
Praças da Rocinha viram retrato do descaso com o lazer
Nove praças mapeadas pela prefeitura estão em condições precárias e moradores cobram melhorias nos espaços de convívio da Rocinha
No Portão Vermelho, marcas de giz desenham uma amarelinha no chão. São traços da presença de crianças no que resta de uma praça que um dia teve estrutura. Na Praça da UPA, na Curva do S, o cenário também é de abandono: ali ainda se vêem vestígios de brinquedos. Todos enferrujados e quebrados, desgastados pelo tempo.
Esses dois exemplos retratam a realidade das poucas áreas de lazer existentes na Rocinha: espaços que deveriam ser seguros e acolhedores para a convivência comunitária, sofrem com o abandono do poder público. Mesmo assim, moradores seguem ocupando esses locais com projetos culturais, ações e atividades de lazer empreendedoras.
“Poderiam colocar uns brinquedos para as crianças, fazer uma reforma pra ficar ‘top’, porque aqui não tem brinquedos gratuitos. As crianças estão usando brinquedos pagos e algumas não brincam por falta de dinheiro”, afirma Robert Fernandes, 34 anos, morador da Vila Verde e pai de uma criança de seis anos.
A precariedade das praças é evidente a olho nu em bancos quebrados, lixo espalhado e animais soltos. “Está tudo abandonado, inacessível para as crianças. Tem locais com focos de mosquito transmissor da dengue, areia com fezes de cachorro e brinquedos com ferro exposto”, relata Tainá Ferreira, 29 anos, moradora da Roupa Suja.
Educadora em uma escola na Rocinha, Tainá acompanha a indignação dos alunos no dia a dia.“As crianças do quarto ano fizeram um abaixo-assinado para pedir a volta da Pracinha da UPA, que fica bem ao lado da escola”. Ela também critica a lógica desigual dos investimentos públicos.
“Se o lazer for para a pessoa de fora curtir aqui dentro, a Rocinha é escutada, mas quando é para os próprios moradores, tudo é deixado de lado.”
Segundo a Prefeitura, há nove praças oficialmente registradas no território. No entanto, apenas uma conta com brinquedos como balanço, gangorra e escorrega e dois deles estão quebrados. Sem manutenção, qualquer estrutura está condenada ao desgaste.
A Comlurb, responsável pela manutenção, afirma ter realizado uma ação de revitalização dos espaços de lazer em 2024, mas não especificou exatamente onde nem quando. A companhia informou que enviará uma equipe para avaliar as condições atuais e programar serviços de sua atribuição.

Espaços que vão além do brincar
Para Jacira Saavedra, arquiteta e urbanista com 29 anos de experiência e atuação em projetos de urbanização em mais de 15 favelas do Rio, as praças têm um papel social mais amplo do que apenas o lazer infantil.
“A praça tem um papel fundamental: é lugar de encontro, descanso e convivência. Onde as pessoas deixam de ser estranhas, passam a reconhecer e respeitar o vizinho. Em lugares como a Rocinha, com pouco acesso a áreas verdes, a praça se torna ainda mais essencial”, explica.
Ela também destaca os impactos diretos na saúde e bem-estar: “Uma praça mal cuidada vira um vazio urbano, que não acolhe. Já uma praça viva, confortável e atrativa transforma a qualidade de vida. Especialmente em casas pequenas, com pouca ventilação e luz solar, realidade comum na Rocinha.”
A ausência de políticas públicas consistentes escancara o quanto o direito ao lazer nas favelas é negligenciado.
As intervenções precisam considerar as dinâmicas que já acontecem nesses locais, pontos de encontro, cultura e geração de renda. Hoje, muitos moradores cuidam das praças por conta própria. Promovem brechós, instalam brinquedos como pula-pula e infláveis, e oferecem oficinas de capoeira ou cursos. Mas isso não substitui o papel do poder público.

Gestão reconhece falhas e promete melhorias
Marcelo Santos, conhecido como Marcelinho do Ciep, é o Gerente Executivo Local no território. Aos 41 anos, morador da Rua 1, ele atua como ponte entre a favela e a prefeitura, buscando soluções nas áreas de lazer, saúde e mobilidade.
O gerente local reconhece os desafios: “As praças não têm sido revitalizadas há muito tempo. Estamos há apenas três meses na gestão e já estamos correndo atrás disso.”
Ele afirma que, após a visita do prefeito Eduardo Paes no ano passado, uma obra de revitalização está em fase de planejamento para o conjunto habitacional, onde fica uma das praças mais utilizadas da Rocinha.
“A Praça dos Prédios do PAC é muito usada, principalmente à noite, pelas crianças. Foi lançada uma obra de 5,2 milhões de reais para revitalizar todo o espaço dos prédios. Estamos aguardando a liberação da verba”, argumenta.
Marcelinho também reforça a importância do cuidado coletivo: “A prioridade é incentivar o morador a não depredar o espaço público. O espaço é nosso, e temos que preservar.”

Você pode cobrar seus direitos!
Sabia que é possível denunciar a falta de manutenção em praças, parquinhos e outros espaços públicos? Basta ligar para o 1746 ou acessar o site, ou app do canal. Lá você pode registrar reclamações sobre lazer, transporte, limpeza urbana e muito mais.
Essa reportagem faz parte da versão impressa do Fala Roça, patrocinada pelo MetrôRio por meio da Lei de Incentivo à Cultura (ISS), da Prefeitura do Rio e da Secretaria Municipal de Cultura.