Opinião: A venda da Cedae e o que pode mudar na vida de quem mora na favela

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O projeto de lei que prevê a privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) foi aprovado pelo plenário da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) nesta segunda-feira (20). Foram 41 votos a favor e 28 contrários à proposta.

Segundo o governo estadual, a venda da companhia é uma das condições do Plano de Recuperação Fiscal, firmado em janeiro com a União, que prevê a suspensão do pagamento da dívida do estado com o Governo Federal. O governo espera um alívio de R$ 62 bilhões em três anos. A votação do projeto de lei na ALERJ pegou muitos populares de surpresa.

A discussão sobre o abastecimento de água e o tratamento de esgoto nas favelas é um assunto debatido há décadas por lideranças comunitárias. Em 2016, o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB), iniciou um estudo para dar à iniciativa privada uma concessão para implantar sistemas de esgoto e abastecimento de água em favelas do Rio com Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), através de um programa de Parceria Público-Privada (PPP).

Segundo dados do Censo Domiciliar do PAC, divulgado em 2010, cerca de 70 mil pessoas moram na Rocinha. 69,3% dos moradores são abastecidos pela Cedae. O restante da população possuem ligações internas, rede não oficial, um poço ou nascente em sua casa ou buscam água em bicas. Outro dado importante é o destino do esgoto: 10,3% do esgotamento vão para valas, fossas, rede pluvial (água da chuva) e rio, lagos e mar. No entanto, basta caminhar pela Rocinha, passar por uma vala e notar que o esgoto que sai das casas não está ligado à rede de esgotos da cidade, ou seja, o esgoto vai para a estação de tratamento de esgotos em São Conrado, e em seguida, vai para os rios, para o mar, etc.

Os moradores de favelas perceberam o quão prejudicial são as privatizações de serviços públicos, um exemplo é a distribuição de energia elétrica feita pela Light S.A.. Relatos em diferentes comunidades na Zona Sul mostram que a empresa está cobrando valores incompatíveis com a renda dos moradores.

Segundo a Cedae, as comunidades e conjuntos habitacionais destinados a moradores de baixa renda, que apresentarem documentação em atendimento ao Decreto 25.438/99, possuem direito ao benefício de uma tarifa diferenciada chamada Tarifa Social. A cobrança de Tarifa Social do serviço de água e esgoto para 30 dias é no valor total de R$28,72. Em votação no plenário da Alerj, os deputados aprovaram uma emenda que defende a manutenção da tarifa social – um dia depois da aprovação da privatização.

Privatização preocupa moradores

Para o morador da Rocinha e ativista comunitário, José Martins, de 70 anos, mesmo que haja um subsídio do Governo do Estado para as favelas, o valor não ficará em um preço acessível para a população de baixa renda. “Com a venda da Cedae, os moradores da Rocinha vão pagar água e esgoto, não sei se as pessoas terão condição de pagar. Imagino que a conta pode vir uns R$ 150,00 por cada moradia”, diz Martins.

Atentos às movimentações políticas, lideranças de associações de moradores de favelas no Rio de Janeiro se uniram e fundaram, em 2014, a União Comunitária. Uma associação intercomunitária que reúne líderes de mais de sessenta favelas no Rio de Janeiro para defender melhores políticas públicas em suas comunidades. O vice-presidente da organização, Reinaldo Reis, de 42 anos, é morador do Tabajaras, na Zona Sul do Rio. Para ele, a crise é só uma desculpa para justificar o Estado falido e envolvido em muitos casos de corrupção. Os maiores perdedores são os moradores de favelas. “A gente acredita que as favelas vão sofrer muito porque temos a experiência da privatização da Light, quando o governo estadual através do projeto das UPPs, fez com que a Light fosse seu parceiro mais forte. Hoje tem casebres na comunidade com um ventilador, uma geladeira e dois cômodos pagando de R$ 700 a R$ 800 de luz. Com a privatização da Cedae, o modelo será igual causando a gentrificação nas favelas”, explica Reis.

Ter os serviços públicos regularizados nas favelas sempre foi pauta nas lutas dos movimentos comunitários. Segundo o presidente da Associação de Moradores e Amigos do Laboriaux e Vila Cruzado, José Ricardo Duarte, de 51 anos, a partir do momento em o morador de favela se encontra tratado e equiparado a qualquer outro cidadão, ele tem consciência, direitos e obrigações para pagar os serviços com um preço justo. Porém, os serviços públicos nas favelas são deficientes. “Sempre converso com os moradores do Laboriaux e tem vezes que ficamos 4 ou 5 dias sem água. O recolhimento de esgoto não abrange toda a favela por causa das valas e por você conviver com essa situação, te desmotiva você a agir enquanto cidadão pagando seus tributos pelas necessidades básicas”, conta Ricardo.

O clima é de incerteza nas favelas. Ou melhor, uma coisa é certa: a conta poderá aumentar, pois ninguém investe milhões de reais em uma empresa ser ter lucro sobre o serviço ofertado. Apesar da tarifa social ser mantida mesmo com a privatização da Cedae, os valores podem mudar. As tarifas sociais devem ser discutidas com os moradores de comunidades porque cada favela tem sua dinâmica e diversidade.

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