Vendas porta a porta garante renda e movimenta a economia na Rocinha 

A prática de venda de porta em porta é antiga na Rocinha e continua sendo uma fonte de renda para muitos moradores

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Durante 15 anos, Maria do Socorro, 50 anos, percorreu as ruas da Rocinha vendendo roupas e perfumes. “Eu trabalhava de domingo a domingo, sem horário. Às vezes estava na rua às duas da manhã, outras, o dia todo, sem parar”, lembra. O esforço trazia resultados: “Cheguei a tirar oito, dez mil por semana, mas trabalhava muito para isso”.

O público era variado, mas ela tinha preferência por vender para homens. Conquistou clientes em praticamente todo o morro, da Vila Verde ao Largo do Boiadeiro. “Tenho mais de três mil contatos no telefone. Até hoje me procuram para comprar roupa”, conta. 

Maria começou como empregada doméstica, mas um convite para vender perfumes mudou seu rumo. Com R$700, comprou um kit de produtos e passou a bater de porta em porta. Logo, começou a oferecer roupas, que se tornaram um sucesso de vendas na favela. Com o lucro, comprou uma casa e uma moto nova para o filho.

A economista Mara Rubia Domingues explica que a venda porta a porta, especialmente com pagamento parcelado, é uma prática comum em muitas favelas brasileiras. “Mais do que comércio, é um caminho concreto de acesso para famílias sem cartão de crédito, internet ou fácil acesso ao comércio tradicional. Ela se baseia em relações de confiança e movimenta a economia local”, afirma.

O peso desse mercado se relaciona a um dado nacional expressivo: mais de 32 milhões de brasileiros atuam como autônomos informais ou trabalham sem carteira assinada, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

É nesse universo que a venda porta a porta se consolida como alternativa de geração de renda e sobrevivência.

Maria confirma que a confiança era parte central do negócio. Usava cadernos para anotar nomes, valores e prazos. O pagamento podia ser semanal, quinzenal ou mensal, de acordo com o cliente. “Era bom para ele e bom para mim. A maioria me pagava por semana. Tudo de boca, mas com muita amizade e respeito.”

Maria do socorro hoje é dona de bar, mas pretende voltar a vender mercadorias de porta em porta no morro. Foto: David Souza

Acesso ao crédito

Essa prática dialoga com o hábito de consumo de grande parte dos brasileiros. De acordo com pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), realizada em parceria com a Offerwise, 69 milhões de consumidores tinham contas parceladas em janeiro de 2025 — no cartão de crédito, cartão de lojas, crediário ou cheque pré-datado. 

O levantamento indica ainda que, em média, cada consumidor mantém 4,6 parcelas de compras no crédito, o que ajuda a explicar por que o crediário informal oferecido por Maria encontra tanta receptividade.

Segundo Mara Rubia, essa flexibilidade é uma vantagem, mas exige cuidados. “Nem sempre o valor total da compra está claro, e os juros embutidos podem encarecer muito o produto. Além disso, sem contrato formal, o consumidor pode não conhecer seus direitos.”

Maria do Socorro vendia tanto produtos caros quanto mais baratos, sempre mantendo margem de lucro.

 “Nunca trabalhei com queda de preço nem promoção. Se comprava algo por R$100, vendia por R$150. No caso de peças caras, mantinha o valor original e acrescentava meu ganho.” Ela fazia questão de informar o preço e, se solicitado, entregar nota fiscal.

Para a economista, práticas como a de Maria garantem dignidade e autonomia, mas precisam ser transparentes. “O vendedor deve informar valor total, número de parcelas e juros. O consumidor, por sua vez, deve avaliar se a compra cabe no orçamento e registrar as condições por escrito.”

Maria, que hoje administra um bar, pensa em voltar para as ruas. “Eu gosto do público, gosto de andar. A Rocinha é um lugar maravilhoso para ganhar dinheiro. Quem quer trabalhar, trabalha.” A experiência, ela diz, deixou marcas profundas: “Por onde passei, deixei amor, amizade e carinho. E isso, cliente nenhum esquece.”

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