“Hoje, minha ‘amiga’ é a dor”, desabafa moradora que vive com fibromialgia

Entenda os desafios de viver com doença autoimune na favela; pacientes têm direito à carteira de identificação da pessoas com fibromialgia

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Viver com a dor. Ou, muitas vezes, deixar de viver por causa dela. Essa é a experiência de quem convive com fibromialgia. Você já ouviu falar? Trata-se de uma doença crônica que provoca dores musculares generalizadas em todo o corpo, além de outros 100 sintomas, como cansaço, falhas de memória, problemas de sono, ansiedade e depressão.

A fibromialgia é reconhecida como uma deficiência invisível. Não é imaginação. Recentemente, o presidente Lula sancionou a Lei 15.176, que cria um programa nacional para orientar as ações do Sistema Único de Saúde no atendimento de pessoas com a doença. Mas até a sanção da lei foi uma longa caminhada de luta por direitos básicos.

“A primeira vez que comecei a sentir os sintomas, achei que fosse morrer. Era uma dor tão intensa que caí de joelhos no chão. Veio como uma pontada. A sensação era que tinham enfiado uma faca ou me pregado viva na parede martelando um prego nas minhas costas. Sinceramente, até hoje não sei definir bem a intensidade da dor. Até ser diagnosticada com fibromialgia, enfrentei uma jornada de dor intensa, vergonha e maus-tratos. Certa vez, no Hospital Getúlio Vargas, quando expliquei ao médico que doía até para respirar, ele respondeu: ‘Então não respira’, enquanto passava dipirona. É por isso que a sanção da lei agora é tão importante. Não é psicológico”, afirma Tatiana Lima, coordenadora de jornalismo do Fala Roça, que convive há 20 anos com a doença.

Impacto na vida dos moradores

De acordo com a Sociedade Brasileira de Reumatologia, de cada dez pessoas com fibromialgia, sete são mulheres. A dor nas articulações é uma das principais características da doença. Tarefas cotidianas como arrumar a casa, correr ou até mesmo andar rápido tornam-se grandes desafios. A fibromialgia está relacionada ao funcionamento do sistema nervoso central e ao mecanismo de supressão da dor. Na Rocinha, a geografia marcada por ladeiras íngremes e degraus desregulados dificulta ainda mais a vida de quem sofre com a condição.

Fernanda dos Santos, 48 anos, moradora da Rua 1, uma das áreas mais altas da Rocinha, recebeu o diagnóstico de fibromialgia há dez anos. Desde então, sua vida se transformou. O hábito de correr na praia e o gosto por trilhas foram interrompidos pela dor. Hoje, ela sente dor quase todos os dias.

“Eu não sabia o que era direito. Não sabia que ela iria permanecer para sempre na minha vida. Mesmo quando eu lia, eu não entendia muito. Quando comecei a sentir as dores com frequência, percebi que tudo era real. Na teoria, quando você lê ou ouve, pensa: ‘Tudo bem, é uma coisa difícil’. Mas na prática você entende que é completamente difícil conviver”, relata Fernanda.

Circular pela Rocinha também se tornou um desafio. Atravessar ruas com pressa não é simples e subir em ônibus com degraus altos é ainda mais difícil. Nessas e em outras situações, ela já enfrentou constrangimentos.

“Se eu estivesse de muleta, de cadeira de rodas, sangrando, as pessoas veriam. Mas como a fibromialgia não é uma doença visível, as pessoas não entendem. Muitas vezes questionam ou fazem comentários. Já aconteceu de eu entrar em uma fila de mercado como prioridade e ouvir de uma funcionária: ‘Aqui é só para deficientes e idosos’. Eu disse: ‘Eu sou PCD’. Ela pediu desculpas. São essas situações que a gente enfrenta. Muitos ao redor não acreditam na dor. Acham que é preguiça ou mentira”, desabafa.

Pessoas com fibromialgia têm direito ao transporte gratuito, ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) e à aposentadoria por invalidez, entre outros. Fernanda conseguiu a carteirinha de pessoa com deficiência e, com isso, o direito ao transporte gratuito — algo raro. No entanto, obter os medicamentos necessários pela Farmácia Popular foi frustrante. Por ser uma deficiência invisível, ela não conseguiu acessar esse direito. Alguns remédios custam mais de R$100 e ela precisa se desdobrar para comprá-los.

Sem cura

O tratamento da fibromialgia é multidisciplinar e busca aliviar a dor, melhorar a qualidade de vida e reduzir o impacto da doença no dia a dia do paciente. Não existe cura, mas há diferentes abordagens que podem trazer resultados positivos. Além de medicamentos, caminhada regular e hidroginástica são exemplos de atividade físicas que ajudam na mobilidade e na redução das crises. Cada corpo, no entanto, responde de forma diferente.

No caso de Fernanda, os exercícios físicos aumentam a dor. Outras alternativas se mostraram mais eficazes, como a acupuntura, que lhe trouxe alívio. Com muito esforço, ela conseguiu realizar dez sessões pelo SUS. Mas, para uma doença crônica, o ideal seria acompanhamento contínuo.

Fernanda praticava atividades fisicas e colecionava medalhas de maratonas antes do diagnóstico de fibromialgia. Foto: David Souza

“Massagem, acupuntura, tratamento psicológico seriam muito bons para mim. Tudo isso eu busco muito no SUS. Já consegui fazer acupuntura algumas vezes, mas sempre em pacotes de dez sessões. Não é algo contínuo. Eu sei que é uma doença crônica, sem cura, mas como vou tratar com apenas dez sessões? Espero que agora, com a lei, tenhamos uma solução. Quem tem fibromialgia sente dor praticamente todos os dias. O ideal seria ter atendimento semanal, com terapias que aliviam a dor”, descreve Fernanda.

Para ela, falta empatia na convivência com pessoas que têm fibromialgia. Sua trajetória é uma lição de que pensar saúde nas favelas, especialmente no caso das doenças crônicas, deve ser uma prioridade.

Carteira de Fibromialgia, existe?

Sim, no Rio de Janeiro, pacientes com fibromialgia podem solicitar a Carteira de Identificação da Pessoa com Fibromialgia (CIPFIBRO). A carteira é emitida pela Secretaria Municipal de Saúde e a autenticidade pode ser verificada pela assinatura digital no portal gov.br. O documento, instituído pela Lei nº 7.231/2022, facilita o acesso a serviços e atendimento preferencial em diversos locais. A carteira digital estará disponível em até 15 dias. Para emitir, você deve seguir os passos:

1) Acesse o aplicativo minhasaude.rio, disponível na loja de aplicativos do iOS ou Android e faça login.

2) Preencha o formulário, fornecendo: Documento de identificação com foto e número do CPF; Laudo médico com carimbo, assinatura e indicação do código CID-10 M79.7; Comprovante de residência do município do Rio de Janeiro; e foto.

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