Após anos de intervenção do Estado, não resolvemos o grave problema de saneamento, analisa Tainá de Paula
Artigo faz parte da série 'Bairro a Bairro'
O ‘Bairro a Bairro’ de hoje é especial! Fizemos o roteiro museográfico do Museu Sankofa, na Rocinha, com a participação de Antônio Firmino, guia popular, geógrafo e mobilizador social. Também tivemos o prazer de fazer este percurso com a liderança da La Garganta Poderosa, Negra Albornoz. Foi lindo!
Saneamento, fantasma antigo na Rocinha
O que tem que ser dito textualmente na Rocinha? Saneamento. É impressionante que, mesmo após anos de intervenção do Estado, não resolvemos o grave problema de saneamento. É importante salientar que a Rocinha é o bairro recordista de doenças de veiculação hídrica, causadas por micro-organismos em água não tratada ou contaminada, que estão diretamente relacionadas com o problema do saneamento. O PAC investiu 300 milhões de reais e não resolveu o problema do saneamento na favela. Por “sorte”, não houve investimento ainda maior em ações mais equivocadas como o teleférico pelo então governador Sérgio Cabral. Quando o investimento em saneamento, super necessário, não é feito adequadamente os reflexos vem muito mais fortes em outra área, a saúde.
Reflexos na saúde
A Rocinha precisa falar de um tema ainda pouco explorado que é a densidade nas favelas. A Rocinha tem uma das maiores taxas de infecção de tuberculose da cidade, com 380 casos por 100 mil pessoas, enquanto a taxa nacional é de infecção de 37,2 casos por 100 mil pessoas. Isso é um reflexo direto da falta de ventilação das unidades habitacionais. Pra se ter uma ideia, a densidade da Rocinha é 5 vezes maior do que a média da zona sul do Rio de Janeiro.
Crescimento desordenado
Outro debate é sobre a mobilidade. Além de becos e vielas inacessíveis e nenhuma rota para portadores de deficiência, o trajeto da Estrada da Gávea é feito por vans, mototáxis e ônibus convencionais. É preciso estabelecer uma frota mais eficiente, que comporte os moradores e que não passe de 30 em 30 minutos apenas, que atenda as demandas reais da população.
A gente precisa falar de construção de casas sem assistência alguma da Prefeitura. É sabido que as pessoas constroem irregularmente, mas não é possível achar nenhuma saída para assistir as pessoas. E é fundamental falar das áreas de risco que estão sendo foco de ampliação da favela, como 99 e Laboriaux. E quando a Geo-Rio e a Defesa Civil vão realizar as obras de contenção no Parque Ecológico, que sofreu grande deslizamento recente com as chuvas. Há casas em risco visível! Nem precisa ser especialista pra saber que a população corre perigo de vida.
Além disso, é fundamental pensarmos no lixo. É urgente uma política de resíduos sólidos e uma ação direta da Comlurb na favela. E isso não é custo, é direito dos moradores. A favela produz 85 toneladas de lixo por dia. Ações de mutirão da empresa são comuns, mas insuficientes pra lidar com a realidade cotidiana da favela. Será que não temos tecnologia pra retirar o lixo de forma mais eficaz?
Para fechar, um tema espinhoso e que legitima a ausência do poder público. A segurança. É notório que o assunto não se encerrou com a UPP. É importante denunciar que o caminho da UPP se encontra escuro, abandonado e sucateado e sequer passou por término das obras. O anfiteatro de 17 milhões está abandonado e até hoje o Parque Ecológico segue sem pavimentação. Os dados oficiais são de 700 policiais na unidade. É o maior efetivo do Estado numa única região.
Texto originalmente publicado no Facebook pela arquiteta e urbanista Tainá de Paula, especialista em patrimônio cultural pela Fundação Oswaldo Cruz e mestre em urbanismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Produz a série ‘Bairro a Bairro’, onde escolhe um lugar da cidade para fazer uma análise aprofundada. Essa semana ela escolheu a Rocinha e trouxe um olhar sobre algumas de nossas questões mais graves, entre elas saneamento básico e seus reflexos no nosso cotidiano.