Em favelas do Rio, mães sofrem com escassez de creches e pré-escolas
Por Diego Nunes da Rocha, Felipe Migliani, Fernanda Calé e Karen Fontoura
A educação na primeira infância é uma etapa crucial para o desenvolvimento das crianças, essencial para garantir igualdade de oportunidades desde o começo da vida. No entanto, o Rio de Janeiro enfrenta um déficit nessa área: a falta de vagas em creches e pré-escolas.
O problema é acentuado ainda mais nas áreas periféricas da cidade, como as favelas de Rio das Pedras e Rocinha, onde a escassez de unidades públicas e conveniadas compromete o acesso às unidades educacionais.
De acordo com dados do Censo Escolar 2023 analisados pela Gênero e Número, a Rocinha conta com 21 creches e pré-escolas, mas apenas seis são municipais. O bairro tem 16 unidades de ensino integral, quatro delas são públicas e 12 são privadas conveniadas.
Entre os 15 estabelecimentos privados de ensino infantil que funcionam no bairro, 13 têm convênio com a Prefeitura, o que indica que a maior parte da oferta fica por conta da parceria entre o poder público e as unidades privadas.
Para Marcel Gavazza, professor de História no município do Rio de Janeiro, pesquisador e coordenador geral do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Estado do Rio de Janeiro (Sepe-RJ), esse modelo não deveria ser encarado como uma solução para o déficit de vagas na rede.
Para o educador, a solução passa pela convocação de aprovados no concurso para professores adjuntos de educação infantil, o que ajudaria a suprir a carência de professores nas creches e pré-escolas e possibilitaria a abertura de novas turmas. Além disso, Marcel afirma que o investimento na construção de novas unidades é essencial.
“O ideal seria a construção de novas unidades. Isso é cobrado em reuniões com a Secretaria Municipal de Educação, em atos em frente à prefeitura e em audiências públicas com vereadores. O sindicato tem feito vários requerimentos de informação e tenta pressionar por todos os meios para garantir a ampliação da rede e a convocação dos concursados, o que ajudaria a zerar a fila de espera.”
Em entrevista à Agência Lume, o atual prefeito e candidato à reeleição, Eduardo Paes, citou que, se eleito, pretende ampliar o número de creches conveniadas. “Vamos adotar a mesma fórmula que usamos nessa gestão para atingir o nosso objetivo: realizar convênios com creches privadas, porque esse tipo de parceria acelera a resolução dessa carência.”
A presença de 21 creches na Rocinha pode parecer positiva, mas muitas dessas unidades educacionais enfrentam limitações de espaço, o que afeta a quantidade de turmas oferecidas. Algumas creches funcionam com apenas três ou quatro turmas para a primeira infância, com no máximo 20 crianças por turma, a depender da quantidade de funcionários disponíveis.
Já em Rio das Pedras, a oferta de creches e pré-escolas é ainda mais escassa. Entre os oito estabelecimentos registrados pelo Censo Escolar 2023, seis são municipais e dois são privados sem convênio com a Prefeitura. Somente duas unidades públicas oferecem ensino em turno integral.
“Todos os dias chegam novas crianças”, explica Flávia Amaral, pedagoga e diretora do EDI Professora Edir Caseiro Ribeiro, que atua há 25 anos com educação na Rocinha. Ela aponta que a falta de vagas na Rocinha está ligada também ao fluxo migratório constante nas favelas, um fenômeno recorrente também em regiões como Rio das Pedras. Existe lista de espera por vagas em creches tanto na Rocinha quanto no Rio das Pedras.
A migração, impulsionada pela concentração de oportunidades de emprego nas regiões metropolitanas, torna as favelas opções mais atrativas de moradia devido ao custo de vida mais acessível para famílias em busca de melhores condições. Isso impacta diretamente a falta de planejamento governamental na oferta de creches.
Embora a lei não preveja a obrigatoriedade de matrícula de crianças com menos de 4 anos em unidades educacionais, Flávia Amaral defende que essa diretriz deveria ser revista.
Papel da prefeitura na oferta de creches e pré-escolas
O debate sobre a falta de vagas em creches e pré-escolas no Rio de Janeiro não é novo, mas a solução para o problema parece distante. Em ano eleitoral, especialmente quando falamos de eleições municipais, é muito importante que a sociedade esteja atenta às obrigações da prefeitura relacionadas ao tema – e também ao que dizem os candidatos – para garantir que essa situação seja realmente enfrentada.
O prefeito desempenha um papel essencial na gestão e expansão das creches municipais. É responsabilidade do executivo municipal formular e implementar políticas públicas que garantam o acesso à educação infantil.
É a prefeitura que define o orçamento destinado à educação para a primeira infância, garantindo que haja recursos suficientes para a manutenção e expansão das creches e pré-escolas. Ela também pode buscar fontes alternativas de financiamento, como fundos municipais específicos, para garantir a sustentabilidade dos serviços.
Falta de vagas afeta vida profissional de mães e desenvolvimento infantil
Para muitas mães que vivem nas favelas de Rio das Pedras e da Rocinha, a falta de vagas em creches significa um obstáculo para ingressar ou se manter no mercado de trabalho.
A dona de casa Vilma Carvalho, de 37 anos, é uma delas. Moradora de Rio das Pedras e mãe de quatro filhos, ela tenta conseguir uma vaga na creche para a filha mais nova desde que a menina tinha dois anos.
“Isso me atrapalhou a voltar a trabalhar, porque a creche está muito cara”, conta ela. Sem a vaga, Vilma enfrenta o dilema de pagar alguém para buscar e levar os outros filhos na escola ou desistir de trabalhar.
Além das dificuldades financeiras, há também o impacto na socialização das crianças. A dona de casa comenta que sua filha é muito inteligente, mas não tem convivência com outras crianças da mesma idade. Se estivesse na creche, a menina teria mais oportunidades de desenvolvimento social e cognitivo.
Quem consegue uma vaga na creche para o seu filho consegue notar os benefícios que esse acesso pode trazer. A creche desempenha um papel fundamental no desenvolvimento integral da criança, oferecendo não apenas um ambiente seguro, mas também estímulos essenciais para o seu crescimento cognitivo, social e emocional.
Segundo Mônica Sacramento, pesquisadora e coordenadora programática da ONG Criola: “A creche é um espaço que reúne várias políticas, que atuam na segurança alimentar, no desenvolvimento das crianças e na socialização.
Para a pesquisadora, quando esse direito não é garantido: “as consequências não são só imediatas, mas também a longo prazo, porque isso se desdobra na vida escolar das crianças”, analisa.
Kátia Monique Nunes, mãe de um menino de três anos do Rio das Pedras, conseguiu notar como o ingresso na creche pode impactar positivamente o desenvolvimento infantil. Após indicação da fonoaudióloga, a criança foi matriculada com dois anos e um mês, período crucial para sua socialização e desenvolvimento da linguagem.
A moradora do Rio das Pedras destaca que o contato com outras crianças e as atividades estruturadas da creche ajudaram no avanço do filho, que inicialmente falava pouco e demonstrava dificuldades de interação.
“Todos os dias ele fala comigo, “mamãe gosto da escola”. Ele está mais comunicativo, participa das atividades, sabe as cores, sabe os nomes dos amigos e das tias. A escola trabalha com projetos pedagógicos e todo bimestre tem reunião com as professoras, que apresentam um relatório de habilidades e conhecimentos.”
Desafios para mães solo e mães de crianças atípicas
Os responsáveis que conseguem ingressar no mercado de trabalho enfrentam o desafio de conciliar suas jornadas, que geralmente são de 8h ou 9h diárias, além do tempo de deslocamento, com os horários estabelecidos nas creches.
“Eu precisei de uma pessoa pra buscar e ficar com meu filho até a hora de eu chegar do trabalho, porque eu preciso trabalhar e só chego por volta de 19:30”, conta Vitória Brennand, 27 anos e moradora da Rocinha.
Para ela, mãe solo de três filhos, a principal dificuldade é o horário estabelecido nas creches, que funcionam até 15h. “Eu pago R$250 [mensais] de segunda a sexta. É menos um dinheiro que já poderia ajudar nas compras de casa, no hortifruti”, explica.
Já a moradora da Rocinha Adrielle Paiva, 35 anos, mãe de uma criança atípica (criança com deficiência intelectual ou física), não consegue ingressar no mercado de trabalho. Com dois filhos pequenos, a dificuldade de matricular as crianças na mesma creche ou pelo menos em unidades próximas tem sido um grande desafio.
“Eu tenho outra filha de um ano e nove meses e ela está sem creche, porque foi selecionada para uma unidade em São Conrado e ia ficar inviável de botar ela nessa e o meu outro filho na Gávea”, lamenta Adrielle, que está na lista de espera de outras quatro unidades educacionais para a filha desde fevereiro, enquanto o filho frequenta a escola no bairro vizinho.
