Sob as luzes da Via Ápia da Rocinha
A rua mais vibrante da Rocinha encanta tanto moradores quanto visitantes
O fervo comercial faz da Via Ápia uma espécie de Saara do morro. De dia, centenas de moradores, turistas e pessoas da cidade caminham por seus 200 metros de comprimento para visitar as cerca de 25 lojas e barracas gastronômicas, em meio ao intenso vai e vem de motos e carros.
À noite, a Via Ápia se torna um point, que reúne pessoas de todas as idades, atraindo moradores e visitantes de regiões da cidade para desfrutar um rolé na favela.
A região já foi apelidada como “Baixo Rocinha” pelos visitantes, como exemplo de outros bairros do Rio, que possuem os “baixos” — áreas com bares e barracas gastronômicas abertos em horário noturno — em bairros nobres ou do asfalto suburbano de classe média da cidade. Mas, os crias da Rocinha insistem: não é “Baixo Rocinha”, o nome do rolé do morro é “Via Ápia”.
Seja como for, a boêmia carioca favelada toma conta da rua lotada de bares, que se estendem por toda a Via Ápia, com mesas e cadeiras espalhadas pelo calçadão das lojas fechadas. Enquanto os frequentadores, aproveitam o ambiente descontraído sentados ou em pé mesmo, bebendo em meio a mistura de sons de grupos animados.
A Via Ápia dá nome a fama da Rocinha ser a “favela que nunca dorme” situada aos pés dos Morros Dois Irmãos e do Cochrane. “Aqui tem vários tipos de ambiente: tem um forrozinho ali do lado, tem o rapper aqui do outro, tem hambúrguer, a cervejinha… E depois de um longo e cansativo dia de trabalho, a única coisa que a gente quer é descansar e botar o papo em dia”, afirma Debora Sousa, de 22 anos, moradora do Boiadeiro.
A agitação, que persiste 24 horas por dia, é impulsionada culturalmente pelo público diversificado, que preenche as ruas. Sejam moradores voltando do trabalho ou turistas e visitantes curiosos à procura de diversão nas favelas do Rio. O mix de gente traz uma atmosfera não só animada, como acolhedora para uma das maiores favelas do Brasil e a maior do Rio de Janeiro.
“A gente pode se sentir à vontade e ficar tranquilo com os amigos também. Têm muitas opções de restaurante, bares, o ambiente é agradável, as pessoas são agradáveis”, detalha Milleny Alves, de 21 anos, moradora da Rua 2 . Segundo crias e visitantes, a farta variedade de opções de lanche e comidas oferecem ainda uma experiência gastronômica única.
O calor e a sensação térmica de 60ºC no “Hell de Janeiro” (inferno em inglês) também influencia a dinâmica da rua como espaço de lazer. Aos domingos, o pós-praia do morro é na Via Ápia, ponto de parada para almoçar ou “para começar os trabalhos”, conforme dita a gíria carioca, utilizada como sinônimo de convite para apreciar uma cerveja bem gelada.
Cada bar ao longo da rua toca uma variedade de gêneros musicais: dos clássicos do forró, passando pelo pagode, sem esquecer o funk. O clima mantém a animação do público, mas também atrai a atenção de quem antes estava só de passagem.
“É acolhedor pela diversidade que tem a Rocinha, por ser uma favela muito visada, cada bar colocar sua estrutura de música e colocar sua cerveja, o bom atendimento, sem os preconceitos que tem por aí, por fora”, opina Luiz Fernando Souza, de 32 anos, frequentador da Via Ápia e morador da Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana.
Trabalho e renda
A vida noturna na Rocinha também é marcada pelo aumento do número de barracas de lanches, oferecendo uma variedade de opções como caldos, hambúrgueres e churrasquinhos, e impulsionando a economia local. O agito do plantão da noite é parte da rotina de trabalho de Juliana Morais de Lima, de 29 anos, dona da barraca Hambúrguer da Ju, localizada no começo da Via Ápia.
Há três anos ela acompanha o crescimento cada vez mais acelerado da rua. “A Via Ápia é minha segunda casa, né!? Fico mais aqui do que em casa”, revela aos risos. E completa: “Hoje em dia a população é muito maior do que era antes, entendeu? Temos lojas antigas que foram reformadas e isso chama a atenção das pessoas. A gente vê que as coisas vão crescendo, vão mudando”, explica a empreendedora.
O fortalecimento econômico da popularização da Via Ápia desempenha um papel crucial na vida dos moradores locais, que encontram oportunidades de emprego e empreender na favela.
Para Juliana, as contínuas reformas de lojas realizadas por comerciantes da Via Ápia transformaram a rua em uma “Avenida, tem de tudo” dentro da Rocinha.
Com isso, as reformas trouxeram a oportunidade de expansão dos negócios para empreendedores de outros lugares da Rocinha. É o que aconteceu com ela que, abriu o primeiro empreendimento no Laboriaux e, posteriormente, migrou para a rua mais badalada da favela. “A população daqui incentiva muito a gente a continuar. Não é mole abrirmos nosso próprio negócio, uma hamburgueria. É correria, mas graças a Deus, as pessoas acreditam no nosso trabalho”, comemora Juliana, mais conhecida como “Ju”.
