Tarifa Zero nos ônibus da Rocinha: moradores pedem passe livre para reduzir gastos com transporte

Segundo a população local, medida facilitaria acesso à mobilidade urbana; cidades de Magé, Maricá e Mendes já implementaram serviço gratuito

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“Ô governador, o senhor abaixa o preço da passagem, que pra casa da cheirosa é mó viagem, na moral, sacanagem”, canta Xamã, na música “Era Uma Vez”. O pedido do rapper reflete o desejo  de muitos moradores da Rocinha por gratuidade ou redução do custo da mobilidade urbana. Entre eles, a faxineira Maria Gomes, de 33 anos. “Com certeza se tivesse tarifa zero [nos ônibus] funcionando na Rocinha, me ajudaria demais. Eu conseguiria economizar o valor mensal que gasto em transporte e usaria para outras prioridades.”

Moradora da Rua Nova, localizada na parte alta do morro, ela pega duas conduções para chegar ao trabalho e gasta por mês com transporte público R$200. “Acredito que facilitaria não só minha vida, mas também dos outros moradores. Tem muitas pessoas que não conseguem se locomover por falta de dinheiro. Tendo tarifa zero, [nós] conseguimos usar o ônibus tranquilamente para ir ao médico, fisioterapia e outros serviços.”, ressalta Maria.  

Moradores pedem redução nos gastos com transporte por meio de passe livre. Foto: Rodrigo Silva

A tarifa zero já é realidade em 16 cidades do Estado do Rio de Janeiro, como Maricá, Magé e Mendes — e em 138 cidades brasileiras com gratuidade diária no transporte, segundo o Mapeamento Coletivo de Cidades com Políticas Universais de Passe Livre. Mas, na Rocinha, o benefício ainda é um sonho de muitos moradores da Rocinha. 

A maior favela do país, com mais de 70 mil habitantes (IBGE), espera que a política pública seja implementada também nas linhas de ônibus que atendem o morro. 

As passagens de ônibus (R$4,70) e metrô (R$7,90) do Rio de Janeiro são consideradas uma das mais caras, com o metrô tendo a tarifa mais alta do país. Diariamente, a população da Rocinha usa as linhas 538 e 539 para chegar à outros bairros da cidade. Assim como Maria, vários moradores arcam com o valor de duas passagens de transporte público para chegar ao destino final. 

Segundo levantamento do Mobilize Brasil, o custo com transporte diário de ônibus compromete   12,11% da renda mensal do brasileiro. No Rio de Janeiro, em média, a população gasta R$282 com transporte público, que equivale a 8,33% do salário mínimo no valor de  R$1.518. Considerando o salário mínimo, o número sobe para 18,57%, aproximadamente R$280.

Para o segurança Léo Oliveira, de 43 anos, morador da localidade Rua 1, a gratuidade no sistema dos ônibus beneficiaria a população da Rocinha, especialmente moradores como ele que moram na parte alta do morro. Ele relata que a maioria dos moradores precisam pegar ônibus para acessar locais com serviços de saúde, educação, lazer ou cultura.

“Tarifa zero seria um facilitador para nós. Eu torro em média R$290 por mês para ir da Rocinha até Copacabana. Se tivesse gratuidade, me ajudaria a economizar dinheiro para comprar cesta básica Muitas pessoas não saem de casa porque não tem condições de pagar a própria passagem ou a dos filhos para ir à lugares como a praia.”

E opina: “Se um dia tiver [tarifa zero], acho que os moradores vão poder andar mais dentro e fora da favela, gastar com outras prioridades e fazer a roda da economia local girar”.

Apesar de ser a favor da tarifa zero, o segurança também questiona se o poder público conseguiria arcar com o sistema de gratuidade. “Não sei se a Prefeitura do Rio vai ter ônibus para transportar todo mundo com dignidade. Vale lembrar que hoje na Rocinha só circulam micro-ônibus.” 

Luta de décadas

A luta pela Tarifa Zero e pelo direito ao transporte é histórica. A política foi proposta em 1990 pela prefeita Luiza Erundina (PT) em São Paulo, mas só foi implementada pela primeira vez em 1992, na cidade de Conchas (SP). Em junho de 2013, grandes protestos liderados pelo Movimento Passe Livre (MPL) pressionaram o governo, resultando na Emenda Constitucional 90, que elevou o transporte à categoria de direito social no Artigo 6º da Constituição.

Organizações da sociedade civil (como Casa Fluminense e Narra) e lideranças territoriais realizaram em setembro um mutirão em cinco municípios: Itaboraí, Nilópolis, Nova Iguaçu, Rio de Janeiro e São Gonçalo, em defesa da tarifa zero e de ônibus de qualidade. Atualmente, o Rio é o estado com maior proporção de cidades com tarifa zero no país, garantindo mobilidade gratuita para mais de 1 milhão de pessoas. 

A tarifa zero significa um “acesso democrático à cidade”, permitindo que as pessoas circulem e acessem equipamentos públicos, explica a pesquisadora Daniela Brandt (Uerj), que critica o serviço público mediado pela tarifa. Para ela, o financiamento e a equidade são os maiores desafios, sendo fundamental considerar os “atravessamentos de classes” e o combate aos preconceitos de “classe, raça e gênero” na implementação da tarifa zero.

Ela explica que a densidade populacional da Rocinha, combinada à tarifa zero, pode impulsionar o comércio. “As pessoas não precisam mais sair do seu município para consumir”, afirma, citando que representantes de outras cidades já relatam crescimento, o que “automaticamente vai atrair desenvolvimento” local.

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