Enfermeira percorre a Rocinha para fazer curativos em moradores
Após perder o emprego, a enfermeira e moradora da Rocinha Cristina Alves Balbino, de 29 anos, enxergou um problema vivido por moradores que não estão saindo de casas na pandemia de Covid-19. Ela percorre diferentes localidades da Rocinha para atender gratuitamente chamados de moradores – a maioria idosos e pessoas com deficiência – para fazer curativos e dar banho.
O trabalho voluntário começou depois que uma amiga da enfermeira pediu ajuda para fazer um curativo e dar banho em uma criança cadeirante. Outros pedidos foram surgindo e ela vem conciliando com a rotina de estudante do terceiro período na faculdade de odontologia.
Os chamados chegam através de organizações sociais que atuam no morro. Ela também é diretora do projeto Crianças do Futuro, que oferece aulas de futsal e assistência familiar na parte alta da Rocinha.
Em alguns casos, a enfermeira depende de doação de materiais hospitalares para atender os pacientes, como algodão, luvas, gases. “Tem famílias que eu só vou na casa para conversar porque apresentam quadro depressivo com essa pandemia. Quando eu não vou, eles já ligam perguntando quando voltarei. Algumas têm filhos, netos, mas nem sempre dão atenção”, conta Cristina Alves.
A demanda de pedidos vem crescendo. A expectativa é que mais técnicos de enfermagem se inspirem na iniciativa dela para formar uma equipe no morro. Cristina conta que conforme vai atendendo as pessoas, aparecem pedidos de fraldas geriátricas, caixas de leites e remédios que ajudam a amenizar dores.
“As pessoas pedem doação de fralda porque às vezes a mãe não tem dinheiro para comprar. Semana passada eu fiz uma doação de leite para uma moça que está com tuberculose. Além do atendimento, eu vou entendendo as necessidades desses moradores. Eu percebo alguma coisa e aí já vou pedindo doação a rede de colaboradores”, explica Cristina Alves.
Déborah Pereira, de 23 anos, é atendida pela enfermeira em sua casa, na Rua 4. Embora ela seja acompanhada por um agente comunitário de saúde, Déborah relata que demoram para retornar à casa dela. Vez ou outra a enfermeira voluntária é acionada para dar suporte a ela. “”Me sinto acolhida quando ela me ajuda, é uma pessoa com quem posso contar. Não só eu, mas muitas pessoas que ela ajuda”, conta Déborah que prefere manter privacidade sobre a sua deficiência física.
Tratamentos prejudicados na rede pública
A ação social da enfermeira reflete na desvalorização dos agentes comunitários de saúde (ACS) no Rio de Janeiro. Nos últimos anos, o prefeito do Rio, Marcelo Crivella fez uma série de mudanças que prejudicou os trabalhos de profissionais da saúde no Programa de Estratégia Saúde da Família. Ele reduziu o número de ACS por equipes, cortou verbas de custeio, salários congelados e atrasados, além de prejudicar o fornecimento de medicamentos e insumos.
De acordo com dados da Comissão de Saúde da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, o município possui 1.039 unidades de atenção básica, mais de 150 unidades estão sem médicos. Os ACS que trabalham nas unidades médicas da Rocinha também estão indo nas casas de moradores, entretanto, não fazem curativos nas residências por causa do risco de infecções. Somente pacientes acamados recebem tratamento domiciliar.
Outro ponto que prejudica diretamente os moradores é que muitos profissionais de saúde foram afastados ou não quiseram voltar por conta das condições contratuais oferecidas pela prefeitura.
Segundo o grupo Trabalhadores pelo SUS, as demissões de profissionais vem ocorrendo desde o começo de 2020 quando Crivella decidiu rescindir o contrato com a Organização Social (OS) Viva Rio. “Os pacientes retornam para suas casas sem o atendimento solicitado. Muitas unidades de saúde apresentam-se completamente esvaziadas, pois a população, já cansada dessa rotina, não se endereça mais aos serviços, nem mesmo para a busca de medicação, pois muitos remédios estão em falta. O que o prefeito pretende? Matar pessoas?”, questiona o movimento.
Como ajudar a enfermeira voluntária
As doações podem ser feitas por transferência bancária ou depósito na conta da Caixa Econômica Federal: Agência 1339, Conta Poupança 11337-7 e operação 013. Para doações de materiais ou equipamentos, podem ser tratadas pelo telefone (21) 96679-4543.