Favelas no G20: Carta de recomendações políticas é entregue ao Governo Brasileiro

Documento elaborado por lideranças comunitárias destaca a importância de políticas públicas para favelas e periferias no cenário global do G20
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O Favela 20 (F20), realizado no dia 4 de novembro na Praça do Teleférico, no Morro do Adeus, Zona Norte do Rio, marcou o lançamento de uma carta de recomendações políticas ao G20, fórum que reúne as maiores economias do mundo. A cerimônia reuniu autoridades políticas, organizações civis, lideranças comunitárias e moradores de favelas e periferias. 

A iniciativa tem como objetivo ampliar a discussão sobre o papel das favelas e periferias na luta por justiça social, abordando questões como desigualdade, segurança pública e impactos ambientais. O documento de recomendações políticas, construído por mais de 300 organizações periféricas e entregue ao governo brasileiro, tem seis eixos temáticos para colocar a favela no debate global: 

  • combate às desigualdades, pobreza, fome e promoção da saúde mental; 
  • combate a crise climática e promoção da transição energética justa; 
  • acesso à água potável, saneamento básico e higiene pessoal;
  • combate a risco de desastres naturais; 
  • transformação, inclusão digital e cultural; 
  • finanças sustentáveis;

Rene Silva, 31, cofundador do F20 e fundador do Voz das Comunidades, destacou o objetivo do documento e a importância da favela participar deste debate global. Para o ativista, o fórum internacional precisa inserir territórios favelados e periféricos nas políticas públicas.

“Todos esses temas [da carta de recomendações políticas] passam pelo cotidiano de quem mora na favela. Nossa mobilização buscou transformar como a política internacional é conduzida. Diante dos desafios que enfrentamos, é fundamental agir com urgência e direcionar investimentos para as favelas e periferias, não apenas no Brasil, mas em todas as nações que compõem o G20. Só assim poderemos construir soluções verdadeiramente inclusivas e justas para todos”, disse Rene. 

A programação, iniciada às 9h, contou com dois painéis de debate intitulados de ‘Favela 20: Desafios Locais, Respostas Globais’ e ‘Financiando o Futuro das Favelas: Onde Estamos e Para Onde Vamos?’, além de oficinas educativas para crianças e adolescentes. No final do evento, a artista indígena Kaê Guajajara realizou uma intervenção cultural com a instituição Aldeia Marakanã. 

Após o primeiro debate, foi realizada a cerimônia de apresentação e entrega da carta ‘communiqué’ (comunicado oficial em francês). A carta é um policy brief, documento que apresenta informações, problemas e soluções para os tomadores de decisão. Este communiqué foca nas favelas e periferias e é baseado em pesquisas científicas e vivências locais dos moradores.

Durante o ato, autoridades políticas nacionais e internacionais marcaram presença e assinaram a carta recomendativa. Figuras como Marcio Macêdo, ministro de Estado da Secretaria-Geral da Presidência da República, Ronald Sorriso, Secretário Nacional da Juventude, Nicolau Beltrão, assessor do Conselhão da Presidência da República, Jessica Ohana, Assessora Especial do Gabinete do Governador e representantes do G20 aprovaram o documento. 

Ronald Sorriso, Secretário Nacional da Juventude, reiterou a importância do documento ser levado à cúpula do G20 e o impacto positivo que beneficiará os moradores de favelas e periferias do país. 

“A gente tá vivendo um momento inédito na história do G20, que é essa aproximação do povo com a cúpula de líderes englobando temas sociais. Isso era raramente feito. O Brasil tem mais de 16 milhões de moradores de favelas, não tem como não falar de temas econômicos, sociais e geopolíticos sem falar da favela e como cada decisão afeta elas”, comentou o secretário. 

E também pondera que outras autoridades ficarão contentes em saber que a carta do F20 é um documento sólido e assertivo, beneficial para o povo favelado e periférico. “Acho que outras autoridades vão ficar impactados com o documento que tenho na mão pela qualidade e assertividade nos temas. Os tópicos serão incorporados, de alguma forma, tanto na postura do Brasil ao negociar esses temas e na reflexão dos outros países.” 

As ministras Anielle Franco, do Ministério da Igualdade Racial, e Esther Dweck, do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos do Brasil, expressaram em vídeo, apoio ao F20 e comentaram sobre a importância do documento que reivindica direitos civis, construído por pessoas faveladas e periféricas. 

