa Suja. O gesto voluntário iniciado em 1978 se tornou uma trajetória de 46 anos dedicada à educação e ao cuidado de famílias da Rocinha, território que ela chama de “minha querida Rocinha”.

Com apenas 12 anos, sobre uma mesa de fórmica azul, Márcia lia e escrevia cartas de migrantes nordestinos em busca de parentes. Logo passou a ensinar quem a procurava. Uma das primeiras alunas foi sua mãe, Anna Crysolide Ferreira, então servente numa escola em Copacabana. Incentivada pelo pai, José Bento da Costa, Márcia começou a compartilhar seu conhecimento com a vizinhança.

“Meu pai falou: ‘você não vai mais ler; vai ensinar. Não vai mais dar o peixe; vai ensinar a pescar’. Comecei com adultos. Depois vieram as crianças. Toda criança brinca de alguma coisa, né? Eu brincava de ser professora”, relembra Márcia, hoje com 58 anos.

A União de Mulheres atende cerca de 130 crianças na Rocinha. Na sede da Rua 1, 68 crianças de até 3 anos e 11 meses participam de berçário, maternal, reforço escolar, aulas de inglês e curso de primeiros-socorros. Outras 58 crianças do 1º ao 6º ano recebem reforço escolar. A ONG também tem duas filiais: a Creche Cantinho do Céu, em Cordovil, e o Instituto Pinguinho, em César Maia, ambas com 22 alunos.

Márcia Ferreira segura exemplar do livro que conta a sua trajetória na favela. Fotos: David Souza

Fundada oficialmente em 2000, a ONG tem como foco a educação e o apoio a famílias. “Chegam muitas pessoas aqui que precisam de ajuda: alimentação, medicação, móveis, de tudo. E a gente ajuda. Muita gente sabe que aqui tem um apoio”, afirma Márcia.

As mulheres da Rocinha sempre protagonizaram lutas por melhorias no território: moradia, educação, saúde, mobilidade, memória e mais. A atuação cotidiana se dá em pequenos gestos de acolhimento e apoio mútuo. Márcia explica que o nome da organização nasceu dessa união entre mulheres em prol da coletividade.

“A maioria é abandonada pelos maridos. Cuidam de filhos e se apoiam. ‘Eu vou estudar, cuida do meu filho’. ‘Eu vou trabalhar, cuida do meu filho’. Somos nós, mulheres, na maioria pretas, que nos unimos para melhorar nossa vida e a de outras”, diz.

Conhecida como missionária, Márcia vê com otimismo a juventude das favelas: “Tem muitos jovens engajados em projetos sociais. A nossa realidade é essa. Se você mora na favela, não se levantar, quem vai? Só luta por dias melhores quem está no sufoco”.

A creche tem parceria com a Prefeitura do Rio, mas depende majoritariamente de doações e voluntariado. Maria do Carmo Costa de Farias, a Carminha, de 52 anos, ajudou a fundar o projeto e atuou como vice-presidente e diretora financeira até 2024. “Conheço Márcia há mais de 25 anos. Fundamos a União de Mulheres. Quando comecei, era mãe de aluno. Foi maravilhoso trabalhar com educação, mulheres e jovens”, diz.

Márcia mantém contato com muitos ex-alunos. Gabriel Henrique Gonçalves Silva é um deles. A creche era o único lugar onde podia tomar café e banho. Márcia chegou a montar um kit com sabonete e desodorante para ele. “Às vezes uma criança tem pai e mãe, mas é órfã. O Gabriel foi um dos primeiros no reforço. O pai era traficante e a mãe, usuária de drogas”, conta.

Hoje com 28 anos, Gabriel coordena o REF ROCINHA, projeto de reforço escolar que atende 150 crianças na Rocinha e outras 85 em Pedra de Guaratiba. “Vim de uma família disfuncional. Criava minhas irmãs. A creche era um refúgio. Fiz pedagogia e tenho meu próprio projeto. Sou muito grato à Carminha e à Márcia”, diz.

A história da educadora está registrada no livro Um projeto de vida: ONG União de Mulheres, lançado em 2024 por Olga Pereira de Sousa, professora voluntária. O lucro das vendas é destinado à ONG. Olga conheceu Márcia em 2015, quando cursavam pedagogia juntas. Encantada com a atuação da colega, escreveu o livro como forma de divulgar a trajetória e inspirar outras pessoas.

“Queria entender o papel da ONG no território. O livro mostra que dá para construir um projeto com uma mesa de fórmica. Educação é o pilar da comunidade. Ela viu a necessidade e trouxe o que recebeu da mãe: educação. A Rocinha é dela. Ela alcança essas crianças”, explica Olga.

A União de Mulheres representa o legado feminino de resistência na Rocinha, profundamente ligado à vida de Márcia Ferreira. “Minha vida se resume ao projeto. É um projeto de vida — e esse é o nome do livro. Nesses 46 anos, já acolhemos muita gente e fizemos tantas coisas”, conclui.


*Reportagem produzida através da disciplina Jornalismo e Cidadania, ministrada pela professora Lilian Saback por meio de extensão universitária do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio.

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