O legado da educadora Elizia Pirozi na alfabetização de moradores da Rocinha

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Francisca Elizia de Medeiros Pirozi, conhecida como Dona Elizia, levou a educação para muitas pessoas da Rocinha por mais de quatro décadas. Fez com que algumas delas entrassem em universidades e seu modelo de educação foi premiado pela Unesco e importado para Moçambique, na África.

Oriunda do Rio Grande do Norte, chegou à Rocinha em 1966, ainda na juventude, para viver o resto da vida na favela. Mãe de duas filhas e uma legião de filhos “artificiais”. Aliada dos favelados, sempre prestou serviços comunitários para ajudá-los tanto na teoria quanto, na prática: foi de trabalhos de artesanato às salas de aula com recortes de jornais. Quando Elizia morreu, aos 77 anos, a Rocinha ficou de luto.

Em 1978, Dona Elizia criou um projeto de educação para ajudar crianças e adultos, localizado na Rua 1, parte alta do morro. Dez anos depois, se formou como professora na Escola Estadual Inácio de Azevedo do Amaral, para reforçar as técnicas de ensino e ser alfabetizada completamente. “Fiz misérias para aprender um processo de alfabetização que atendesse às necessidades dos meninos, da molecada”, contou Dona Elizia em entrevista ao Centro de Pesquisa e Documentário de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC), em 2000.

Dona Elizia na Câmara Municipal do Rio durante homenagem que recebeu em 2016. Foto: Heber Boscoli

“Ela tinha um trabalho na educação que se tornou um legado. Tinha um método que chegou a ser premiado pela Unesco e virou modelo na África. Ela não era completamente alfabetizada, só depois que fez um curso de formação de professores. Ela ensinava as crianças com recortes de jornal que o marido trazia do trabalho. Isso se tornou um grande multiplicador”, conta Davison Coutinho, doutor em Design pela PUC-Rio e morador da Rocinha.

Mesmo após a morte da educadora, Davison continua conectado com o legado dela. Ele fundou com colegas o Instituto Tamo Junto, que conta com uma sala de leitura em homenagem à líder comunitária. Umas das atividades é ensinar matemática, português e a cultura da Rocinha, através do uso da linguagem local, como o funk e o samba.

Educadora cobrou mais esforços da PUC-Rio

Criou também relações com a instituição vizinha, a PUC-Rio, onde abriu portas para centenas de moradores pudessem estudar na faculdade. Atualmente a Universidade possui 1.777 alunos com 100% de bolsa, através do Prouni e do programa filantrópico da instituição, segundo dados disponibilizados pela Vice-Reitoria Comunitária (VCR). Desse número, cerca de 80 estudantes são da Rocinha. A VCR também diz que as médias das avaliações acadêmicas de alunos bolsistas geralmente são maiores que as de alunos pagantes.

A entrada de alunos da Rocinha na PUC-Rio começa em 1980, quando Elizia começou a focar na integração entre a universidade e a favela. A fé na educação e a luta incansável fez com que a potiguara unisse pessoas de dentro e fora da Rocinha para construir uma base educacional que ajudasse os moradores. O primeiro contato ocorreu através do Núcleo de Estudos e Ação Mundo da Juventude (NEAM).

Marina Lenette Moreira, 75 anos, fundadora e diretora do NEAM desde 1981, lembra quando começou a cooperar com a educadora. “Em 1980 nos conhecemos e a gente começou a fazer um projeto de educação que coubesse a universidade e a comunidade. Ela foi esse elo das relações que davam para a gente a sensibilidade e a certeza de que tudo ia acontecer, porque ela acreditava na educação. Ela fazia com que a comunidade respeitasse os princípios da educação, os limites que a sociedade exigia da presença da comunidade na própria universidade”, detalha Marina.

As líderes comunitárias da Rocinha, Francisca e Railda, mães de jovens que participaram do projeto de formação para reciclagem de lixo, durante entrevista ao Jornal da PUC. Foto: Julien Maculan / Comunicar/ Acervo do Núcleo de Memória da PUC-Rio.

A educadora era uma liderança bastante visibilizada na Rocinha. Sabia das necessidades da população e usou a comunicação comunitária, técnicas de ensino educacional e as experiências da vida para viabilizar e tentar democratizar o acesso à educação no morro. Depois do projeto construído em um barracão na Rua 1, fundou o pré-vestibular comunitário do Colégio Teresiano, na Gávea.

Os frutos do trabalho desenvolvido por Elizia são colhidos até hoje. Quatro décadas após o pontapé inicial da parceria entre a favela e a universidade, cerca de 37 mil pessoas já foram impactadas pelas ações do NEAM, sendo cerca de 60% desse total são vindos da Rocinha. 

Para o professor Augusto Sampaio, ex-vice-reitor comunitário da PUC-Rio, o sucesso da relação social entre a comunidade e o NEAM, tem influência direta de Dona Elizia. Segundo ele, que foi vice-reitor por 33 anos, desde então a instituição vem investindo na entrada e permanência de alunos que moram em favelas e periferias. O professor destaca a importância do acesso à educação e o impacto na vida de quem mais precisa desse direito.

“O que liberta a gente não é o dinheiro, mas sim a educação. Ela abre o olho do jovem e isso é fundamental. Com investimento social e educação, a comunidade dispara. Uma universidade católica, na Gávea e com três comunidades no entorno, tem o olhar para a comunidade como uma obrigação, e não um favor. A PUC é uma universidade católica. Se não tem esse apoio [filantrópico], perde o sentido. Vira ‘Universidade da Gávea’”, analisa Sampaio.

A ponte construída por Elizia com a PUC-Rio é uma tentativa de alterar, por meio da educação, a dura realidade que os moradores passavam e mostrar que existem caminhos que fornecem uma vida digna. Apesar de fazer um papel político e do Estado, nunca se candidatou a cargos públicos por acreditar que o setor da política era corrupto.

Em 2022, parlamentares protocoloram o Projeto de Lei 6360/2022 para alterar o nome da Biblioteca Parque C4 da Rocinha e acrescentar o nome da educadora. Os frutos que Dona Elizia plantou precisam ser regados para dar continuidade a uma luta antiga.

*Reportagem produzida através da disciplina Jornalismo e Cidadania, ministrada pela professora Lilian Saback por meio de extensão universitária do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio.

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