Acesso à água na Rocinha: entenda como funciona a distribuição hídrica na maior favela do Brasil

No morro, abastecimento por pessoa é de 30,5 litros por dia, bem abaixo dos 50 litros recomendados pela Organização das Nações Unidas (ONU)

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“O verão está chegando… Pra praia desce geral”, canta MC Davi no funk do verão. Mas… E quando volta? Será que os moradores da Rocinha ao abrir o chuveiro conseguem tomar banho? Com sensação térmica que pode chegar a níveis elevados que pode ultrapassar a 60 °C no verão, a preocupação com a distribuição e o acesso à água se torna o assunto do momento no morro. 

Ainda mais após a recente falta d‘água por mais de uma semana no Rio de Janeiro, devido a uma manutenção programada na estação do Rio Guandu, realizada pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (CEDAE), responsável pela captação e tratamento; os serviços de distribuição de água e esgotamento sanitário são feitos pela empresa Águas do Rio em 26 municípios fluminenses e 124 bairros cariocas, incluindo a Rocinha. Por isso, o Fala Roça percorreu o morro para entender como funciona a distribuição de água na Rocinha. 

Diversos canos de água em beco da Rocinha

Ao chegar à Rua 1, parte alta da Rocinha, o morador que vive por ali passa e precisa desviar de muitos canos nos becos e vielas. São esses canos que servem de canais para distribuir água no território. Os manobristas —contratados da Águas do Rio – circulam por diversos pontos e direcionam a água para as localidades.

Hoje, existem três reservatórios na favela. No total, eles possuem capacidade de 2.200.000 litros de água e estão localizados em pontos estratégicos para o fornecimento. Segundo o IBGE (2022), a Rocinha tem uma população de mais de 72 mil pessoas. Com isso, a relação de consumo per capita da água, isto é, por pessoa seria cerca de 30,5 litros por dia, em caso de uma distribuição diária. O padrão da ONU recomenda pelo menos 50 litros por dia por pessoa para atender às necessidades básicas.

A equipe de manutenção dos pontos é composta por dois manobristas fixos, que se dividem entre a parte alta e baixa do morro, e um supervisor técnico da empresa que orienta os dois profissionais. No dia a dia da Rocinha, o manobrista responsável pela parte baixa – área com maior abrangência de localidades – precisa cuidar de uma maior quantidade de pontos de manobra, em comparação ao manobrista da parte alta.

A geografia da Rocinha, localizada e construída em um vale, é um morro íngreme e inclinado que permite ter mais pontos de manobra em áreas mais planas como a parte baixa do que a alta.

Morador pega água por meio de cano no Laboriaux, na parte alta da favela.

O motorista Raimundo Santana, 54 anos, morador da localidade do Valão, já precisou diversas vezes do suporte de um ponto de manobra. Para ele, a distribuição de água na parte baixa é melhor do que na parte alta, pois o mecanismo de manobra é menos complexo e filtra melhor as áreas planas da Rocinha.

“A instalação [dos pontos de manobra] é feita por canos, sendo um cano base e tem outros que fazem a emenda com a manobra. Às vezes tem uns [canos e pontos] que nem vemos, mas eles ajudam a chegar a água em casa. Aqui em baixo [do morro], as manobras são complexas, mas são eficientes. A água aqui chega mais forte por ter mais pontos. Já na parte alta, por ser mais íngreme, é difícil a distribuição, e o pessoal puxa canos, faz emenda… É muito complexo!”, ressalta Raimundo.  

Para o engenheiro Antonio Krishnamurti, pesquisador da PUC-Rio, a distribuição de água reflete no saneamento básico da favela. Ele explica que os canais de drenagem da Rocinha levam a água acompanhada de lixo e esgoto sanitário, o que prejudica o fluxo de água e o abastecimento hídrico para a população em diferentes partes da favela.

“Os canais que deveriam drenar a água pluvial carregam lixo, esgotamento sanitário. Na parte alta, como não tem tantos pontos [de manobra] igual na parte baixa, há uma dificuldade de chegar água nas residências, assim como por conta da geografia. No momento em que se visualiza essas regiões, vê que há necessidade de bombeamento. Dá pra diminuir um pouco a necessidade de bombeamento se colocar reservatórios acima”, orienta o engenheiro.

Segundo o estudo Avanços do Marco Legal do Saneamento Básico no Brasil 2025, 34 milhões de pessoas não têm acesso à água potável. Além disso, mais de 90 milhões vivem sem coleta e tratamento de esgoto. Os dados retratam a realidade de algumas localidades e moradias da Rocinha. Maior favela do Brasil que, desde os anos 2000, tem um dos piores Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade do Rio de Janeiro. A favela está na faixa dos 0,732, enquanto bairros nobres como Gávea, Leblon e São Conrado são considerados lugares com índices elevados, acima de 0,800.

O Fala Roça entrou em contato com a empresa Águas do Rio para solicitar o mapa dos pontos de manutenção dos serviços de manobra d’água. Também fez o pedido para  acompanhar um manobrista do morro em um dia de trabalho. Porém, nenhuma das solicitações teve uma resposta. O espaço segue aberto para a empresa se pronunciar e informar a população da Rocinha e do Rio de Janeiro sobre a distribuição hídrica no morro. 

Tentativas de melhoria

Em 2020, o bairro da Rocinha foi inserido no extinto programa Comunidade Cidade, com objetivo de executar melhorias às condições de vida da população local com obras de abastecimento d’água, saneamento, mobilidade, habitação, coleta de resíduos sólidos e em equipamentos públicos. 

Foi investido R$ 1 bilhão pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro no programa para obras de saneamento básico, com redes de água, esgoto e drenagem. 

Através da iniciativa foram construídos os reservatórios atuais do morro, como o reservatório Navio, com capacidade de 1.700.000 litros; o Terreirão, com 440.000 litros; e Laboriaux, que suporta 60.000 litros. O total de água nos reservatórios chega a 2.200.000 litros.  

A média ideal calculada para distribuição hídrica na Rocinha é de 7 milhões de litros d’água para atender 122 mil habitantes da favela, mas no morro circula  apenas 2,2 milhões, de acordo com o Projeto Comunidade Cidade. 

Os 4 milhões de litros de água necessários que faltam no abastecimento hídrico, segundo o projeto Comunidade Cidade, seriam armazenados em novos reservatórios a serem construídos pelo projeto. Mas, o plano nunca saiu do papel e as denúncias de falta d’água seguem constantes e recorrentes.

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