Gustavo Rodrigues, 27 anos, morador da Dioneia e proprietário de uma empresa de turismo, também viu o crescimento da vida noturna da Via Ápia como uma oportunidade de abrir o próprio negócio. “A experiência aqui é única! Quando eles [estrangeiros] chegam na Rocinha, vêem muitas pessoas se manifestando culturalmente, dançando… Eles se sentem muito acolhidos e curtem muito o funk, que não tem em outros países”, conta o guia local. Por meio da realização de visitas guiadas na favela em eventos de entretenimento na Via Ápia, ele conseguiu concretizar o sonho de adquirir a casa própria.
Porém, há quem discorde. Alguns comerciantes garantem que, a popularização da Via Ápia, não significou aumento de vendas e renda, pois muitos clientes que param para comprar lanches são trabalhadores a caminho de casa, e não frequentadores em busca de diversão.
A localização das barracas também influencia diretamente na oportunidade de crescimento dos negócios. As lojas de comida situadas nas extremidades da rua, por exemplo, são menos procuradas em comparação com aquelas que ficam no miolo do fervo. Principalmente, durante a semana, quando o fluxo de pessoas é menor.
Seja como for, a diversidade de experiências oferecidas na Via Ápia contribui para a riqueza cultural e econômica da Rocinha, e sem dúvida, é um destino imperdível para quem busca uma vida noturna animada e autêntica de favela no coração da pulsante da maior do Rio.
Um lugar de afetos
O Fala Roça decidiu bater perna na Via Ápia na busca por histórias e pontos de vista dos moradores locais e visitantes que frequentam esse ponto boêmio da Rocinha. O bate-papo com o público frequentador do point confirmou a percepção de “ambiente acolhedor”, que tornou a vida noturna da Via Ápia um lugar para viver uma experiência singular dentro do Rio de Janeiro.
Para todos, perguntamos: “Por que você frequenta a Via Ápia?” e “O que diferencia a Via Ápia de outros lugares do Rio?”. As respostas revelaram a rua como um local de afeto de amigos, famílias, moradores e até visitantes que já tornaram o rolé na Via Ápia a “boa da noite”. Confira.
Diogo Bruno da Silva, 35 anos, morador do Vidigal
“No Vidigal, infelizmente não tem nada de entretenimento. A essa hora só têm para as pessoas mais ricas. Os playboys vão pra lá, pro Bar do Arvrão ou Bar da Laje, e como eu sou de baixa renda, CLT, venho para a Rocinha para curtir um som e encontrar os amigos. Amo estar na Rocinha, gosto muito da Rocinha e sou casado com uma mulher da Rocinha”.
Vinicius Kondack, 25 anos, morador da Curva do S
“Aqui você encontra de tudo, literalmente! Desde o pobre, o rico, a pessoa que gosta de samba como eu, até a pessoa do forró. É um ambiente familiar! A gente não vê perigo nenhum de estar aqui. É tudo que a gente quer, né? Segurança e felicidade. A gente se sente acolhido. Eu vim de muito longe, lá da Zona Oeste, morar aqui. A Rocinha acolhe todo mundo. Você sai na rua e tem milhões de pessoas, não tem um dia que você não vê gente na rua. Pode passar 4 horas da manhã que tem muita gente. Antes de vir morar aqui, eu sempre frequentei o morro. Eu acho aqui um lugar à parte do Rio de Janeiro. Nunca vi isso como um bairro dentro do Rio, é um país dentro do Rio de Janeiro. As pessoas são diferentes e, educadas, na maioria das vezes”.
Jessica Monteiro, 33 anos, cria do Vidigal, morador hoje de São Paulo
“Sou nascida e criada numa favela. Aqui é o lugar onde eu me sinto à vontade e que eu conheço, eu posso ser quem eu sou, posso falar alto, recebe todo mundo, do gringo ao morador. É engraçado que depois de um tempo, você percebe como é estreita a passagem [na Via Ápia], mas passa gente, moto, todo mundo junto (rs). Até hoje, mesmo vindo aqui por muitos anos, eu acho loucura. Eu fico pensando para quem vem pela primeira vez”.
Milleny Alves, 21 anos, moradora da Rua 2
“O ambiente é agradável, as pessoas são agradáveis, eu gosto muito. Acredito que o preço é acessível, que dá no bolso de todo mundo. É um lugar onde as pessoas da favela e de fora podem vir, curtir, sabem que é bom e tem um monte de coisas para diversos gostos”.
Ewerthon Mendes, 22 anos, morador da Roupa Suja
“A Via Ápia tem diversos lugares diferentes com várias culturas, num lugar bem pequeno. Eu encontro pessoas com a minha vibe e energia. Aqui me sinto em casa. Eu conheço as pessoas e as pessoas me conhecem, eu me sinto bem mais confortável. Tem restaurantes nordestinos, italianos e coisas locais, japonesas… vários lugares dentro de um só”.
Camila Muhlenberg, 20 anos, moradora do Leblon
“A gente consegue ficar bebendo e sentar para ficar fofocando, tranquila e confortável. Eu não me sinto assim tão confortável assim em outros lugares. Sempre fico preocupada com o lugar que estou e nas pessoas que frequentam. Já aqui estou com minhas amigas. Eu confio nelas e nos lugares que elas frequentam.”