Moradores criam escola de cinema na Rocinha para promover inclusão no mercado cinematográfico
Após mais de uma década imerso na indústria audiovisual, Marcos Braz identificou um déficit de pessoas oriundas das favelas no mercado cinematográfico e decidiu transformar a inquietação em ação. Assim, surgiu o sonho de fundar uma academia de cinema na Rocinha, em conjunto com a companheira Michelle Estevan. O objetivo é despertar o potencial artístico e criativo dos talentos do morro e de favelas vizinhas.
“E as outras histórias? De amor, de superação”, questiona Marcos Braz, de 42 anos, idealizador da Academia de Cinema. Ele critica as produções cinematográficas já existentes que, na opinião dele, insistem em reforçar um estereótipo pejorativo sobre os moradores de favelas e periferias, destacando somente os episódios de violência.
A ACR, abreviação para Academia de Cinema da Rocinha, quer redefinir os padrões, impulsionar a criatividade e trazer inclusão para a produção cinematográfica no país. A escola de cinema está localizada no 7º andar do Rinaldo De Lamare, que recebeu apoio da Assistência Social para conseguir locação no prédio. No entanto, no mês de março, a ACR, também terá cursos ministrados na Biblioteca Parque da Rocinha C4.
“Isso aqui é uma operação criativa”, conta Marcos Braz. O diretor quer promover uma revolução nas narrativas audiovisuais sobre favelas. “A gente precisa trazer o nosso ponto de vista. O tempo todo o mundo olhou para gente, agora, [quero mostrar] como que olhamos o mundo?”, completa.
O fundador da escola, com colegas de profissão, acreditam compreender as demandas da indústria criativa do audiovisual. Por isso, eles elaboraram para a Academia de Cinema da Rocinha um plano estratégico abrangente, que vai desde a estrutura pedagógica ao suporte financeiro do projeto. Além disso, eles possuem uma ampla rede de contatos no meio audiovisual.
“Eu passei o chapéu mesmo para amigos, grupos e pessoas que não conheço pedindo apoio financeiro… e correndo atrás de pessoas disponíveis para dar as oficinas”, conta Daniele Castro, 53 anos, coordenadora da Academia de Cinema.
A partir dessas articulações, eles conseguiram matérias escolares, professores voluntários, lanches para sessões de cinema e as aulas das oficinas, além de contatos com diretores para palestrar para os participantes da escola.
Superando obstáculos com determinação e metas
Um dos princípios da ACR é futuramente se tornar uma referência nas produções cinematográficas das favelas. Para isso, como proposta pedagógica, a escola aposta na troca de conhecimento entre os participantes das oficinas com “professores de ponta do mercado”, segundo Marcos Braz. A ideia é que os alunos possam aprender a manusear equipamentos de vídeo e som avançados para realizar as próprias produções criativas ou ingressar no mercado de trabalho.
“A Rocinha reflete um pedaço do mundo”, opina Marcos Braz. Por isso, ele acredita que a escola de cinema no morro possa ser não só referência, mas um projeto de formação internacional: “mas que nasce dentro de uma favela”. E completa: “A Academia de Cinema da Rocinha tem essa potência”.
Porém, o projeto começa enfrentando uma dificuldade comum dos produtores audiovisuais das favelas e periferias do Brasil: a escassez de equipamentos. Os materiais e equipamentos como câmeras (a partir de R$5.000) e computadores utilizados no audiovisual (a partir de R$4.500), em geral, têm um custo elevado.
Por ser uma instituição ainda em desenvolvimento, a escola está ainda em fase de arrecadação para poder oferecer aulas que estimulem a produção e o conhecimento prático dos participantes.
A instituição também quer oferecer aos alunos a oportunidade de participar de eventos, festivais de cinema e música, além de visitas a estúdios de gravação. Essas atividades visam proporcionar aos estudantes uma compreensão prática do funcionamento da indústria, contribuindo para a formação profissional.
“A gente quer fazer cursos imersivos, para grandes eventos da cidade como o Rock in Rio. Queremos que esse ano, eles [os alunos] participem do evento, a partir de um curso de captação de áudio ou de vídeo”, detalha Marcos Braz.
A meta da academia para 2024 é proporcionar duas formações de longa duração, entre três a seis meses, com previsão de começar em março. O curso propõe capacitar os estudantes não apenas na elaboração de projetos culturais, mas para dominar a operação de equipamentos e a produção de conteúdo cinematográfico.