Gravidez na Rocinha: mães falam sobre saúde mental e maternidade

Inspirada na sua própria experiência como mãe, Iara Batista se especializou como educadora perinatal e doula e criou o projeto Acolher Periférico para compartilhar informações para com as mulheres leigas das favelas
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Ter uma gravidez na Rocinha é uma tarefa cheia de particularidades. De acordo com o estudo Estado da Mãe do Mundo (Status of Mothers in the World, em inglês) , o Brasil ocupa a 77ª posição no ranking dos melhores países do mundo para a maternidade. Mas não há o que comemorar porque as crianças brasileiras que vivem nas favelas têm três vezes mais chances de morrer do que as de famílias com melhores condições financeiras.

A filha de Iara Batista, de 22 anos, nasceu nos primeiros meses da pandemia de covid-19. A preocupação com a contaminação pelo coronavírus fez com que a mãe não pudesse contar com uma rede de apoio em um primeiro momento. Também conhecida como Hope, ela conta que, na época, morava na parte alta da Rocinha e, além de se precaver com o perigo de contaminação da covid-19, enfrentou a dificuldade de ficar sozinha com um bebê em um vizinhança barulhenta. Além disso, o ar do local estava muito poluído e causava problemas respiratórios tanto para a mãe quanto para o bebê. 

A falta de uma rede de apoio familiar, somada ao apoio emocional e educacional que recebeu durante a gravidez de uma doula voluntária, chamou a atenção de Hope para a importância da profissão.  

“Tive uma doula voluntária, que foi através do projeto Basquete Cruzada. Ela foi meu suporte emocional, me ensinou o que ia acontecer com meu corpo e outras coisas da educação perinatal. Aqui dentro, ninguém fala sobre isso, ninguém sabe disso. As pessoas que sabem são as que têm dinheiro para contratar um.” 

Inspirada em sua própria experiência, a mãe de Kiara se especializou como educadora perinatal e doula e criou o projeto Acolher Periférico para compartilhar informações com mulheres periféricas e leigas. Uma das principais orientações do profissional é a humanização do tratamento médico para mães e bebês em favelas e periferias.

O projeto, em parceria com as unidades de saúde presentes na Rocinha, realiza mensalmente palestras sobre temas relacionados à gravidez e à maternidade como: “O que é violência obstétrica?”, “Quais são meus direitos no parto e puerpério?” e “O que eles podem fazer comigo e com meu bebê?”. 

Segundo Iara Batista, essa informação pode parecer óbvia, mas “nem todo mundo sabe” porque é uma violência sofrida por gerações. Além disso, a doula acredita que é importante que todas as gestantes tenham esse tipo de atendimento às mulheres da rede SUS da Rocinha. Principalmente porque as doulas sabem humanizar o parto.

“Tem muitas grávidas aqui, mas se todas sofrerem violência vão achar normal. Porque as pessoas pensam: ‘Minha mãe me deu à luz assim, então é assim’. Se houvesse doulas de plantão para ajudar, elas não sofreriam violência. Podiam gritar o quanto quisessem, andar de um lado para o outro para ajudar na dilatação, que é normal, o que deveria acontecer, e não sendo eles [sendo obrigados] a ficar calados e quietos no local de sofrimento. Então, eu queria dar essa possibilidade [do parto] para ser uma coisa boa, legal e ajudar com informação”. 

Iara e sua filha em setembro de 2022. Foto: Arquivo Pessoal/Iara Batista

Na experiência profissional adquirida, Hope também percebeu que nem todas as gestantes tiveram um pré-natal adequado. Ela mesma revelou que havia “fugido” do hospital que lhe fora indicado para consultas de pré-natal, pois havia “ouvido relatos de violência obstétrica que ali ocorria”. 

Anos depois, ela ainda ouviu a história da mãe de uma cliente que sofreu humilhação na sala de parto, foi proibida de gritar e submetida à manobra de Kristeller : quando a barriga é empurrada para forçar o bebê a sair. O procedimento havia sido feito justamente no mesmo hospital que é a principal maternidade de referência para mulheres da Rocinha. 

Assistência perinatal no SUS da Rocinha

Atualmente, existem três unidades de saúde que oferecem acompanhamento de saúde para gestantes, mães e bebês na Rocinha: a Clínica da Família Rinaldo de Lamare, a Clínica da Família Maria do Socorro e o Centro Municipal de Saúde Albert Sabin. 

Segundo a gerente do CMS Albert Sabin, a dentista Ana Harbes, quando o resultado do teste de gravidez dá positivo, o pré-natal já é iniciado no mesmo dia na unidade. Também é regularizado o calendário vacinal da gestante, é realizada a prescrição e fornecimento de toda a medicação necessária, além da solicitação de diversos exames, além da saída da gestante do posto de saúde com retorno agendado. No entanto, segundo Harbes, muitas mulheres não entendem a importância do pré-natal. Portanto, há uma evasão de seguimento. 