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o Brasil conta com mais de 10 mil favelas e periferias. O número de moradores nesses territórios chegam a mais de 16 milhões, representando 8% dos brasileiros. 

Lucia Cabral, coordenadora do projeto EDUCAP (Espaço Democrático de União, Convivência, Aprendizagem e Prevenção), desabafou sobre a carta política. Ativista e assistente social, ela tem mais de 40 anos na luta pela melhoria das favelas e deseja que as reivindicações do documento se concretizem futuramente.

“As autoridades tinham que estar na plateia nos escutando para fazer valer a nossa voz. Não pode ser mais um papel, apenas um documento. Ação mesmo, a gente [favelado] pouco vê. Eles [autoridades] tinham que ter ficado depois da entrega da carta para escutar a favela falar. É o momento mais importante porque é quando a favela tem vez e voz. Infelizmente acho que vai ser só mais um documento,” expressa a ativista. 

Ela também compartilha a esperança do cenário atual das favelas e periferias mudarem, apesar da luta contínua. “Somos cidadãos e cidadãs lutando por um bem comum. Nossas vozes ecoam através da carta que foi lançada, mas essas reivindicações precisam ter continuidade em outros governos. Somos resistência, resiliência e temos que acreditar que em algum momento o jogo vai virar. Por isso estamos aqui e o F20 é sobre isso” 

Por outro lado, a moradora Geni Figueiredo, 58, moradora do Morro do Adeus há 14 anos, acha que o F20 é importante e faz com que as autoridades políticas olhem mais para as favelas e possam construir políticas públicas de qualidade.

“Temos que ter mais educação, saneamento básico e áreas de lazer para as crianças. Quero mais segurança pública na cidade. É horrível sair de casa e não saber se vai conseguir voltar… Eu saio olhando para os lados e rezo para voltar [pra casa] em segurança. Espero que os políticos venham [nas favelas e periferias] e olhem mais para as favelas após o F20. Não só os políticos do Brasil, mas do mundo”, desabafa Geni. 

E complementa ao pedir para os governos pensarem mais nestes lugares. “Precisam fazer alguma coisa pelas favelas porque tem muita família honesta e trabalhadora, como eu. Acredito que isso vá mudar futuramente.”

De acordo com dados do Instituto Fogo Cruzado, até junho deste ano, 55 pessoas foram atingidas por balas perdidas, com 40 feridos e 15 mortos. No mesmo mês, a região metropolitana do Rio teve a semana com o maior número de vítimas de balas perdidas.

Mariana Galdino, 25, cofundadora do instituto Decodifica e pesquisadora, ressalta a importância e marco do F20. Para Galdino, o evento é simbólico para pautar e discutir os problemas e possíveis soluções que existem nas favelas, comunidades e periferias urbanas. 

“O F20 é muito importante pra gente que trabalha com favelas e periferias. É preciso entender a importância de colocar a favela no centro de discussões globais, nacionais, locais e principalmente na esfera pública. Esse evento traz várias organizações e lideranças, é um local onde levantamos nossas demandas e soluções, a partir das nossas vivências e saberes”, pontuou Galdino.

A pesquisadora também tem a expectativa da carta de recomendações não ser apenas um papel assinado. “Espero que cartas como essa [do F20] tragam políticas públicas que sejam efetivadas e aplicadas nos territórios. A participação social foi fundamental nesse processo, porque não tem como criar políticas públicas de cima pra baixo. É necessário ter o povo pensando, monitorando, fiscalizando para implementar as políticas públicas.”

Para Luís Melo, 26, estudante e morador da favela do Acari, o F20 é crucial para o desenvolvimento social das favelas brasileiras. Ele, assim como outros membros, participou ao longo do ano das reuniões para a construção communiqué com outras organizações e luta pela diminuição dos impactos ambientais e climáticos nas favelas.

“Nós [participantes da carta do F20] debatemos, trouxemos ideias e eram ideias de pessoas do Brasil todo. De favelas, quilombos, diversos lugares marginalizados que ajudaram a chegar a materialização do communiqué. Espero que esse documento reverbere em políticas públicas, principalmente na pauta climática, porque minha favela [do Acari] é atravessada pelo racismo ambiental. Lá, enchentes acontecem constantemente…”, contou Luís.

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