Turismo sobre duas rodas conquista espaço na Rocinha
No vai e vem das motocicletas na Rocinha, um intenso fluxo de pessoas presta os mais variados serviços. Entre mototáxis, entregas e guias turísticos, as ruas da maior favela do Brasil — segundo o Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) — destacam-se pela circulação constante de motos, uma marca da cultura local.
Com o crescimento do turismo e o alcance das redes sociais, alguns mototaxistas encontraram uma nova oportunidade: tornaram-se guias turísticos sobre duas rodas. Essa abordagem oferece uma nova forma de explorar a favela, em contraste com os tradicionais passeios de jipe pela região, frequentemente apelidados de “turismo safári”.
Com uma moto, um celular e o conhecimento da favela onde nasceu, Almir dos Santos, mais conhecido como Mica, de 36 anos, transformou sua trajetória. Após trabalhar por 10 anos em uma loja de sapatos — passando de estoquista a gerente —, ele se tornou guia de turismo e, posteriormente, moto-guia. Criado na Rocinha, Mica acredita que sua experiência no atendimento ao público foi essencial para conquistar mais clientes interessados em conhecer a favela.
Já atuando como guia, ele decidiu incorporar a moto ao trabalho, permitindo que os passeios fossem mais abrangentes e alcançassem diversos pontos da região. O tour começa com uma subida de moto até o alto da favela, no Visual do Laboriaux, e depois segue para uma caminhada pelos becos e vielas, acompanhada pela história e cultura local.
“Cada pessoa que se permite estar aqui tem que vir de coração aberto. Tem gente que vem com medo, mas que no final do tour quer voltar e fazer de novo. É de acordo com cada cliente. Tem muita coisa para mostrar aqui dentro. Existe oportunidade para todo mundo, é só querer e procurar. Antes, para fazer turismo tinha que saber inglês, mas hoje é muito mais fácil, temos um computador nas nossas mãos”, afirmou.
Mica tem clientes de todas as partes do Brasil, e com o auxílio da tecnologia, mesmo sem saber o inglês, atende estrangeiros também. Para ele, o que diferencia o seu tour é o fato de ser mais completo, com duração de 1h30 a 3h, enquanto outros duram de 30-40 min, além do tratamento personalizado. Ele ajuda os turistas a tirar fotos, gravar vídeos e a mostrar a realidade da comunidade para além do que sai na mídia tradicional. Na visão dele, a tecnologia foi um fator muito importante para a divulgação do turismo feito por moradores locais.
Após um incidente em 2017, no qual a turista espanhola Esperanza Ruiz Jimenez, de 67 anos, morreu ao ser atingida por tiros disparados por dois policiais, o turismo na favela sofreu uma queda significativa. Renan Monteiro, idealizador da agência de turismo Rocinha MotoTour, relata que foi após esse episódio que, em 2018, surgiu a ideia de criar uma agência de moto-tours para revitalizar o turismo na favela.
Ele explica que reuniu um grupo de conhecidos, que já trabalhavam como mototaxistas e entregadores, e apresentou a proposta de oferecer tours guiados voltados para turistas de diferentes partes do mundo.
A ideia, colocada em prática em meio a pandemia, passou a trazer cada vez mais resultados e a agência ficou mais séria a ponto de Renan financiar a formação dos colegas de trabalho. Alguns deles puderam tirar o Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur), do Ministério do Turismo, para se consagrarem como guias profissionais, habilitados para trabalhar por todo Rio de Janeiro.
Após cinco anos da iniciativa, ele afirma que conseguiram trazer o turismo de volta com força total e que hoje vivem um momento de alta no setor. Além disso, ampliaram o negócio de forma que também oferecem passeios por outros lugares do Rio.
O principal diferencial do turismo de motocicleta promovido pela Rocinha Moto Tour é a agilidade que as motos oferecem, combinado com o fato de ser conduzido por moradores da Rocinha, que compartilham com os visitantes uma perspectiva autêntica e especial do local.
Monteiro define o passeio como uma experiência de aventura, em que os turistas podem explorar diferentes facetas da comunidade, vivenciar a realidade dos moradores, conhecer a cultura da favela e visitar pontos essenciais. Segundo ele, 70% dos clientes são brasileiros, enquanto os outros 30% vêm de diversos países. Atualmente, a agência opera com 10 guias fixos, sendo quatro deles devidamente cadastrados.
Fernanda Rodrigues, contadora de 31 anos e natural da cidade de Ubatuba, São Paulo, fez o primeiro tour pela Rocinha com o Mica, quando ele ainda trabalhava para o Mirante da Rocinha. Paulista interessada no Rio, Fernanda afirma que a maior motivação para realizar o tour foi quebrar o estereótipo sobre as favelas. Uma vez na cidade maravilhosa não foi suficiente para a turista, que decidiu voltar com mais 3 amigas. A segunda visita trouxe consigo um segundo tour pela Rocinha. Dessa vez, no entanto, com o serviço autônomo de Mica.
As duas experiências contrastam para ela. Na primeira vez, Fernanda confessa que foi com medo conhecer a favela; na segunda, já estava mais acostumada e conseguiu compreender e aproveitar melhor o ambiente. A turista conta que o tour vivido pela segunda vez, foi melhor e mais completo em razão da duração e compreensão do espaço.
“Além de quebrar um pouco daquele paradigma que a gente tem, o tour foi muito cultural. Eu saí de lá com uma visão completamente diferente”, detalha.
O tour de Mica custa R$150 e é agendado diretamente com ele, pelo telefone ou redes sociais, no @micamk.tour. Já o da Rocinha Mototour custa R$60, com duração mínima de 40 minutos, e o agendamento é feito pelo Instagram no @rocinhamototour.
*Reportagem produzida através da disciplina Jornalismo e Cidadania, ministrada pela professora Lilian Saback por meio de extensão universitária do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio.