Roda Cultural da Rocinha valoriza artistas favelados e conta com nova geração

Há seis anos, as batalhas de rima acontecem na Praça do Skate Jorge Mamão

Se tu ama essa cultura, como eu amo essa cultura”. Esse é um dos gritos entoados todos os domingos na Praça do Skate Jorge Mamão. Semanalmente, jovens artistas de diferentes partes do Rio de Janeiro se reúnem para prestigiar e participar da Roda Cultural da Rocinha. Há quase sete anos, o movimento inspira e muda a trajetória de meninas e meninos da favela.

Após a ocupação militar na Rocinha, que trouxe o medo e a insegurança para os moradores em 2017, os jovens Michel Moreira, Einstein Negralha, DJ Lunna, Gabriel Vicente, Thais Rodrigues e Jhonatam M* sentiam falta de pontos de cultura no território. A ausência de arte na favela influenciou o grupo a criar a Roda Cultural da Rocinha, em junho de 2018. 

A primeira edição foi no Emoções. Hoje, o ponto fixo do encontro é Praça do Skate, na Curva do “S”. As rampas se tornam arquibancadas para assistir ao espetáculo promovido por quem transforma a vivência em arte. Em edições especiais, como aniversário da Roda Cultural, espaços como a Quadra da Roupa Suja, Esquina de Moscou e Quadra da Rua 1 também são ocupados. 

Coordenadores da Roda Cultural da Rocinha ao lado de participantes durante evento no morro. Foto: Daniel Grehs

De lá para cá, a equipe cresceu! Já são mais de duzentas edições, sendo uma média de e 60 edições por ano. O evento serve para jovens expressarem através do rap e trap suas realidades e mostrarem a sagacidade com rimas improvisadas. 

“Tenho para mim que a Roda surgiu numa necessidade de cultural e arte dentro da favela, uma oportunidade de firmar e reafirmar a bandeira do Hip Hop dentro da comunidade. Todo domingo entregamos uma edição inédita para o nosso público. Temos uma equipe que hoje pode ser considerada uma das melhores em produção da modalidade dentro e fora do estado do Rio de Janeiro e nosso trabalho já é reconhecido em território nacional”, conta Michel Moreira, vulgo Capitão, um dos fundadores da Roda Cultural.

A equipe de produção é marcada majoritariamente por jovens e crias de diferentes partes da Rocinha. A valorização da cultura favelada aproximou aqueles que antes só iam para assistir e agora colaboram nos bastidores. Foi assim com Michelle Veríssimo. A fotógrafa e moradora da Rocinha acompanhava as batalhas desde as primeiras edições e percebeu que as rodas não eram registradas em vídeo.  Reconhecendo a necessidade da divulgação na internet, ela trouxe essa sugestão para equipe, e até hoje contribui produzindo a parte audiovisual da Roda Cultural. 

“A internet alimenta seu trampo. Se não seguir o avanço, seu trampo fica para trás. Dei a ideia de gravar os vídeos para o YouTube e recebi esse convite. Falei que meu forte era fotografia, mas que tinha uma câmera e estava ali para somar. Desde então, a gente nunca mais parou de trabalhar a imagem da Roda nas redes sociais. Pra mim é gratificante demais fazer parte desse movimento social e cultural em que a gente pode fazer o outro acreditar em si próprio, acreditar nos seus próprios sonhos e outros caminhos”, garante Michelle.

Evento reúne uma multidão de jovens e adultos da Rocinha e de outras regiões do Rio. Foto: Daniel Grehs

Nesses anos de existência, o maior desafio é manter um evento semanal sem recursos. Nenhum dos organizadores recebe apoio financeiro. Pelo contrário, muitos deles tiram dinheiro do próprio bolso para manter a Roda Cultural. Equipamentos de som e audiovisual não são baratos e, concorrer a editais, tornou-se a estratégia para acessar recursos. 

Apesar das dificuldades, todo esforço da Roda Cultural da Rocinha traz bons frutos. A prova é a nova geração de MCs mirins que se destaca e até vence batalhas contra MCs adultos. 

Não é de hoje que os pequenos roubam a cena nas batalhas de rima. A começar pela condução das apresentações com Einstein Negralha e Isabella Sousa, de nove anos. Com pouca idade, ela domina o mic e agita a galera. Isa sempre frequentou a Roda da Rocinha com a mãe. 

Aos seis anos, começou a pedir o microfone para puxar os gritos que antecedem as disputas. Com o passar do tempo, ela assumiu o posto de Mestre de Cerimônia com maestria.“Eu acho interessante que tem muita cultura, muito amor. Quero fazer isso até crescer. Acho que tem bastante criança querendo se apresentar, rimar, ser mestre de cerimônia. Sempre gostei das rodas. Às vezes, fico em casa treinando os gritos. Me sinto muito feliz e a vontade”, conta Isabella. 

Assim como ela, Sagaz, de 14 anos, também se sente em casa nas batalhas. Ele começou a batalhar aos 13, e já tem vitória registrada nas folhinhas da Roda Cultural da Rocinha. O vulgo não é à toa: a sagacidade na improvisação é uma realidade e sua identidade. Conhecido como Diamante da Rocinha, ele constrói sonhos e metas dentro do mundo da arte e tem o apoio da família para prosseguir.

“Os desafios são a locomoção de um lugar para o outro, a pressão e o nervosismo, minhas metas são espalhar minha mensagem através do meu verso e ser um MC muito famoso. A Roda Cultural da Rocinha foi o primeiro lugar onde eu batalhei. Me senti acolhido pelos MCs e também pela organização. Minhas inspirações são todas as pessoas que são da organização da Roda Cultural da Rocinha e os MCs da área”, ressalta Sagaz.

Os mirins

Outra jóia rara das batalhas é Pyetrin, o rubi da Rocinha. Cria da Rocinha, ele observa a evolução das rimas dele em cada apresentação. Após perder na primeira vez que participou, foi incentivado pelos organizadores a continuar tentando. Aos 12 anos, Pyetrin acredita que está superando seus limites e enxerga a Roda Cultural como um gancho para outras oportunidades. No entanto, não deixa de reconhecer o lugar de quem está só começando. 

“Os mirins enfrentam um grande desafio. Não parece, mas sim enfrentamos! Quando chegamos em batalha, muitos olham rindo da nossa cara, outros subestimam. Quase ninguém nos leva a sério. Temos que provar que somos bons. E se não for naquele dia, vamos ter que provar de novo, senão tudo se repete. A Roda Cultural significa muito pra mim. Se não fosse eles, eu não seria nada no rap. Em 2025, vou chegar muito mais forte”, declara Pyetrin.

A tropinha da esquerda para à direita: Pyetrin, Isabella e Sagaz. Fotos: Daniel Grehs

Mesmo com toda a amizade, batalha é batalha! E, acontece com frequência dos MCs mirins se enfrentarem na roda. Porém, a disputa é só no calor do momento. Tanto é que as referências artísticas são as pessoas do mesmo território. Tutu MC, de 12 anos, não nega que vê os colegas como exemplo para caminhar na arte. Aliás, ele também é reconhecido por uma pedra preciosa: a safira. A raridade vem do esforço e insistência em apresentar uma rima de qualidade. 

“Você não pode parar, não pode desistir. Para o meu futuro, eu quero pelo menos ser campeão estadual e pisar lá no palco do nacional. Na Roda da Rocinha, eu consigo me aconchegar e rimar naturalmente, já que lá é minha casa. Eu tô rimando tanto que minha família nem me chama mais pelo nome, me chama pelo meu vulgo. Eles me apoiam muito!”.

Tutu MC

Em 2024, com a conquista do Edital Ações Locais, foi possível realizar a edição especial em dezembro com pocket show do rapper Sant, na Via Ápia. 

Os pequenos brilharam no palco para se despedir de mais um ano de desenvolvimento com a Roda Cultural. Em meio aos desafios de viver com dignidade em uma favela, a arte se mostra como uma ferramenta de mudança de trajetória.

“Observo como fruto de um trabalho bem feito, da nossa resiliência em não ter desistido do nosso trabalho. Ter esses MCs mirins renovam o nosso gás e mostra que estamos no caminho correto em ser uma referência boa na favela, mostrar que a arte é sim um caminho. Esses moleques vão dar um trabalho. São muito gente boa, extremamentes espertos. A cada edição eles evoluem mais. É bom acompanharem essa galerinha”, confessa Michel Moreira, um dos fundadores da Roda Cultural da Rocinha.

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