A falta de vagas impacta diretamente na vida da moradora da Rocinha, que recorre à ajuda de familiares para se manter financeiramente. “Eu não consigo trabalhar, pois não tenho com quem deixar. Eu sou separada do pai deles, minha mãe que me ajuda no dia a dia, mas ela não tem saúde pra ficar com ela só”, explica.
“É um sentimento de frustração, pois a gente faz mil planos e não consegue executar nenhum. Eu recebo o auxílio Brasil, o pai das crianças ajuda com as coisas e meu pai paga meu aluguel”, completa Adrielle.
Para mães de crianças atípicas, a preocupação com os filhos nas unidades de educação é constante. O descaso dos governantes agrava ainda mais o cenário educacional, que, em vez de proporcionar conforto, se transforma em fonte de aflição.
Para Adrielle, mãe de um menino atípico, a escola poderia ser mais transparente sobre as atividades oferecidas às crianças. “Na creche tem uma psicóloga e uma fonoaudióloga, mas não nos informam o que elas fazem e o trabalho parece ser geral, sem um foco específico em cada criança”, explica.
Ela também percebe um distanciamento das famílias em atividades escolares durante datas comemorativas, como Páscoa, Dia das Crianças e Dia da Família, com acesso apenas aos trabalhos enviados para casa.
“A fila de espera era muito grande, não tinha uma data certa de espera. É esperar para um dia receber uma mensagem ou ligação avisando que conseguiu a vaga. Eu fiquei sem esperança por meu filho ser um dos últimos. Eu necessitava naquele momento e acabei pagando uma particular”, conta Shara Rosário, mãe atípica, de 31 anos, trancista e moradora da Rocinha.
Hoje, com filho matriculado em uma creche pública, Shara não sente que as necessidades da criança são contempladas. Para ela, as creches deveriam disponibilizar monitores na educação infantil, conforme assegurado pela Lei de Inclusão, que não determina limite de idade para o acesso a esse profissional. “São poucas as escolas que têm auxiliares, porque as crianças que têm TEA precisam de um cuidado maior, de uma pessoa ali para ajudar”, relata.
“Digo isso pelo fato do meu filho ser autista, e é algo que eu vejo na sala dele. São duas, três crianças [autistas] e as professoras fazem o melhor possível para dar assistência, sendo que ele tem direito ao auxiliar, que até agora não aconteceu”, reivindica Shara, que ressalta que a necessidade de monitores em sala de aula para as crianças com deficiência precisa receber mais atenção dentro das comunidades.
Outra reivindicação dos responsáveis pelos cuidados das crianças é o transporte escolar, um valor que não é assegurado para quem tem filhos matriculados nas creches e se torna um gasto adicional para manter as crianças nas unidades educativas.
O transporte público no horário de funcionamento das creches costuma ficar muito cheio e muitos pais preferem arcar com os custos e utilizar do transporte escolar pago, que é o caso de Adrielle. Devido ao diagnóstico do filho, ela tenta preservar a saúde mental da criança, mas precisa de ajuda da bisavó do menino para arcar com os R$250 mensais do transporte particular.
Sobre os autores
Diego Nunes da Rocha é graduado e mestre em Ciências Sociais pelo PPGSA/UFRJ e doutorando em Sociologia no IESP-UERJ. Pesquisador associado do Ceres (Centro para o Estudo da Riqueza e Estratificação Social), Diego tem interesse em estratificação social, em especial no campo educacional. É analista de dados da Gênero e Número.
Felipe Migliani é um repórter pós-graduado em Jornalismo Investigativo e Jornalismo de Dados. Morador do Rio de Janeiro, Felipe é conhecido por suas reportagens sobre meio ambiente e impactos ambientais. Têm matérias publicadas no Estadão, Meia Hora, RioOnWatch, Agência Lume e Ambiental Media.
Fernanda Calé é formada em Jornalismo pela UniCarioca e se especializou em Comunicação Popular como uma maneira de falar com diversos públicos de maneira clara e simples. Há quatro anos ajudou a fundar a Agência Lume, uma agência de comunicação que produz jornalismo independente na região de Jacarepaguá, principalmente em Rio das Pedras, lugar onde nasceu.
Karen Fontoura é estudante de jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, oriunda de uma família de matriarcas da Rocinha. Atua como repórter no Jornal Fala Roça, escrevendo para online, impresso e na produção de conteúdos audiovisuais para as redes sociais.