Turismo na Rocinha atrai brasileiros e estrangeiros o ano todo
Foi em uma véspera do feriado da Proclamação da República com sol entre nuvens que subimos na laje onde foi gravado o clipe da música “Aí Preto”, do DJ Biel do Furduncinho, ao lado de cinco turistas e o guia turístico Gilmar Fernandes, nascido e criado na Rocinha. Nosso grupo não era o único que, naquela segunda-feira, subiu a Rocinha para conhecer os becos, o povo e a paisagem.
O passeio inclui histórias e fatos sobre a vida e vivência na favela, além de uma caminhada por pontos clássicos e vistas privilegiadas. Para Gilmar Fernandes, esta atividade beneficia a comunidade ao desconstruir a visão do lugar como hostil. “Os turistas começaram a descobrir que as favelas do Rio de Janeiro, ao contrário do que a mídia diz, não são tão perigosas assim: são lugares visitáveis. A Rocinha já foi considerada a maior favela da América Latina e isso desperta a curiosidade dos turistas. As pessoas começaram a viajar e ver que não é bem assim”.
O turismo na Rocinha existe desde a década de 1970, quando Paulo César “Amendoim”, morador da Rocinha, começou a levar hóspedes do Hotel Nacional, em São Conrado, onde ele trabalhava. Considerado o pai do turismo na Rocinha, Amendoim faleceu em 2020.
Em 2011, o turismo na favela aumentou com a ocupação militar de algumas favelas da zona sul do Rio para a instalação de unidades de polícia pacificadora. Um levantamento do Ministério do Turismo, divulgado em 2014, estimou que, durante a Copa do Mundo daquele ano, o turismo nas favelas cresceu em até 30%. A pesquisa também mostrou que 81% dos estrangeiros gastaram até R$ 10, o que contribui para a movimentação da economia local.
A primeira parada do tour na Rocinha contou com uma loja de souvenirs repleta de canecas, camisas, bonés e ímãs de geladeira. Enquanto esperava os clientes comprarem lembranças para levar às famílias, Gilmar contou que a procura pelo passeio turístico mudou depois da pandemia. “Acho que essa cultura de brasileiros irem mais para as favelas começou depois da pandemia, em comparação aos estrangeiros. A maior parte do meu público hoje é nacional.” Para fomentar ainda mais este interesse, o guia fechou parcerias com influenciadores locais, que divulgam o passeio nas redes sociais.
Pacotes de turismo personalizados
Uma das influenciadas foi a paulista Cilene dos Santos, que conheceu Gilmar pelos vídeos no TikTok. Além dela, estava outro morador de São Paulo, natural do Haiti e morador do Brasil há 9 anos. Era a segunda vez dele no Rio, e a primeira na Rocinha. Os outros turistas vinham de Goiânia e Curitiba. O goiano Jean Flávio Araújo iria com a mãe, que quase desistiu um dia antes. Mesmo assim, o sentimento de insegurança ainda é presente. “A oportunidade de vir conhecer a maior favela do Rio é um sentimento de grandeza, mas também um pouco de tensão. Eu não poderia deixar essa chance passar para poder tirar as minhas próprias convicções do que de fato é a favela.”
Entre os guias locais que conversamos, o consenso é que a experiência autêntica dificilmente será alcançada por agências de fora. O serviço ficou popularizado como turismo safári que normalmente envolve buscar os turistas no hotel com um Jipe e passar pela rua principal da Rocinha, sem sequer sair do carro. Gilmar acredita que estas agências acabam fomentando o medo das favelas. “Não é real. A diferença dos guias locais é que sabemos da história com propriedade e convivência, porque nós estamos aqui. Eu conheço não só a história, como a própria comunidade.” Para ele, embora a competitividade seja interessante, seria ideal que as empresas de fora pudessem trazer algum retorno para a comunidade.
Juliana de Vasconcelos concorda com esta visão. Há um ano trabalhando como guia, ela percebe que ainda há muito medo entre visitantes, estimulado pela mídia e pelo turismo negativo, como ela caracterizou. “Sou moradora e tenho propriedade para falar do lugar onde moro. O turismo que eu faço é para apresentar a comunidade e a arte local de forma construtiva, e não apenas as mazelas.”
Ela completou que, embora seja vendida como favela, a Rocinha está prestes a completar 30 anos como bairro, mas a percepção de forasteiros continua a mesma. Outro guia, Leandro Paim, acrescenta que o interesse do poder público pelas favelas da Zona Sul as tornam privilegiadas em relação às outras localidades da cidade. “A Rocinha é o paraíso das favelas do Rio, e este turismo ajuda na propagação de como ela é e de como poderiam ser as demais favelas”.
Enquanto Gilmar firmou sua clientela entre influenciadores nacionais, Leandro foi por um caminho diferente, inspirado pelo amigo. O guia fechou parcerias com criadores digitais da língua francesa em países como França, Bélgica e Marrocos. Naquele dia, uma família de três franceses acompanhou Leandro pelos becos da Rocinha. Um ano antes, a outra filha do casal, que estava estudando no Brasil, visitou a comunidade. O trio se surpreendeu com a segurança e a beleza do local. O filho comentou que o ambiente da favela já se tornou um clichê para eles, mas que não poderia deixar de visitar.
O passeio, que ficou bastante conhecido por conta das redes sociais, atrai um público diverso. Para os cinco que estavam conosco, a experiência de andar de moto táxi é fora do habitual e fez com que eles sentissem um pouco da rotina da vida nas favelas. No tour oferecido por Gilmar, a experiência vai além das ruas principais e dos pontos turísticos e, por isso, a casa dele faz parte do roteiro. Ele também faz questão de apresentar aos turistas os becos e vielas que somente os “locais” são capazes de conhecer. “Eu quero dar a experiência do morador, como se essas pessoas morressem aqui por duas horas”.
Apesar de ser mostrada em séries, filmes e clipes musicais, não é possível sentir ou dimensionar o cotidiano das favelas cariocas. Seja na Rocinha, Vidigal, Pavão Pavãozinho e Cantagalo ou nas comunidades da baixada fluminense da cidade, a vivência e a história de cada morador da favela é única. Por isso, Gilmar explicou que as trocas com moradores que mostram as realidades que vivem são essenciais.
“O que não pode faltar é caminhar pelos becos, conhecer a fundo a comunidade e interagir com as pessoas para entender que não somos animais, ladrões e traficantes, mas pessoas honestas. É fundamental criar esse vínculo entre as pessoas de fora e a comunidade”.
*Conteúdo produzido pelas estudantes Carolina Smolentzov e Lorena Lima através da parceria do Fala Roça com a disciplina de Jornalismo e Cidadania, ministrada pela professora Lilian Saback, do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio