Via Sacra da Rocinha é cancelada por falta de financiamento

Sem apoio financeiro, a apresentação da Via Sacra da Rocinha 2025 foi suspensa, deixando um vazio na cena cultural da Rocinha, a maior favela do Brasil.

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Uma tradição de décadas na favela, o espetáculo artístico Via Sacra da Rocinha não será realizado em 2025. Coincidentemente, no ano em que completaria 33 anos de existência — mesma idade atribuída à morte de Jesus Cristo —, e, nesse contexto atual, o papel de Pôncio Pilatos é exercido pelas organizações que fomentam cultura, que não apoiaram a manifestação popular.

O evento enfrenta a primeira interrupção oficial na história por falta de financiamento, com exceção dos anos pandêmicos. Encenada nas ruas da Rocinha, a Via Sacra é uma manifestação artística itinerante que revisita criticamente a trajetória de Jesus na Terra, trazendo atualizações e reflexões atuais a cada edição. No entanto, neste ano, ficará restrita às lembranças das apresentações passadas.

“É muito triste que a gente esteja no Brasil, em que se tanto fala de diversidade, de assistência para esses territórios [favelados e periféricos], um discurso muito bonito, mas que, na prática, é feio, competitivo, em um nível em que, se eu não participar, estou fora e não há outra alternativa.”, reflete Aurelio Mesquita, 59 anos e diretor do espetáculo.

Apresentação artística da Via Sacra da Rocinha na Biblioteca Parque da Rocinha, em 2024. Foto: Flávio Carvalho

O anúncio do cancelamento foi feito pelos diretores do espetáculo, Aurelio Mesquita e Robson Melo, e tem circulado em grupos de WhatsApp, gerando comoção entre os moradores. “Nesses anos, a Via Sacra sempre precisou do incentivo financeiro de terceiros. Podemos nós [moradores] ser esse apoio”, sugeriu um dos membros, recebendo incentivo de outros integrantes da comunidade.

Os organizadores do espetáculo buscaram financiamento junto às secretarias de cultura do Estado e do município, assim como nas pastas voltadas para o turismo, considerando a Rocinha um dos polos de entretenimento para turistas, tanto brasileiros quanto estrangeiros. No entanto, nenhum desses órgãos públicos deu um retorno positivo.

O espetáculo, orçado em aproximadamente R$ 470 mil, poderia ser apoiado através da Lei de Incentivo à Cultura. No entanto, de acordo com Aurélio, as exigências burocráticas dificultam o acesso ao recurso, especialmente para os fazedores de cultura que não têm contato com empresas que podem financiar o projeto por meio de incentivos fiscais.

Segundo Aurélio, o fomento à cultura por meio de editais passou a adotar uma lógica de mercado: “Essa maneira está transformando os nossos direitos em mercadoria, isso é um absurdo. Há pessoas que nascem e nunca vão ao teatro, cinema ou em uma exposição de artes”, ressalta.

A interrupção da encenação em 2025 levanta questionamentos sobre o futuro da histórica manifestação cultural e sobre a falta de incentivo a iniciativas artísticas dentro das favelas. No entanto, a esperança de que o espetáculo ocorra no próximo ano segue de pé, e há conversas para ser financiado por meio de uma emenda parlamentar da Alerj, mas “nada é concreto”, desabafa Aurélio.

“A Rocinha é gigante, mas está adormecida! Esse ano a gente desistiu para ver se as pessoas acordam. Eu gostaria muito que a favela acordasse, resolveria muitos dos nossos problemas”, enfatiza.

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