A diretora da unidade, Tatiana Rodrigues, acrescenta que essa resistência é ainda maior entre as mães que já passaram por gestações anteriores, que, mesmo com os serviços disponíveis no ambulatório do SUS, acabam abandonando o pré-natal no meio do caminho.

“Sentimos falta de uma adesão maior das mães e gestantes. Muitas vezes chove e o paciente não vem mais. Às vezes, elas não entendem a importância do pré-natal na gravidez. E, isso é uma coisa séria, porque envolve tanto a saúde dela quanto a do bebê”, explica. 

E faz um apelo: “Mães da comunidade, façam pré-natal! Se você suspeita que está grávida, venha cuidar da sua saúde. Prevenir é melhor do que descobrir depois.”

O Centro Municipal de Saúde Albert Sabin também atende mulheres que passam pelo puerpério: período pós-parto que se inicia logo após a saída da placenta até 45 a 60 dias. Além de acompanhamento de mamães com bebês recém-nascidos na clínica e também o domiciliar. 

As gestoras do centro de saúde localizado da Rua 1 explicam ainda, que está disponível na Rocinha o Cegonha Carioca: projeto responsável pelo auxílio na escolha de maternidades pelas gestantes pacientes da rede de saúde pública. 

O projeto foi implantado no município do Rio de Janeiro, em 2011, com o objetivo de garantir o melhor cuidado para a mãe e o bebê. A iniciativa garante às gestantes e a família a oportunidade de conhecer a maternidade de referência, receber informações sobre o parto, tirar dúvidas e também oferece um Kit Enxoval. O projeto conta ainda com uma ambulância obstétrica própria, que é responsável por atender e transportar a parturiente até o local onde terá o bebê. 

Tensão e felicidade com a gravidez

Foi através do Cegonha Carioca que a moradora Luciana Nascimento foi direcionada para os cuidados do Hospital Municipal Miguel Couto, onde ela realizou o terceiro parto. Ela morava com o marido em São João de Meriti, mas descobriu a gravidez do terceiro filho enquanto estava na Rocinha visitando familiares. 

Por considerar que o atendimento é melhor na zona sul do Rio de Janeiro do que no município da Baixada Fluminense, optou por iniciar o pré-natal no CMS Albert Sabin. Luciana, que era mãe de duas meninas, contou que toda a gravidez foi tranquila até o dia do parto.

“Eu fui à última consulta de pré-natal e já estava com cólicas. Eu falei para a médica, mas ela me falou que não era contração. Só que quando você é mãe, você já sabe o momento que o bebê vai nascer”, lembra.

Luciana Nascimento com o esposo e os filhos na Rocinha. Foto: Sophia Marques

Luciana estava certa: “Eu fui para casa e as contrações começaram a vir de 10 em 10 minutos, depois de 5 em 5, e passaram a ser cada vez mais frequentes. Aí, eu comecei a sentir dores muito fortes e ficava andando da cama para o banheiro e do banheiro para a cama”, descreve.

Após alguns momentos de tensão, sabendo que não conseguiria chegar à maternidade, tentou retornar à unidade de saúde acompanhada do marido, mas não deu tempo. João Lucas do Nascimento nasceu no caminho, com ajuda do obstetra, que chegou momentos antes na ambulância do Cegonha Carioca.

“Eu sabia que não ia dar tempo de chegar ao hospital. Quando ele nasceu, o médico só teve tempo de segurá-lo. Aí continuei sentindo contrações e tive que retirar a placenta na ambulância. Acabou ficando um resíduo e tive que ir ao hospital tirar. Sofri mais pra tirar a placenta do que pra ele nascer, mas foi coisa de Deus né? Ele é uma benção, e era melhor ter nascido aqui mesmo.”

Após o parto, foi confirmado que Luciana sofria de placenta acreta: condição que deve ser diagnosticada no pré-natal, que pode causar sangramento e, em casos mais graves, pode ser fatal para a mulher. 

Com menos de um mês de vida, o novo integrante da família Nascimento, apelidado de Albertinho pelos funcionários da CMS Albert Sabin, teve todo o acompanhamento feito dentro da Rocinha e, mesmo com as adversidades, Luciana revela ter vivido “uma experiência positiva ”.

*Conteúdo produzido pelas alunas  Sophia Marques, Eduarda Farias e Rafaela Gissoni  por meio da parceria do Fala Roça com a disciplina de Jornalismo e Cidadania, ministrada pela professora Lilian Saback, do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio

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