Conheça os projetos que oferecem apoio a mães e crianças atípicas na Rocinha

Mães Valentes da Favela, Rocinha Inclusiva e Anjos na Favela acolhem e orientam famílias atípicas da favela 

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Dados do Censo IBGE 2022 mostram que 1,4% da população do município do Rio de Janeiro tem o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Além disso, o Sistema Único de Saúde (SUS) apresenta uma escassez de recursos para pessoas com deficiência, que se intensifica dentro da favela. As dificuldades vão desde o acesso a exames para o diagnóstico de crianças com suspeita de TEA, com altos custos, à educação acessível e tratamentos, com grandes filas de espera. Na contramão, projetos sociais como o Rocinha Inclusiva, Mães Valentes da Favela e o Anjos na Favela dão orientação e auxílio a quem precisa.

O projeto Mães Valentes da Favela surgiu em 2021 para cuidar da saúde mental das mães atípicas da Rocinha. Financiado por um Termo de Fomento do Governo Federal, que possibilitou o funcionamento da organização e o acompanhamento psicológico de 122 mães mensalmente, o projeto passou também a oferecer cursos profissionalizantes para mulheres de 18 anos ou mais. 

Bianca Felix e Grécia Valente criaram projetos para dar suporte a mães atípicas na Rocinha. Foto: Divulgação

Já o Anjos na Favela, criado em 2023, além de oferecer terapia, também disponibiliza a neuropediatria e avaliação neuropsicológica com valores sociais, informando sobre os exames necessários para diagnosticar as crianças e ajudar as mães atípicas a saberem de seus direitos e benefícios. Tanto o Mães Valentes da Favela quanto o Anjos da Favela foram criados por Grécia Valente, de 44 anos. 

Ela conta que, inicialmente, tinha o interesse de criar um projeto chamado Psicólogos na Favela, para atender os moradores da Rocinha, mas o valor da emenda parlamentar recebida era insuficiente. Por essa razão, criou o Mães Valentes com diferentes tipos de terapias direcionadas para mães atípicas gratuitamente. 

Lançado dois anos depois, o Anjos na Favela é um projeto sem o auxílio de emenda, focado nas terapias infantis com um valor social de R$40. Roberta Trindade, de 44 anos, professora de educação infantil, cuida dos projetos ao lado de Grécia Valente desde a pandemia. Para ela, o maior objetivo do projeto é fazer as crianças chegarem à educação infantil já com algum nível de independência. 

Outra iniciativa presente na favela é realizada por Bianca Felix, de 27 anos, que é mãe atípica. Ela fundou o Rocinha Inclusiva, em 2022, para dar suporte às mães. No início, o auxílio era feito por mensagens em redes sociais. A ideia surgiu após mães relatarem às psicólogas do projeto Mães Valentes sobre a necessidade de terapias e a falta de vagas em serviços para elas. O projeto oferece também as terapias para crianças e adolescentes que sofrem com a falta de vagas em serviços.

“As pessoas não têm para onde ir. Elas estão perdidas. Não sabem como conseguir cuidar de seus filhos, como conseguem receber o BPC, o vale social, o benefício do metrô, da barca e do trem. Não sabem o que fazer após receberem o laudo. Elas pensam: ‘o que a gente faz agora?’ Ninguém sabe qual é o próximo passo”, diz Bianca.

Júlia Silva*, de 40 anos, beneficiada pelo Mães Valentes, ressalta como o suporte que recebe das organizações para as terapias do filho – e também para ela – foi essencial para conseguir ter acesso a direitos. “Se não fosse a Grécia, a Betta e o Rocinha Inclusiva, meu filho não teria acesso a isso [às terapias]. Elas ajudam demais! Dão suporte, se preocupam com as mães e com as dificuldades delas, inclusive para buscar esses direitos.”

Para a moradora, as informações que recebe por meio dos projetos fogem do conhecimento geral da população. “A luta é muito grande e não é fácil. O Rocinha Inclusiva ajuda muito a direcionar e resolver as questões”, destaca. 

“Se não fosse o projeto, quem não tem plano de saúde não teria acesso à terapia por causa do valor. Fazer terapia ajuda demais, ser mãe atípica numa comunidade, buscar algo pelo SUS e receber vários ‘nãos’ é muito difícil. Então, ser acolhida por alguém é muito bom.”

Dificuldade de diagnóstico

Outro problema é a falta de diagnóstico de crianças com suspeita de TEA. As mães relatam dificuldades para conseguir realizar os exames necessários para o descobrir as condições dos filhos. No município do Rio de Janeiro, para uma criança ou adolescente poder realizá-los, é necessário ser avaliada em uma unidade de Atenção Primária, como as clínicas da família ou centros municipais de saúde. Se houver indicação para seguir com o processo, ela será encaminhada por meio do Sistema de Regulação (SISREG) para o Centro de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil (CAPSi) ou para o Centro Estadual de Diagnóstico para o Transtorno do Espectro Autista (CEDTEA). 

O CAPSi de Botafogo, por exemplo, que é o mais próximo da região da Rocinha, atende 140 moradores da favela, de acordo com dados da Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Lá, as crianças e adolescentes passam por avaliações e sessões envolvendo a família e o levantamento do histórico para fechar um diagnóstico. Além disso, o CAPSi oferece projetos terapêuticos individualizados para os pacientes, que incluem fonoaudiologia, psicologia, psiquiatria, terapia ocupacional, musicoterapia, nutricionista e pediatria, e também pode oferecer tratamentos e sessões em grupo.

Já o CEDTEA é um centro estadual que tem como foco o diagnóstico, e não o tratamento. O processo no CEDTEA envolve em média doze etapas/sessões com uma equipe multiprofissional composta por neuropediatra, psiquiatra, nutricionista, assistente social, fonoaudiólogo, psicólogo, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e neuropsicólogo e leva de dois a três meses, mas pode variar conforme a disponibilidade da família e da criança e suas necessidades. O atendimento é individualizado para permitir uma investigação aprofundada e, desde a abertura do centro, há pouco mais de um ano, 18 crianças da Rocinha foram atendidas.

Segundo mães atípicas da Rocinha, um dos problemas apresentados na etapa do diagnóstico é a demora e erros do sistema. Elas relatam que precisaram esperar por meses para conseguir o encaminhamento, o que pode levar ao tratamento tardio e adiar o desenvolvimento do paciente. Como consequência, a demora pode acarretar impactos emocionais aos responsáveis, como o sentimento de desamparo relatado por algumas mães que não podem pagar pelos exames e não sabem se devem tomar cuidados específicos com os filhos pela indefinição se a criança tem ou não o TEA, ou até outra condição. 

A ausência de um laudo é outro empecilho que gera dificuldades para as mães. Quando falta um laudo ou em alguns casos específicos o documento é emitido por fonoaudiólogos ou psicólogos, algumas escolas conveniadas para crianças especiais não realizam a matrícula. O laudo também é importante para os casos em que a criança precisa de um mediador. 

Por meio de nota, a Secretaria Municipal de Educação (SME) ressalta que “a necessidade de um mediador exclusivo é determinada por uma avaliação psicopedagógica realizada por profissionais da Educação, com base em um laudo médico”. 

“A definição de quais cuidados deverão ser tomados cabe aos profissionais da escola que, a partir da observação diária, analisam aspectos como comportamento, nível de independência e necessidades específicas da criança”, completa a SME. 

*Julia Silva é o nome fictício de uma mãe atípica que preferiu não ser identificada pela reportagem. 

MÃES VALENTES DA ROCINHA

Travessa Palmas, 3 (transversal da Via Ápia)

Segunda a sexta, 9h às 17h

Instagram: @maesvalentesdafavela

ANJOS NA FAVELA

Travessa Palmas, 3 (transversal da Via Ápia)

Segunda a sexta, 9h às 17h

Instagram: @anjosnafavela

ROCINHA INCLUSIVA

Atendimento virtual

Instagram: @rocinhainclusiva 

Telefone: +55 21 97715-2947

*Esta matéria é fruto da parceria entre a disciplina de Extensão em Jornalismo e Cidadania, do curso de Comunicação da PUC-Rio, ministrada pela professora Lilian Saback, e o jornal Fala Roça. A colaboração, iniciada em 2022, busca promover uma formação jornalística mais humana, que desafie estereótipos e repense as narrativas sobre a favela.

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