Malu Vibe, a grafiteira que embeleza e fortalece a história da Rocinha

A produtora cultural e capoeirista transforma os becos da favela em galerias ao ar livre e ocupa até as vielas onde o ‘céu’ é um emaranhado de fios

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Nos becos da Rocinha, enquanto moradores sobem e descem apressados pelo labirinto de vielas, um desenho colorido atrai os olhares de quem passa. É obra de Maria Luiza Lima, conhecida como Malu Vibe, uma artista de 29 anos que transforma paredes desgastadas em telas vibrantes. Pelas mãos dela, o grafite se mistura ao cotidiano da favela, dando vida nova a lugares antes esquecidos e cinzentos.

A capoeirista e cria da favela percebeu, ao embelezar os muros do morro, o acolhimento e o respeito que conquistava com a arte. “A Rocinha me fez artista”, afirma com orgulho  Malu. Com cabelos crespos volumosos e um estilo que exalta a negritude, ela destaca a importância de se manter sempre conectada com as pessoas e atividades que potencializam a sua criatividade. “Sempre me coloquei à disposição da arte”, garante.

O grafite faz parte dos cinco elementos da cultura do  hip-hop (grafite, break dance, MC, DJ e o conhecimento), foi reconhecido em 2024 como manifestação cultural do Brasil. As artes de Malu se conectam com o chamado “quinto elemento” do hip-hop: o conhecimento. Para ela, cada mural é uma oportunidade de narrar histórias, preservar a memória e fortalecer a identidade local da Rocinha.

O interesse por desenhar  surgiu ainda na infância, influenciado pela mãe: “A gente só tinha a televisão, o caderno e o lápis como entretenimento em casa.  Minha mãe foi a pessoa que despertou isso em mim e nos meus irmãos, porque ela tinha aquele olhar [de interesse] e falava ‘caraca, que legal!’, quando a gente mostrava [os desenhos] para ela”, lembra. 

Criada no Pocinho da Rua 2, dividindo uma kitnet com a mãe, Antônia Lima, e os nove irmãos, Malu viveu uma infância marcada pela coletividade, mas também pela vulnerabilidade social. “Eu nasci dentro de casa, aqui na Rocinha e, a primeira mão que me tocou, foi a de uma mulher negra”, conta ao se recordar que  foi trazida ao mundo através das mãos de Maria da Paz Lima, sua tia Paizinha.

Apesar do desejo de ser jornalista, inspirada por Glória Maria, Malu precisou trilhar outros caminhos. Precisou trabalhar desde muito jovem aos 15 anos. Foi atendente de  lanchonetes, operadora de telemarketing, babá e até jovem aprendiz. Porém, foi na arte de rua que encontrou seu verdadeiro espaço de expressão. 

O artista tem o poder da comunicação. Falar da Rocinha, resgatar sua história e homenagear quem construiu a favela é falar de mim”, afirma.

Ela busca desenvolver o próprio projeto social na favela, chamado Spray Cultura, dedicado à realização de mutirões de grafite e oficinas para adolescentes. Para viabilizar a iniciativa, ela pretende captar recursos por meio de leis de incentivo ao grafite. “Eu sempre volto, essa favela tem alguma coisa que me puxa”, comenta Malu entre risos.

Mutirão de grafite com 20 artistas na Vila Verde em celebração ao aniversário de Malu. Fotografia_ Nestor Rigor

Filha de projeto social

Como muitas crianças e adolescentes da favela, Malu encontrou nos projetos sociais um caminho para se desenvolver em diferentes locais do Rio de Janeiro. Foi através da Rede Nami, uma rede de mulheres que usa as artes para promover os nossos direitos que, em 2017,  ela iniciou a carreira no grafite, no Catete. O projeto foi um divisor de águas na vida da artista.

Malu criou laços com outras mulheres da cena do grafite e passou a participar de mutirões artísticos em favelas. “Fui entendendo a questão social em que o grafite está inserido. A gente fala das nossas dores, mas principalmente das nossas virtudes”, ressalta.

Além da Rede Nami, a artista integrou o projeto Spray Vida, onde aprimorou a técnica e recebeu materiais para as intervenções na Rocinha. A partir dessas experiências, Malu passou a organizar os próprios mutirões de grafite, mesmo sem recursos. “Chamei umas amigas [grafiteiras] e falei: vamos pintar o beco lá de casa. Esse foi meu chá de panela, pintar o muro do beco”, relembra.

Hoje, ela tem murais na Vila Verde, na Paula Brito, nos becos da Rua 1, na pracinha dos prédios do PAC e na Linha da Morte.

Vivendo da arte e os desafios da desvalorização

“Se manter como artista no Brasil exige muita persistência”, confessa Malu. A falta  de reconhecimento da arte de rua e  os altos custos de preparar o muro, comprar  equipamentos e tintas, são desafios constantes. “A gente fica no sol pintando… do dia à noite. Nem sempre alguém se preocupa se você comeu ou tem água gelada”, desabafa.

A artista já pintou passarelas da Avenida Brasil, murais de empresas, residências e unidades  de saúde, como o CAPSI Mauricio de Souza. Atualmente, vive exclusivamente da arte e não se imagina fazendo outra coisa. 

Entre suas obras mais significativas, destaca-se a pintura dentro da casa de um morador da Rocinha, retratando figuras históricas como Rosa Parks, Martin Luther King, Malcolm X, Nelson Mandela e Mahatma Gandhi. Essa experiência lhe trouxe um vínculo especial com José Carlos de Oliveira, o “Zé”. “Ali ganhei um amigo, um pai e amparo”, conta.

Zé, fisioterapeuta e morador da favela há 74 anos, ressalta que escolheu Malu por acreditar na excelência dos profissionais da Rocinha. ”É uma pessoa que é daqui, da raiz, que está batalhando e crescendo. Acho fundamental que apareçam mais e mais ‘maluzinhas’ por aí pra gente enaltecer isso”, explica.

Malu Vibe ao lado de Zé Carlos, morador que exibe com orgulho a obra de Malu em sua sala. Fotografia: Daniel Grehs

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