Com ensino remoto, estudantes da Rocinha tentam driblar a pandemia nos estudos

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Faz mais de quatro meses que as escolas da rede municipal e estadual de ensino do Rio de Janeiro cancelaram as aulas para evitarem a propagação de Covid-19. Das salas de aulas para as salas virtuais, a educação pública aderiu ao ensino remoto, uma alternativa para manter o vínculo entre a escola e o estudante por meio de aulas online. Mas para muitos estudantes, pais e professores, não está sendo fácil manter os estudos. 

Na Rocinha, cinco escolas municipais, uma creche municipal e um espaço de desenvolvimento infantil precisaram se adequar a uma metodologia provisória como maneira de compensar o ensino presencial. As aulas remotas não são consideradas uma forma de ensino, porém é apontada como uma solução rápida por muitas instituições. 

Acostumada a dar aula presencial, uma professora do ensino fundamental da rede pública na Rocinha, que não quis ser identificada, avalia que os alunos que estão saindo da alfabetização e entrando na fase de consolidação da produção e leitura devem receber atenção nos aspectos cognitivos, estéticos e emocionais para ter garantias de uma formação integral. Hoje, o processo de educação se baseia somente na apresentação de conteúdos e execução de atividades. 

Carteiras vazias: rede municipal de ensino não tem data definida de volta às aulas. Foto: ASCOM/Prefeitura do Rio

“Por conta dessa situação, as aulas online estão sendo basicamente de revisão e reforço do conteúdo já estudado em anos anteriores. Eu estou tentando alternativas, pesquisando possibilidades juntamente com meus colegas de trabalho, mas o meio mais eficaz que encontrei para manter contato diário com meus alunos foi através do WhatsApp, pois é um recurso que a maioria possui e consegue acessar com pouca internet, mas mesmo assim, nem todos os alunos participam”, ressaltou a professora.

A metodologia de ensino remoto se choca com a desigualdade social enfrentada no país. Pois muitos estudantes não conseguem ter acesso às atividades online ou sequer entrar em contato com os professores, e ainda que o aluno possua acesso, pode haver dificuldade em realizá-las.

No Brasil, cerca de 4,8 milhões de crianças e adolescentes, na faixa de 9 a 17 anos, não têm acesso à internet em casa. Eles correspondem a 17% de todos os brasileiros nessa faixa etária, aponta um levantamento feito pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br). 

Ana Júlia Melo, de 10 anos, moradora da Rua 1, na parte alta da Rocinha, é aluna do ensino fundamental na rede pública. Embora tenha acesso a internet, ela sente dificuldade em entender as matérias do jeito que a professora ensinava. “Tem sido difícil porque não tem a professora pra explicar, mas minha mãe, minha irmã mais velha e a madrinha dela tentam me ajudar quando peço, mas não é a mesma coisa.”, lamenta Ana.

Com o isolamento social, os responsáveis estão com a missão de auxiliar as crianças nestas atividades remotas, entretanto, outros pais não puderam aderir à quarentena por conta do trabalho. Como é o caso de Josivania Melo, 38 anos, mãe de crianças que estudam na rede pública. Assumir o papel de professora e conciliar com o retorno aos trabalhos tem sido desgastante pelo fato de não saber ensinar ou não lembrar dos conteúdos que estudou há anos. 

“Tenho feito o que posso, pesquisando na internet, converso com professores, tento entender a matéria pra conseguir passar pras minhas filhas, mas penso nas mães que não têm acesso. Esses dias eu tive de ajudar uma das mães que não entendeu a atividade, ela comentou que tem sido muito complicado acompanhar as atividades que são passadas pela professora.”

Já a professora Dione Prado, que também tem um filho na rede pública, relata que o ensino remoto é um ensino mais de ficar relembrando as matérias que aprenderam. Toda semana a professora do filho envia uma apostila para estudos contendo material de artes, religião e as matérias básicas como, português, matemática e ciências. A meta do filho é conseguir uma vaga no Colégio Pedro II, instituição de ensino público federal, no Rio de Janeiro. “No final do mês de junho, percebi que ele ficou muito nervoso, muito estressado, desanimado, não queria fazer porque a preocupação dele é: “Eu vou perder meu ano? Como é que vai ser isso? Eu vou aprender alguma coisa?””

Alunos especiais requerem mais atenção

A oferta de ensino remoto ainda acomete estudantes têm dificuldades de aprendizagem decorrente de transtornos ou distúrbios, os quais necessitam de abordagem diferenciada ou especializada. Nestes casos, é preciso o auxílio de psicopedagogos, orientadores educacionais e mediadores para conduzi-los na rotina escolar. No entanto, além da falta desses profissionais durante a pandemia, o confinamento ainda pode os deixar mais suscetíveis a desenvolver outros problemas.

Lúcia de Fátima Barbosa é mãe de Brian, que é autista, e se queixou da ausência desses profissionais durante este momento. “A escola não tem feito muito pelo meu filho que é autista leve. Ele faz acompanhamento, mas a escola não tem entrado em contato. Fico preocupada quando retornarem, em como ele vai estar”, afirmou. 

Ao contrário do que muitos pensam, nem a rede privada tem conseguido dar suporte aos estudos dos alunos. Segundo a Dra. Gessika Amorim, pediatra e especialista em saúde mental e neurodesenvolvimento infantil, cada aluno apresenta questões individuais. “Convivo com escolas que têm abraçado a causa, e se esforçam para atender melhor estas crianças, como convivo com escolas que não têm conseguido abraçar a causa. Do mesmo modo, eu vejo psicopedagogos e fonoaudiólogos que estão fazendo atendimento online, e tenho visto outros que não estão fazendo, o que tem gerado angústia e maior índice de desenvolvimento de transtornos emocionais.”, avalia a especialista.

*Amanda Gomes, correspondente local sob supervisão de Michel Silva no programa de microbolsas do Fala Roça, em parceria com Repórteres Sem Fronteiras – Brasil

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