Após 28 anos, Via Sacra da Rocinha não será encenada por causa do coronavírus

A direção da peça decidiu seguir a recomendação do Ministério da Saúde, evitando assim aglomeração de pessoas.
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Nem por tiroteio, nem por fortes chuvas. Somente a pandemia de coronavírus conseguiu cancelar a tradicional Via Sacra da Rocinha pela primeira vez em 28 anos. A direção da peça decidiu seguir a recomendação do Ministério da Saúde, evitando assim aglomeração de pessoas.

Em 2020, o tema abordado pela peça seria a educação. Os atores estavam se preparando para um texto que contaria a importância do domínio das narrativas de comunicação e formas de como o conhecimento pode chegar a população em geral, onde a pessoa não seja apenas um espectador, mas possa construir sua própria narrativa. 

“O tema se refere a importância que isso tem para o país. A gente acredita que as transformações que o Brasil precisa passa diretamente pela educação, que é o maior investimento ao invés de ser um gasto comum. Em qualquer país no mundo tido como investimento, os frutos da educação são colhidos a curto e médio prazo”, explica Robson Melo, diretor da Via Sacra da Rocinha.

A atração religiosa atrai milhares de moradores todos os anos para as ruas da Rocinha em um percurso de 3km, na qual 30 a 40 atores se misturam com o público. Durante três horas da Sexta-feira da Paixão, as ruas da Rocinha são completamente fechadas para acompanhar o trajeto da Via Sacra pelo morro, saindo do Largo do Boiadeiro e seguindo até a Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem. Ao todo, serão 22 cenas que cobrem do batismo de Jesus até a sua ressurreição. Nos últimos anos, o espetáculo parou de subir a favela por falta de apoio financeiro.

Todos os anos o espetáculo atrai uma multidão para acompanhar 22 cenas sobre a vida de Jesus. Foto: Ratão Diniz

Este ano, cerca de 30 moradores, entre atores e produtores, estavam se preparando para atuar na encenação. Os ensaios foram paralisados em março deste ano quando o governo do Estado decretou situação de emergência por conta do risco de proliferação do coronavírus. 

Após o pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro, o movimento de moradores e a reabertura de parte do comércio dava a sensação de que a vida estava tentando voltar ao normal. Mas novos decretos estaduais e municipais estenderam a quarentena por mais um mês. Nesse meio tempo, a coordenação da Via Sacra da Rocinha se reuniu, seguindo os cuidados exigidos para pequenas aglomerações. “Decidimos manter a [via sacra com] grande possibilidade de adiar, de fazer em junho, uma coisa nesse sentido. As novas notícias não eram favoráveis até que foi chegando em nossas consciências de que não seria possível realizar com as novas medidas tomadas pelas autoridades de saúde pública. A decisão [de cancelar a peça] foi tomada pela própria circunstância do momento delicado vivido na favela”, lembra Robson Melo.

A Via Sacra da Rocinha é um patrimônio cultural imaterial da cidade. Não é a primeira vez que os produtores da Via Sacra da Rocinha precisaram tomar decisões importantes sobre a realização do evento.

Por exemplo, em 2004, uma guerra armada entre grupos rivais provocou a morte de quatro pessoas e deixou seis feridos um dia antes do espetáculo ser realizado. “Nós estávamos fazendo um ensaio geral na rua e usávamos réplicas de armas de fogos com roupas específicas e isso assustou os moradores que começaram a correr assustados com a movimentação. Só realizamos a via sacra uma ou duas semanas depois quando o morro deu uma tranquilizada”, lembra Robson Melo. Mesmo com a violência, milhares de moradores marcaram presença na procissão.

Perguntado se em 2021 o tema pode ser coronavírus, o diretor da peça, Robson Melo, se esquivou da resposta. “Não sei. Não sei. No tema da educação, a gente pode muito bem trabalhar dentro dele com subtemas. O não investimento em educação faz com que as pessoas não tenham tanta consciência de como é importante ficar em casa nesse momento. Aqui mora uma classe trabalhadora muito grande e muitas delas precisam sair de casa para irem trabalhar. Mas tem muita gente que não está levando a sério e não tem consciência da pandemia. Isso é um reflexo da falta de educação”, conclui.

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