Como a música impacta a vida de crianças e adolescentes na Rocinha

Com cerca de 400 alunos, a Escola de Música da Rocinha oferece aulas em mais de 10 modalidades, como violão, harpa, cavaquinho e muito mais

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O estudo da música vai muito além do aprendizado de teoria e técnica. A prática desenvolve a criatividade e melhora a expressão emocional. Para crianças e adolescentes, esses benefícios se apresentam de maneira ainda mais evidente. Na Rocinha, há algumas organizações sem fins lucrativos que facilitam o acesso  dos moradores à cultura. A Escola de Música da Rocinha é um dos projetos tem como objetivo aproximar os jovens da arte e, por meio dela, atingir positivamente outras esferas da vida, como saúde mental, autoconhecimento e vida social.

Com aproximadamente 400 alunos em mais de 10 modalidades de cursos, a escola de música conta com aulas que vão do ensino do violão até a harpa, e nove grupos artísticos. Desde 2022, o  coro LGBTQIAPN+ e o Núcleo de Acessibilidade e Inclusão, são exemplos de ações voltadas à promoção de um ambiente acolhedor, onde todos possam aprender música. 

Além disso, a escola também oferece acompanhamento psicológico e assistência social para alunos e responsáveis que demonstram interesse ou necessidade, mediante uma fila de espera flexível.

A psicóloga Shirley Almeida, formada pelo Centro Universitário Celso Lisboa, iniciou seu trabalho na instituição durante a pandemia, com atendimentos online. Segundo ela, os casos mais recorrentes para atendimento psicológico entre os jovens são: dificuldades de socialização, hiperatividade, conflitos domésticos, depressão, e variados graus de autismo. Ela conta que, geralmente, são os alunos que a procuram, ou são encaminhados pela assistência social da escola. 

No atendimento, ela observa e acompanha o papel terapêutico que a música exerce. “Além de desenvolver coordenação motora e habilidades auditivas, a música é uma forma de expressão que ajuda a criança a lidar com as emoções e desenvolver autoestima. Vai além do artístico, ela desenvolve integralmente a pessoa, inclusive, a parte acadêmica. Isso porque sua prática estimula uma área do cérebro que a gente não costuma utilizar no dia a dia ”, afirma Shirley.

Infância com melhores resultados

O aluno Kauã dos Santos, de 12 anos,  por exemplo, entrou na escola de música por encaminhamento da assistente social Marluce Brandão. O menino enfrentava problemas na escola e em casa, com brigas recorrentes e baixo desempenho escolar. A mãe, Michelle dos Santos, conta que o comportamento do menino melhorou significativamente já nos três primeiros meses de estudo de música. Kauã faz aulas de violão, cavaquinho e percussão durante a semana, após o horário escolar. 

À direita, Kauã, ao lado de sua mãe, Michelle, com
o neto no colo Foto: Maria Clara e Victoria

“Ele matava muita aula, se envolvia em brigas na escola… aí eu levei ele para o Conselho Tutelar, que encaixou ele aqui (Escola de Música da Rocinha). O resultado dele está sendo bem maravilhoso, o comportamento em casa melhorou, está mais responsável com horário. É bom também que ele consegue levar o cavaquinho para casa para praticar, a escola empresta”, explica Michelle. 

Assim como Michelle, outras mães se emocionam com o desenvolvimento dos filhos durante o processo de aprendizagem. Thaís Borges, mãe de Sophia e Maria de Fátima Feitosa, mãe de Luís Gustavo, ambos de 10 anos, falam sobre a evolução observada nas crianças. Os dois eram muito tímidos e apresentaram melhora na socialização a partir das aulas de música. Elas  ainda destacam  o suporte oferecido, não só aos alunos, mas também aos responsáveis. Thaís e Maria apoiam, inclusive, uma possível carreira musical para os pequenos.

Vida Afinada

Mães solo costumam marcar presença na sala da assistente social da escola de música, Marluce Brandão, formada pela PUC-Rio em serviço social. Para ela, os desafios enfrentados em casa podem afetar o autocuidado dessas mulheres, que muitas vezes direcionam todo o  tempo delas aos filhos. Por isso, Marluce defende a necessidade de um atendimento direcionado aos responsáveis. No caso de crianças neurotípicas, a jornada pode ser ainda mais complexa.

De acordo com o professor de trombone Luis Cláudio Soares, a música exerce um papel transformador na vida de quem a pratica e consome. Em 30 anos de experiência, ele já presenciou casos que evidenciam esse efeito. Soares  destaca uma história de quando trabalhava em outro projeto social, que organizava apresentações em leitos de hospitais, com o objetivo de animar os pacientes.

“Em uma visita que fiz, tinha uma pessoa em coma há mais de seis meses e os médicos não tinham esperança de qualquer reação. Mesmo assim, insistimos em tocar músicas animadas para ela. De repente, os sinais vitais aceleraram, para a surpresa de todos”, relata. 

Além da função terapêutica, a música pode ajudar a traçar caminhos inesperados. Segundo a coordenadora da Escola de Música da Rocinha,  Natália Simonete, não é raro alunos despertarem interesse em uma carreira na área musical, e até na própria instituição.

Um exemplo dessa influência é a produtora da Escola de Música da Rocinha, Joelma Silva, que iniciou a trajetória como aluna, aos 12 anos. Apesar desse interesse, a coordenadora destaca que, o foco principal desse ensino não é formar músicos, mas sim cidadãos e pessoas que tenham uma relação mais estreita com a educação em qualquer área.

*Esta matéria é fruto da parceria entre a disciplina de Extensão em Jornalismo e Cidadania, do curso de Comunicação da PUC-Rio, ministrada pela professora Lilian Saback, e o jornal Fala Roça. A colaboração, iniciada em 2022, busca promover uma formação jornalística mais humana, que desafie estereótipos e repense as narrativas sobre a favela.

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