‘Lei Lucas’: creches comunitárias na Rocinha fazem treinamentos de primeiros socorros

Na Rocinha, as creches comunitárias já tomam medidas necessárias para se adaptarem à lei e funcionários são treinados para lidar com situações e possíveis riscos
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Sancionada em 2018, a Lei 13722/18 obriga escolas públicas e  privadas de ensino infantil, básico e espaços de recreação infantil a prestar o atendimento de primeiros socorros em caso de acidentes. A lei ganhou esse nome em homenagem a Lucas Begalli, de 10 anos, que morreu ao se engasgar com um cachorro quente durante um passeio escolar. 

O menino sofreu asfixia mecânica em minutos, pois no local não havia profissionais qualificados para prestar atendimento de primeiros socorros, o que poderia ter salvado a criança. A nova legislação é obrigatória em todo território nacional, mas somente agora a Prefeitura do Rio vem cobrando o certificado das instituições de ensino. 

Na Rocinha, as creches comunitárias já tomam medidas necessárias para se adaptarem à lei e funcionários são treinados para lidar com situações e possíveis riscos. O objetivo é, em caso de acidentes, a equipe e conseguir dar uma sobrevida para a criança até a chegada do socorro de emergência. 

O técnico de enfermagem Alexandre Santos, de 46 anos, vem dando aulas para funcionários de creches e escolas na Rocinha. Ele também mora na Rocinha e adaptou o curso às condições da realidade das favelas. “Meu curso é personalizado. Toda escola que eu vou é um curso diferente, porque cada instituição têm demandas diferentes devido à idade das crianças que atende e o local onde se encontra”, revela. 

No curso baseado na lei, instrutores treinados em primeiros socorros orientam como funcionários das creches devem reagir em casos de engasgos, ferimentos, torções e até mordidas de insetos para aliviar o sofrimento da criança. O curso tem aulas teóricas e práticas. 

Localizada na Cidade Nova, a creche Aspa atende mais de 200 crianças há 60 anos na comunidade e os 40 funcionários já realizaram o treinamento, de acordo com a colaboradora Lucelia Carvalho. Ela explica que teve dificuldades em conseguir profissionais preparados para dar aulas em escolas e creches nas favelas. 

“Já estávamos atrás de uma pessoa para ministrar o curso na nossa instituição há muito tempo, pois a Prefeitura estava solicitando [o certificado]. Os bombeiros oferecem esse curso grátis, mas eles dificilmente entram em comunidade e demora muito para conseguir marcar”, reclama.

Funcionárias da ASPA em um dia de treinamento na creche localizada no Caminho do Boiadeiro. Foto: Alexandre Santos

Por isso, a Aspa optou por pagar um instrutor que se encaixasse no orçamento da creche mesmo a instituição sendo mantida através de doações. “O curso não é barato, mas 37 funcionários foram treinados, tanto as professoras quanto os funcionários do nosso Projeto Ação Social Padre Anchieta”, ressalta.  

Já a diretora Ana Lúcia Medeiros, do Centro Educacional União Faz a Força, que atende mais de 150 crianças, diz que os funcionários da creche já tinham noções de primeiros socorros. Porém, as orientações não eram baseadas na lei. Os 23 funcionários da instituição, professoras e cozinheiras, receberam um novo treinamento. 

“Nós que trabalhamos com crianças temos que estar preparadas para tudo. Não somos super-heróis, mas eu como profissional não posso estar despreparada caso algum acidente aconteça. Pelo menos o mínimo de primeiros socorros, eu tenho que ter, pois as crianças são muito delicadas e pode ocorrer uma queda, um engasgo ou uma convulsão”, pondera.

Rayssa Mesquita, professora do Pré 1 há três anos no Centro Educacional, afirma que o curso exigido pela Lei Lucas ensina a forma correta de agir em situações de risco e acidentes. “Diversas coisas que achamos que eram reais ou funcionavam são puros mitos, como [por exemplo] ter que levantar a cabeça quando ocorre um sangramento nasal e, na verdade, tem que ficar com a cabeça ereta. Foi interessante o esclarecimento  e tirar dúvidas”, afirma. 

E destaca: “É importante ter esses conhecimentos básicos. Ainda mais quando trabalhamos na área da educação, onde tudo pode acontecer. Estamos sujeitas a encontrar diversos problemas, desde os mais simples até os mais complicados. Acho que é algo necessário para nossa formação tanto como professora quanto pessoa”.

Morador criou curso e adaptou para as realidades vividas pelas creches na Rocinha. Foto: Arquivo pessoal/AMAE

O instrutor Alexandre Santos diz que as creches precisam estar atentas onde estão localizadas. “Algumas [creches] já ficam perto de matas e podem ocorrer picadas de animais peçonhentos. Outras, têm crianças PCD que podem vir a ter convulsões e quedas mais frequentes. A importância da gente aprender noções de primeiros socorros é oferecer um suporte de vida para a criança e dar um apoio até o socorro especializado chegar, evitar fatalidades ou sequelas devido ao acidente”, enfatiza o especialista. 

Profissional de saúde há 20 anos, Alexandre foi capacitado como instrutor de primeiros socorros pelo Instituto Brasileiro de Atendimento Pré-hospitalar e usa um perfil no Instagram para esclarecer dúvidas sobre o curso.  “O certificado do curso tem validade de um ano. Todos os anos as instituições deverão refazer o curso para permanecer na legalidade e garantir que, os antigos e novos colaboradores, sejam treinados para se manterem atualizados”, ressalta. 

Falhas

Apesar da Lei Lucas se basear em um caso fatal, a legislação tem brechas preocupantes.  A lei diz que toda escola tem que ter um kit de primeiros socorros, mas não especifica quais são os materiais que devem constar. 

Outro problema é que: monitores de transportes escolares também não têm a obrigação de realizar o curso de primeiros socorros, mesmo o transporte sendo uma continuação da escola. 

No Rio, somente agora, a Prefeitura começou a requisitar o certificado do curso da equipe de creches, escolas e espaços de recreação infantil, mas não há fiscalização ainda. “A falta de fiscalização da Lei Lucas em algumas escolas e a falta de conhecimento dos pais sobre essa medida, facilita a falta de desempenho da Prefeitura de fazer uma política mais efetiva nas brechas dessa lei”, opina Alexandre Santos.

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