Moradores reivindicam a construção de um Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (CAPSI) na Rocinha
Os CAPSi são destinados a regiões com mais de 70 mil habitantes, coincidindo com a densidade populacional da Rocinha, conforme o censo do IBGE de 2010
“Eu daria tudo para não conhecer essa dificuldade, é tudo muito difícil para conseguir”, desabafa Bianca Felix, 26 anos, mãe atípica de uma criança de 6 anos. O lamento dela espelha o desespero compartilhado por diversos outros responsáveis na Rocinha, que enfrentam uma jornada difícil para acessar serviços públicos de saúde destinados às crianças com deficiência.
A Secretaria Municipal de Saúde relata que, atualmente, nas três unidades de saúde da Rocinha, 813 crianças e adolescentes diagnosticados com transtornos mentais estão registrados no sistema. Porém, apenas 246 crianças e adolescentes do morro recebem acompanhamento contínuo no Capsi Mauricio de Souza. Localizada em Botafogo, a unidade é especializada em saúde mental e atende todas as áreas e bairros da Zona Sul do Rio.
No encontro do ‘Desenrola Rocinha’, promovido pelo Jornal Fala Roça, que abordou melhorias para Pessoas Com Deficiência (PCD) na favela, a construção de um Centro de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil na Rocinha foi identificada como prioridade. A demanda também foi destacada na carta coletiva da Rocinha em defesa da primeira infância, divulgada pelo CIESPI.
Típicos e atípicos são termos usados para definir o desenvolvimento de uma criança ou adolescente. Por exemplo: um aluno com deficiência intelectual ou física pode ter um desenvolvimento atípico do esperado para determinada idade. Logo, ele irá crescer e aprender de uma maneira diferente do típico para aquela etapa da vida em relação às pessoas sem deficiência. Fonte: UOL
Uma das principais dificuldades enfrentadas pelos responsáveis é a escassez de vagas para o diagnóstico médico e o tratamento multidisciplinar contínuo para crianças PCDs. As mães da Rocinha são obrigadas a procurar soluções em projetos sociais, custear consultas particulares ou buscar os centros de referência da Pessoa Com Deficiência para acessar os profissionais de saúde.
“O meu filho está na fila para ter atendimento com fonoaudióloga, psicopedagoga, neurologista e até agora nada porque demora”, conta Rafaela Santos, de 27 anos, mãe de uma criança de 7 anos. O tratamento multidisciplinar é crucial para o desenvolvimento da criança atípica, proporcionando mais autonomia e maior interação social com os familiares e a população.
O que são os CAPSI
Os CAPSI são locais de atendimento para crianças e adolescentes com intenso sofrimento psíquico decorrente de transtornos mentais graves e persistentes, incluindo aqueles relacionados ao uso de substâncias psicoativas, e demais situações clínicas que impossibilitem estabelecer laços sociais e realizar projetos de vida.
A unidade de Botafogo, que atende todas as regiões da Zona Sul, enfrenta uma alta demanda de pacientes, resultando em sobrecarga e falta de profissionais para atender adequadamente. Como consequência, muitos pais e responsáveis acabam desistindo de tentar obter vaga para o atendimento de seus filhos, devido à necessidade de aguardar por meses nas filas para ter acesso aos atendimentos.
No mês de janeiro, a unidade registrava um total de 769 crianças e adolescentes em acompanhamento. “O atendimento de lá é péssimo. Não vou levar meu filho mais ali, porque eu quero levar meu filho em uma rede de apoio que eu me sinta bem, onde eu saia feliz e eu não estou tendo isso lá. Eu entro e é só estresse, as pessoas [o atendimento] estressadas. Um entra e sai de profissional, porque ninguém fica, é muito trabalho”, detalha Rafaela Santos, de 27 anos.
Opção na Rocinha?
Outra unidade, que também atende a região da Rocinha, é o Centro de Referência da Pessoa com Deficiência, no Centro de Cidadania Rinaldo De Lamare, em São Conrado. Segundo dados, obtidos pela Lei de Acesso à Informação, 351 pessoas com deficiência são cadastradas e recebem atendimento social contínuo na unidade. Porém, deixaram evidente que nem todos os cadastrados eram crianças e podiam ser de áreas adjacentes à Rocinha.
“Tem criança da Rocinha que é atendida lá no Mato Alto, porque aqui (Centro de referência da PCD) não tem vaga”, relata Grécia Valente, de 43 anos, sobre um dos casos que acompanha no Mães Valentes. O projeto oferece serviços psicológicos para mulheres que cuidam de crianças com déficits e transtornos na Rocinha.
A carta de reivindicações dos moradores da Rocinha
Em outubro de 2023, o Centro Internacional de Pesquisas de Estudos sobre Infância (CIESPI), em conjunto com moradores, lideranças locais e profissionais representantes dos espaços de atendimento às crianças pequenas da Rocinha, lançaram uma carta coletiva pública com as reivindicações necessárias para a favela.
No documento, uma das solicitações aos órgãos públicos, é justamente a construção do CAPSI no Morro. Na favela, o crescimento de redes que defendem os direitos das crianças tem se fortalecido em conjunto, a partir de encontros mensais.
“Essa situação impossibilita a garantia efetiva de atendimento especializado em saúde mental e de forma continuada às crianças pequenas da Rocinha e suas famílias”, destaca à carta, em uns dos trechos.
Com as novas obras do Programa de Aceleração e Crescimento (PAC), somada com a promessa de uma maternidade na Rocinha, um dos projetos que pode ser acoplado ao projeto é a construção de um Capsi.
“Ja era pra ter essa unidade (CAPSI) na Rocinha, em 2010, mas essa parte de saúde naquela época não era tão falada, tanto que no IBGE, nem tem essa pergunta, se na família tem alguma pessoa com deficiência”, conta Grécia Valente.
Segundo a coordenadora do projeto social, Grécia Valente, uma das soluções para o déficit de vagas na Rocinha poderia ser um convênio para o uso de “salas de atendimento com profissionais”, dentro das unidades de saúde do Morro. Ainda que, a unidade central seguisse sendo o Capsi Mauricio de Souza, em Botafogo.
Para ela, o funcionamento das salas na favela é o que pode de fato garantir o acesso ao tratamento das crianças com deficiência com profissionais como fonoaudiólogos, terapeuta ocupacional, psicólogos, profissional de educação física porque assim “desafogará a fila do Sisreg e do Capsi”.