Como as fakes news prejudicam o combate ao coronavírus na Rocinha

Moradores trocam informações duvidosas através das redes sociais
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Desde o início da pandemia de Covid-19 que atinge todo o país, as pessoas estão expostas a outro tipo de ameaça: as fake news, em tradução, significa notícias falsas. Essa é mais difícil de combater, pois não há cura. Só nos resta combater.

Em poucos minutos interagindo em grupos de WhatsApp, é possível se deparar com familiares, amigos e vizinhos compartilhando descobertas de cura da Covid-19 e métodos que impedem a contaminação pelo vírus. 

Ao ganhar forças, essas notícias falsas demonstram o perigo que é o compartilhamento desenfreado de informações duvidosas. A pandemia da desinformação pode gerar efeitos perigosos, desde causar pânico social, prejudicar a saúde mental, desgastes políticos, linchamentos, difamações, calúnias e injúrias.

O WhatsApp é a principal fonte de informação de mais de 79% da população brasileira, de acordo com pesquisa feita em 2019, pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. As notícias falsas compartilhadas no app são tantas que muitos jornais se viram obrigados a criar campanhas para verificar a veracidade do que é compartilhado nas redes sociais, como é o caso do Fala Roça.

Durante uma semana, acompanhamos grupos de moradores pelo WhatsApp para observar a quantidade informações duvidosas como doação de cestas básicas, distribuição de botijão de gás, criação de receitas milagrosas e até mesmo distribuição de máscaras infectadas são compartilhados sem nenhuma preocupação. O problema maior surge quando essas notícias falsas incentivam a quebra de protocolos de segurança ou subestimam o potencial do vírus. 

Com uso de máscaras, moradores e comerciantes dividem espaço na Feira do Boiadeiro. Foto: Diego Cardoso

Em um áudio, uma pessoa diz que máscaras chinesas contaminadas foram enviadas ao Brasil para serem distribuídas à população. Mensagens como essa, além de não terem nenhuma comprovação da veracidade do conteúdo que transmitem, também podem gerar receio e afastamento da população em relação ao uso da máscara. A mensagem foi desmentida em abril pelo Ministério da Saúde.

“O Ministério da Saúde afirma que não há nenhuma evidência que produtos enviados da China para o Brasil tragam o coronavírus (COVID-19). Argumenta ainda que os vírus geralmente não sobrevivem muito tempo fora do corpo de outros seres vivos, e o tempo de tráfego destes produtos costuma ser de muitos dias. Geralmente, o vírus só é transmitido entre humanos e não sobrevive mais de 24 horas fora do organismo humano ou de algum animal.”

Outro exemplo de fake news bastante compartilhada diz que fazer gargarejo com água e sal protege contra a Covid-19. Isso não passa de um mito. Não há, até o momento, nenhum método comprovadamente eficaz além do distanciamento social.

Resistência ao uso de máscaras

A circulação de moradores sem máscaras nas ruas da Rocinha aumentou nas últimas semanas. A falta de renda, a fome e o desemprego aumentam o drama vivido na favela. O comércio reabriu a partir de um plano de reabertura gradual proposto pela Prefeitura do Rio. Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) alerta que com a flexibilização, o coronavírus continuará circulando e o número de casos e mortes poderá aumentar se as medidas de distanciamento social não forem respeitadas. Recentemente, uma estimativa feita pela prefeitura apontou que 16 mil moradores da Rocinha podem estar infectados com o vírus.

O presidente da Associação de Moradores da Rocinha está frustrado com o aumento da circulação de moradores nas ruas. O aparente fim do isolamento social dificulta o trabalho que vem sendo realizado desde o começo da pandemia. “Fico um pouco frustrado com tudo isso porque lutamos tanto para que as coisas viessem ser informadas. As pessoas não estão se importando com a vida. Principalmente, com a vida do próximo porque quando você está assintomático, você transfere a doença para aquela pessoa que está saudável. Isso me entristece quando os próprios moradores estão perdendo familiares e banalizando essa doença. Isso trás um alto risco a todos que não tiveram a doença”, avalia Wallace Pereira.

Esses fatores só contribuem para que o número de casos na Rocinha continue aumentando. A falta de informação e a crença em notícias falsas, aliadas à baixa testagem e péssimas condições sanitárias já evidentes por conta da desigualdade podem ser agentes potencialmente fatais para essa população. Vale lembrar que as pessoas mais atingidas com a pandemia são os que não possuem recursos e condições suficientes para garantir um tratamento adequado nem para privar-se do trabalho por tempo indeterminado. 

Em entrevista ao jornal Voz das Comunidades, o Dr. Drauzio Varella, comentou a decisão do presidente Jair Bolsonaro que vetou o uso obrigatório de máscaras em comércio, escolas e templos. “É uma decisão criminosa. Você acha que o vírus vai pensar assim: “não, na igreja eu vou respeitar e não vou ser transmitido na igreja.” Você acha que ele vai fazer isso? “Porque essa pessoa é uma pessoa religiosa, temente a Deus e respeita os princípios. O vírus não quer saber. O vírus transmite na hora que eu falo, na hora que eu tosso, quando eu aperto a mão da outra pessoa. O que faz um governante tomar uma medida como essa? Eu, sinceramente, acho isso um crime”, afirmou o médico Drauzio Varella.

Dias depois, Jair Bolsonaro testou positivo para Covid-19. Ao todo, 108 servidores da Presidência tiveram a doença desde o começo da pandemia.

Sem previsão de vacina para a cura da Covid-19, as máscaras de proteção continuam sendo uma das maneiras mais eficazes de proteção individual. Incentivar a chegada de informação de qualidade em lugares que enfrentam historicamente o distanciamento das ações públicas é essencial para minimizar os abismos sociais de nosso país e salvar vidas da população mais pobre e periférica.

*João Bandeira, correspondente local sob supervisão de Michel Silva no programa de microbolsas do Fala Roça, em parceria com Repórteres Sem Fronteiras – Brasil

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