Líder em turismo, Rocinha continua apagada do mapa turístico da prefeitura
Apesar dos mais de 190 mil visitantes em 2023, Rocinha e outras favelas aparecem “apagadas” no mapa
Quando os turistas chegam ao Rio de Janeiro, eles desembarcam buscando o roteiro perfeito para conhecer a cultura carioca. A Riotur oferece gratuitamente, em seu site e nos postos de informações turísticas espalhados pelos aeroportos, um mapa oficial com atrações culturais, polos gastronômicos e opções de transporte pela cidade. Mas quem olha com atenção percebe algo estranho: as favelas estão ali, marcadas em amarelo, porém completamente vazias, como se fossem territórios silenciosos, sem presença cultural, sem memória, sem voz.
Esse apagamento contrasta com os dados da própria Prefeitura: em 2023, a Rocinha recebeu mais de 190 mil turistas, superando pontos tradicionais como o Cristo Redentor e o Pão de Açúcar.

A Riotur afirmou, em maio de 2023, que criaria um novo mapa turístico com base em nova cartografia. A previsão era de lançamento até o segundo semestre daquele ano. Dois anos depois, nenhuma atualização foi realizada.
Enquanto a SMTUR-RIO é um órgão da administração pública responsável por planejar e formular políticas para o turismo no Rio de Janeiro, a Riotur atua como a empresa municipal encarregada da execução dessas estratégias, focando na promoção de eventos e no fortalecimento do setor turístico, por meio de programas e celebrações como o Carnaval e o Réveillon.
Kamila Carvalho, baiana de 28 anos, planeja visitar o Rio pela primeira vez. Ao ver as favelas destacadas em amarelo e sem informações, sentiu-se insegura. “Soa como um alerta. Se o mapa oficial indica isso, vou achar que é perigoso. Poderiam criar uma rota segura e mostrar os lugares bonitos da Rocinha”, sugere.
Em resposta a esse apagamento, o Fala Roça lançou o Mapa Cultural da Rocinha em 2015, identificando mais de 100 manifestações culturais. Em 2023, com apoio do Programa de Fomento Carioca (Foca), a 2ª edição mapeou mais de 200 iniciativas, reafirmando o potencial criativo e econômico do morro.
Camila Moraes, fundadora do Observatório de Turismo em Favelas, destaca que a exclusão desses territórios é recorrente em materiais públicos. “Há um apagamento das favelas nos mapas turísticos oficiais. Em 2017 e 2018, houve tentativas de diálogo com a ALERJ por parte de guias locais, mas nada foi consolidado”, afirma.
O turismo na Rocinha começou nos anos 1970, com Paulo César “Amendoim”, que levava hóspedes do Hotel Nacional para conhecer o morro. O fluxo aumentou a partir da ECO-92, quando as favelas ganharam atenção internacional. “A Rocinha foi o ponto de partida para o turismo em favelas no Rio, depois expandiu para o Vidigal”, conta Moraes.
Segundo o Observatório de Turismo Carioca, mais de 9 milhões de turistas visitaram o Rio no primeiro semestre de 2024, um aumento de 5,5% em relação ao ano anterior. O turismo de favela segue essa tendência, movimentando a economia local e dando visibilidade às expressões culturais dos territórios.
Na Rocinha, cruzar com turistas e guias locais se tornou parte do cotidiano. Gilmar Fernandes, de 38 anos, é guia há seis anos e vê o turismo como ferramenta de valorização. “A Rocinha tem muito potencial, é lugar de gente empreendedora e trabalhadora. Temos que mostrar isso para o mundo. Quem visita à favela leva essa imagem adiante. A Rocinha é hoje um dos lugares mais pacíficos do Rio”, afirma.
Procurada pelo Fala Roça, a Secretaria Municipal de Turismo não respondeu até o fechamento desta edição. Em julho de 2024, o órgão afirmou que o mapa estava sendo reformulado para incluir roteiros em favelas. O Fala Roça continuará acompanhando o caso.