Rio antigo: a Fazenda Quebra Cangalha e a origem da Rocinha
Em homenagem aos 450 anos do Rio de Janeiro, o jornal FALA ROÇA revirou o baú e contará a origem da Rocinha por meio da memória do assessor comercial João Castro Guidão, 52 anos, herdeiro da família Castro Guidão.
A família Castro Guidão, de origem portuguesa, chegou ao Brasil em 1868. Na época, o jovem Braulio Noberto de Castro Guidão foi enviado por seus pais para cá para trabalhar na indústria de tecidos junto com outros portugueses. Alguns anos depois, o irmão de Braulio, Adriano de Castro Guidão, também foi enviado para o Brasil para trabalhar com seu irmão.
Diante disso, eles se tornaram sócios e fundaram a Companhia Castro Guidão cujas virtudes eram a Fé, Esperança e Caridade. Oriundos de Coimbra, região central de Portugal, os irmãos estabeleceram-se no comércio brasileiro e expandiram os negócios para a indústria de tecidos, bancos, fazendas, imóveis, pólvora e entretenimento. Na época, a Companhia Castro Guidão era dona de diversas fazendas no Rio de Janeiro, entre elas a fazenda Quebra Cangalha. Segundo João Castro Guidão, o dono da Quebra Cangalha, que ocupava um terreno de aproximadamente 500 mil metros quadrados de onde hoje é a Rocinha, era um fazendeiro português chamado Manoel Fernandes Cortinhas. Antes de retornar para Portugal, no início dos anos 10, ele vendeu a fazenda para o engenheiro Luiz Catanhede por cerca de 50 conto de réis.
“Luiz contratou cerca de 15 pessoas para cuidar e morar na fazenda. A área ocupada pela Rocinha possuía, originalmente, características rurais. Mas ele não tinha visão de negócios e entregou o terreno à Companhia Castro Guidão, em 1915, através de um acordo para acabar com uma dívida entre ele e o banco criado pelos Irmãos Guidão’’, conta João.
O assessor comercial conta que o nome da fazenda surgiu por causa de um tipo de madeira. “A cangalha era o nome das madeiras que sustentavam e equilibravam os bois. Como a fazenda era íngreme, as cangalhas quebravam facilmente. Daí surgiu o nome Quebra Cangalha porque o ex-dono das terras caminhava com os bois até o alto da Rocinha para plantar café, frutas, legumes e mamona”, explica João.
Apesar de ter ganhado a fazenda como pagamento de uma dívida, os irmãos Braulio Noberto de Castro Guidão e Adriano de Castro Guidão propriedade com mais de quinhentos mil metros quadrados, atravessada pela estrada que desce da Tijuca ao Jardim Botanico, perto do mar, e propria para sanatorio, collegio ou hospital. Trata-se com Castro Guidão & C. na Rua Primeiro de Março n° 7.”
O terreno não foi vendido e a urbanização da zona sul avançava com a construção da Avenida Niemeyer, em 1916. No início dos anos 20, existiam alguns pequenos produtores que plantavam legumes, verduras e hortaliças. Os produtos eram levados para uma feira na Praça Santos Dumont, na Gávea, através da Estrada da Gávea. Os consumidores perguntavam de onde vinham os produtos e os comerciantes diziam que era lá da “rocinha”, daí que surgiu o nome de nossa favela.
Os irmãos Guidão faleceram na metade dos anos 20 e os herdeiros assumiram os negócios. Entre 1927 e 1930, a Companhia loteou a fazenda e vendeu uma quantidade de terrenos para clientes particulares. Um dos lotes, de n° 81, foi doado para a Paróquia Nossa Senhora da Paz de Ipanema pela atriz Victória Miranda, nora de Adriano de Castro Guidão. Ela usou o nome da família e fez a doação do terreno, onde mais tarde foi construída a Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem, conhecida como Igreja da Fundação, perto do restaurante Bob’s.
No início dos anos 30, a Companhia Castro Guidão declarou falência e os herdeiros não tinham mais interesse pelo terreno da Fazenda Quebra Cangalha. A Estrada da Gávea passava por melhorias no asfalto e iluminação. Além disso, existiam boatos de que o terreno eram “terras do governo” ou “sem dono”, por isso as pessoas começaram a ocupar os lotes, contribuindo para o crescimento irregular da Rocinha.
Com a migração de nordestinos para cá no início dos anos 50, eles transformaram a Rocinha no que ela é atualmente. Uma cidade dentro da cidade.