Você sabia que o pobre paga mais imposto? Justiça tributária é o caminho para equilibrar cobrança

Senado aprovou o fim do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$5 mil por mês. Também reduziu a contribuição de quem ganha até R$7.350 mensais

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No Brasil, quem ganha menos paga mais imposto. Enquanto os trabalhadores destinam quase metade da renda ao pagamento de tributos embutidos, isto é, o chamado imposto “por dentro” ou indireto em produtos e serviços. Os super-ricos – que concentram 63% da riqueza nacional – contribuem com menos da metade.

Este contraste expõe o desafio da chamada justiça tributária, princípio que busca equilibrar a cobrança de impostos de acordo com a renda: quem tem mais paga mais para o funcionamento do país, e quem tem menos paga menos. 

No início do mês, o Senado aprovou o fim do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$5 mil por mês. Também reduziu a contribuição de quem ganha até R$7.350 mensais. Agora, o texto segue para sanção presidencial.

Senado aprovou o fim do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$5 mil por mês

A medida, que ainda deverá ser aprovada pelo Senado Federal, propõe também uma cobrança adicional para quem ganha acima de R$600 mil por ano: grupo que representa uma parcela minúscula da população e concentra a maior parte da riqueza do país. Ou seja, o Projeto de Lei 1087/2 tem como um de seus objetivos reduzir a desigualdade social no Brasil. 

Mestre em Economia pela Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL), Arlindo Neto explica a funcionalidade da justiça tributária: “Na prática, justiça tributária significa cobrar impostos de forma proporcional à renda de cada pessoa. É a ideia de que quem tem mais deve contribuir mais para o funcionamento do Estado, enquanto quem tem menos paga menos. O objetivo é criar um sistema equilibrado e justo, em que o peso dos impostos não recaia de forma desigual sobre os mais pobres”. 

Por que o pobre paga mais?

Ele explica que, proporcionalmente, o pobre entrega ao Estado uma parcela maior de sua renda, pois como quase toda a renda é gasta em produto, bens e serviços, o trabalhador acaba pagando mais, mesmo sem perceber. Já o rico gasta uma parte pequena de sua renda no consumo, o que o torna menos afetado pela cobrança de impostos”, exemplifica o economista Neto. Não entendeu? A gente explica de novo!

Funciona assim: o trabalhador, o povo, gasta quase metade do que ganha para pagar os impostos que já estão escondidos no preço de tudo o que compra, como comida e serviços. Sabe aquele iogurte que você compra para o seu filho? Tem imposto escondido ali! Sabe a camisa que você comprou lá no shopping e até na lojinha da Via Ápia? Tem imposto embutido ali! O saco de cimento que você comprou para bater a laje? Também tem imposto indireto no preço final. 

Dúvida? Na próxima vez que você for ao supermercado, confira o seu cupom fiscal. Lá você vai achar a informação de quanto pagou de imposto indireto na soma total do valor da sua compra. O economista Neto explica que isso acontece porque cerca da metade de toda a arrecadação do país vem de tributos sobre consumo: ICMS, IPI, PIS e COFINS. 

Esses impostos são iguais para todos, isto é, quem ganha um salário mínimo e quem ganha dez vezes mais paga a mesma taxa ao comprar um pacote de feijão. 

“A diferença é o impacto”, ressalta o economista. E acrescenta: “Para o trabalhador, aquele imposto representa uma fatia grande do orçamento; para o mais rico, é quase imperceptível. É esse modelo que aprofunda a desigualdade tributária no país.”

Você sabia que o pobre paga mais imposto? Justiça tributária é o caminho para equilibrar cobrança

Privilégios dos super-ricos brasileiros

O Brasil está entre os países mais desiguais do mundo, e o jeito que o país cobra impostos é um dos motivos. Segundo o relatório da Oxfam, 63% de toda a riqueza brasileira está concentrada nas mãos de apenas 1% da população. 

“Esse grupo paga, em média, 20,6% de sua renda em impostos, enquanto a classe média e os mais pobres pagam cerca de 42,5%. Além disso, os 50% mais pobres da população detêm apenas 2% do patrimônio total do país”, exemplifica Neto.

O economista comenta, ainda, que nos Estados Unidos, quem ganha o equivalente a 1 milhão de dólares por ano paga 36% de impostos, quase o dobro do que paga um brasileiro super-rico. “O Brasil segue um caminho diferente, mantendo uma alíquota máxima bem menor para a renda (apenas 27,5%) e, em vez disso, concentra a maior parte da cobrança de impostos no consumo, ou seja, nos produtos e serviços que compramos no dia a dia.”

“O Brasil prevê um imposto sobre grandes fortunas desde 1988, mas ele nunca saiu do papel. Já os lucros e dividendos (valores distribuídos a acionistas) não são tributados, o que é uma exceção mundial. Cobrar mais de quem tem mais renda e patrimônio é uma das formas mais diretas de promover justiça tributária”, afirma.

Calculadora da Justiça

A Calculadora da Justiça é uma ferramenta online que mostra, de forma simples e personalizada, como a proposta de Reforma do Imposto de Renda (PL 1087/2025) pode afetar o bolso de cada pessoa. Sem exigir login e nem coletar dados, o usuário insere informações básicas de renda e vê quanto poderia economizar ou pagar a mais com a nova tabela. 

Criada pelo Instituto Lamparina, Made/FEA-USP, Sleeping Giants Brasil e Teia de Criadores, a calculadora busca tornar o debate sobre justiça tributária mais acessível, mostrando na prática como a reforma pode reduzir desigualdades ao cobrar mais dos super-ricos e aliviar a carga sobre a maioria da população.

Link para criação do QR CODE: https://www.calculadoradajustica.com.br/ 

Você já ouviu falar sobre justiça tributária?

O Fala Roça deu um rolé no morro para saber o que os becos e vielas da Rocinha sabem sobre justiça tributária. Confira o que as vozes do chão da favela acham?

“Tudo que a gente compra tem impostos. Eu acho que a igualdade [tributária] tem que ser para todos. Principalmente para o pobre. As pessoas de baixa renda nem deveriam pagar impostos, porque a gente mora em um lugar precário. Aqui não tem o que tem no asfalto, como saneamento básico e outras políticas públicas. A isenção do imposto de renda para pessoas que ganham até R$ 5 mil é uma ótima ideia, porque é um dinheiro a mais para economizar e ajudar dentro de casa.”, Luciana Lopes, de 63 anos, estudante de pedagogia e moradora da localidade Rua 2.

“Sim, é um tema que ultimamente está em alta né. Mas geralmente, eu não ouvia falar sobre. Não acho nem um pouco justo quem é pobre acabar pagando mais impostos do que o rico. Geralmente, eles ganham o lucro em cima de tudo e a gente acaba ganhando só a parte do nosso trabalho feito. Como é que a gente vai pagar em consumo o mesmo valor que eles ganham mais? É desproporcional. Eles ganham o que a gente não ganha”, Eduardo de Farias, 20 anos, morador da Cachopa, trabalha com venda de doces na confeitaria junto da irmã, na Via Ápia.

“Acho que a tributação dos impostos tem que diminuir porque todos os produtos que compramos estão caros. Mal conseguimos nos manter com um salário mínimo. É melhor diminuir [os impostos] ou taxar os super ricos, porque eles tem muito [dinheiro] e poderiam ajudar a gente que não tem tanto. Quem ganha até R$5 mil vai juntar mais dinheiro e ajudar nas despesas [de casa], porque esse dinheiro quase não dá pra nada hoje em dia”, Marina Jesus da Silva, de 87 anos, dona de casa e moradora da Rua 4.

“O salário mínimo é o mínimo, a pessoa tinha que ganhar realmente mais. Uma pessoa para ter condições de viver nessa idade que a gente vive com R$1.500, não sobrevive. Precisa de alimentação, aluguel, saúde… pra bancar com R$1.500, não em condições.  Eu acho que tem que aumentar mesmo os impostos das pessoas que têm lucros exorbitantes, os donos de empresas. Têm lucros de milhões. Muitos aqui podem se matar de trabalhar e não ganhariam isso”, Vinicius Rangel, 27 anos, acompanhante, morador da Rua 1.

“É muito interessante pensarmos em justiça tributária, porque tem pessoas que recebem pouco ou vivem apenas com um salário mínimo e acabam não tendo uma qualidade de vida boa, justamente por ganhar o mínimo e pagar muitos impostos. Tem gente que vive na linha da pobreza, enquanto tem pessoas que andam com blusa de R$7 mil. Se taxar eles para ajudar essas pessoas, sem corrupção e lavagem de dinheiro, é mais que justo”, Ana Gabriele Silva, 37 anos, moradora da Rua 2, faxineira e estudante. 

“Eu aumentaria imposto para quem é rico, quanto mais lucro maior os impostos, e diminuir pro povo, né? Os ricos aqui pagam a menor taxa do mundo, que é de 27,5%. Aí o pessoal fala assim: ‘Ah, os ricos vão sair do país’. Não vão. Porque aqui eles ainda vão pagar muito pouco, né? Inglaterra é 50% Estados Unidos 37%! A gente, enquanto pobre, tem que ter consciência de que eles vão pagar o justo e, ainda assim, não é justo, se você pensar na justiça tributária que é mundial”, Michelle Rocha Gonçalves, 47 anos, Atalho. Mobilizadora Social pelo PISTA.

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