Da Rocinha a Maré: a laje é o play da favela
Uma característica comum na paisagem das favelas é a laje. Na Rocinha, não é diferente. Essa área da casa é usada de diferentes formas, inclusive, para o acesso ao lazer enquanto uma prática cultural que atravessa gerações de famílias.
“Eu costumo fazer festa aqui [na laje dela], de são joão, carnaval, a gente junta os amigos e faz a farra até o amanhecer”, detalha Maria José Nascimento, conhecida como Fia, de 57 anos e moradora da Dioneia.
“Isso aqui à noite vira uma boate”, completa a dona da laje, mostrando um vídeo de uma das vezes que contratou uma cantora para fazer show no ambiente de lazer da casa.
Esse ambiente, visto de fora, pode parecer uma área da casa inacabada, por ser aberta ou murada pela metade, mas a laje é um lugar de entretenimento e afetividade dos moradores.
“Na laje da Fia a gente fica na piscina, mesmo pequena entra um monte de gente e a gente se diverte, fazemos o chão da laje de escorrega, a gente bota shampoo, creme de cabelo no chão e começamos a escorregar”, conta Sandra Maria Luna, de 44 anos, frequentadora da casa da Fia.
Ter uma laje na Rocinha, em muitos casos, pode ser visto como um privilégio, o acesso a esse espaço fortalece diversas relações, as familiares, de amizade, do contato com a natureza e com os animais de estimação.
A infância de muitos moradores que tiveram ou tem laje também é marcada por lembranças afetivas vividas naquele espaço da casa: “Aprendi a soltar pipa com meu pai, tive poucos momentos com ele e esse foi um dos momentos que ficou gravado”, relata Carlos Oliveira, de 27 anos, morador do sete.
A prática de utilizar a laje para de se divertir vai atravessando gerações de famílias na Rocinha, Carlos permanece utilizando da laje “pra tomar um solzinho e fazer festas em aniversários ou feriados”, e também se divertir na piscina com sua mãe, sobrinho e a filha dele em dias de calor no morro.
Outras lajes do morro também tem um papel social importante para a favela, alguns projetos sociais e atividades são realizadas nas lajes da Rocinha. É o caso do Centro Social Educação e Cultura, uma ONG criada pelo Tio Nando, que acontece na Rua 3.
Uma das atividades realizadas na laje do projeto social é o Grupo de Mulheres, orientado por médicas da Clínica Maria do Socorro. O coletivo é um lugar de acolhimento para mulheres da Rocinha, um lugar seguro para se expressar e fortalecer o autocuidado.
“Remover as barreiras da formalidade dos consultórios e aproximar a discussão para perto dos lares foi sem dúvidas uma forma de fortalecer o vínculo entre a Clínica da Família e a comunidade”, ressalta Karine Piancastelli, de 31 anos, médica da clínica da família e orientadora do grupo.
O contato com a natureza e com a paisagem do morro também não fica de fora quando o assunto é utilizar o espaço da laje, os moradores criam suas plantas e mini hortas nesse espaço. Além disso, é o local onde alguns moradores criam os animais de estimação.
As conexões que esse espaço de convivência fortalece são incontáveis, é um lugar fundamental para muitos moradores, principalmente quando relacionado às crianças, que necessitam de um lugar seguro e de fácil visualização. A diversão fica à mercê da criatividade de cada morador e ter uma laje pode proporcionar esse lugar, que o poder público permanece negligenciando nas favelas.